Paz já, Paz agora


Os crimes contra a humanidade não são hediondos e reprováveis se vitimizarem aqueles de quem mais gostamos ou toleráveis se praticados contra os que, por uma ou outra razão, consideramos nossos inimigos.


  • Numa noite de insónia, depois de fazer um zapping irrequieto, acabei por abrir a Netflix onde encontrei um documentário sobre como deslizantemente vários dos governos europeus no início do Século XX deixaram, contra a vontade expressa de cada um, que os seus países avançassem e se envolvessem, entre 1914 e 1918, naquela que ficou conhecida como a «Grande Guerra» ou a «I Guerra Mundial».

O documentário intitulado «The Long Road to War» descreve, com minúcia, os argumentos e pretextos – uns reais, outros fictícios – que levaram algumas grandes potências europeias da altura a iniciarem pequenos conflitos fronteiriços, reivindicando certos territórios e a governação dos respetivos povos cujo domínio, durante anos, tinha oscilado, alternadamente, entre uma ou outra dessas potências imperiais.

Quando falo em grandes potências europeias, refiro-me, de um lado, à Alemanha, ao Império Austro-Húngaro e ao império Otomano.

Foram elas que, durante séculos, com a Rússia, foram sucessivamente disputando o domínio e o controlo de outros povos e Estados da Europa central, oriental e balcânica.

No outro lado, ora apoiando um desses impérios ora outro, a França e a Grã-Bretanha iam-se, também, imiscuindo na política expansionista dessas potências, de modo a poderem controlá-las melhor