Como está o mercado de arrendamento?
O problema das rendas altas é uma espécie de lepra.
E como se pode resolver?
O problema resolve-se, acima de tudo, com intervenção política, e é o que tem faltado. Temos um mercado de arrendamento – e não é de hoje – completamente disfuncional, desacreditado e caríssimo. Só recorre mesmo ao arrendamento quem não tem outra alternativa e, por outro lado, assistimos a outras situações de sobrelotações que ainda desprestigiam mais este mercado. A intervenção pública tem de passar primeiro por regular o mercado, pois é uma atividade económica que não está regulada, está regulamentada no sentido de que existe uma relação entre as parte através de um contrato, mas não está regulado enquanto atividade económica. O que é que isto significa? Que não há registos, nem há fiscalização. Se temos um mercado que não tem regulação, nem fiscalização é normal que não funcione como devia. Há uns dois meses foi dito pela Inspeção-Geral das Finanças que 60% do arrendamento não está manifestado na Autoridade Tributária, portanto não paga impostos, uma vergonha do ponto de vista da administração pública que não cuida, nem trata de um mercado importante que não só tem a ver com as famílias, mas também com a parte fiscal.
Sente que há oportunismo por parte de alguns proprietários ao pedirem rendas altas?
Do ponto de vista do negócio, naturalmente que vender um produto ou um serviço por mais dinheiro não me parece ser uma coisa totalmente errada. O problema está a montante e não a jusante, isto é: se o mercado não está regulado, se não há fiscalização e se não há uma fiscalidade compatível com a função social dessa mesma atividade, as coisas não funcionam. O que é que propomos? Regular o mercado, registar o mercado para saber quem é quem, fiscalizar o mercado e ter uma política fiscal escalonada e progressiva sobre as rendas, estilo IRS, para que as rendas mais altas paguem mais imposto e as mais baixas paguem menos ou em alguns casos e até determinados valores não paguem nenhum imposto, tal como acontece com os rendimentos do trabalho ou das pensões. Estas medidas são necessárias para estabilizar, credibilizar o mercado de arrendamento, além de outra componente que é a oferta. É preciso haver mais oferta, mas para isso, é preciso haver algum investimento público que está previsto por parte deste Governo. A outra é a utilização dos edifícios que estão vazios, mesmo as construções relativamente recentes estão vazias porque os proprietários não as querem disponibilizar para o arrendamento porque o mercado não funciona e não têm confiança. E dar confiança tem de passar pela parte regulamentar, em que é necessário apostar um prazo mínimo razoável de três, cinco anos e depois seja a respetiva continuidade. Não pode assentar em contratos de um ano não renováveis, isto não faz sentido nenhum porque se traduz numa instabilidade tremenda. Logo é preciso aumentar o prazo do contrato inicial e a sua continuidade e são precisas outras garantias, como acabar com os fiadores, criar um seguro de renda, criar um seguro multirriscos. Andamos há anos a fazer estas propostas. O problema é político, é dos Governos e dos partidos políticos que não optam pelas soluções devidas para uma coisa complexa, por um lado, mas simples, por outro. Mas é vergonhoso para a administração ter um mercado disfuncional, desacreditado, não registado e que não paga impostos. E depois aí surge um certo oportunismo por parte de alguns senhorios que não fazem contratos, recebem rendas chorudas, etc., mas isto tem a ver com os antecedentes.
Até lá, quem procura uma casa para arrendar tem uma tarefa difícil pela frente…
Exatamente, mas isso não é uma novidade nenhuma. Há 50 ou 60 ou 70 anos quando se arrendava uma casa em Lisboa ou Porto, o salário de uma pessoa era para a renda, na altura, era o chamado salário do chefe de família só que, nessa altura, as famílias eram mais numerosas, acumulavam-se dentro das casas e as casas na generalidade eram maiores – com exceção de Alfama e Mouraria – e havia hospedagem, compondo assim o rendimento familiar para poderem pagar as rendas. Hoje a situação está mais agravada. E mesmo as rendas mais antigas deixaram de estar congeladas e, desde o ano passado, passaram a ser atualizadas anualmente, sem exceção.
Este ano irão sofrer um aumento de 2,16%…
Mas isso tem a ver com a inflação. A inflação é curta? É para tudo, não é só para as rendas.
Em 2023 houve um aumento de quase 7%…
Exatamente. Mas estamos a falar das rendas em vigor, não é sobre as rendas novas. Para novos contratos o mercado é livre e, por isso, cada um faz o que lhe apetece ao preço que vende o seu serviço. Outra coisa são as regras do jogo que não estão claras e, como tal, criam abusos.
Mas há quem se queixe de ver o seu contrato a chegar ao fim e ter de fazer um novo, mas a preços mais altos…
Isso é trivial. Por exemplo, fazem um contrato de um ano de mil euros, o segundo já vai para 1200 euros, o terceiro ainda sobe ainda mais e assim sucessivamente. Depois há contratos que já estipulam que para utilização para ano seguinte é, por exemplo, 10%. E as pessoas assinam porque, muitas vezes, não têm alternativa. Depois dá origem a outro tipo de problemas que são os incumprimentos por parte dos inquilinos e que levam que depois os senhorios a queixarem-se que o despejo não funciona. Claro que não, mas nada disto funciona. Para o senhorio que tem um negócio, se os processos são lentos representam uma maçada do ponto de vista económico, mas para o inquilino que não cumpre sabe-se lá porquê – se calhar não pode – qual é a alternativa? É um jogo viciado. Um não declara rendimentos e não paga imposto e o outro não paga porque não pode.
E como vê o programa de rendas acessíveis? Há quem diga que os valores também são elevados…
Aquilo a que se chama de renda acessível é calculado 20% abaixo da mediana daquilo que se pratica. Por exemplo, se pratica 1500 euros por um T2, 20% a menos são 300 euros, o que dá uma renda de 1200 euros. Se o salário médio é 1500 euros, mas o salário mediano anda a volta dos mil e pouco euros então é normal que nada disto funcione.
Tem recebido mais pedidos de ajuda?
O problema maior é a não renovação de contratos, nem sequer são os incumprimentos. Aliás, muitos dos incumprimentos nem sequer passam pela associação porque as pessoas têm algum pudor nestas coisas e vivem sozinhas o drama.
E como vê o facto de tanto a administração central como local terem imóveis que não os colocam no mercado…
As casas públicas devem estar arranjadas e em utilização e devia haver uma bolsa disponível para acudir às emergências, sem ser de ocupação permanente para responder aos problemas das famílias. Estes problemas devem ter uma resposta pública e não do setor privado. Agora o que se passa é que há milhares de casas vazias em Lisboa, Porto e arreadores, algumas das quais são casas novas e deviam estar a ser utilizadas, independentemente do proprietário. Mas quando isto não é feito, nem é obrigatório aliado à falta de regulação, de fiscalização e de estabilidade implica que muitos senhorios não queiram arrendar porque não estão para ter chatices, principalmente quando não precisam do rendimento.
Mas este Governo também reconhece o problema da habitação…
Muda o governo e as pessoas, mas as políticas são as mesmas. Podemos assistir a uma narrativa com algumas diferenças, mas as medidas já tomadas foram de apoio à procura e não de apoio à oferta. O que é que acontece? Quando se apoia a procura, a oferta assimila os apoios. Exemplos: com o IRS Jovem e o que aconteceu ao preço das casas? Subiram. E com o apoio às rendas? Subiram as rendas. Agora o IVA da construção poderá baixar para 6% e o que acontece aos materiais de construção? Aumentaram logo. É tudo assimilado.
Não há solução à vista?
Tem de se tomar medidas de regulação do mercado, de registo de mercado – plataforma idêntica ao alojamento local – e a partir daí poderá funcionar porque irá haver fiscalização e haverá a alguém a quem se possa recorrer, neste momento, não se pode recorrer a nada.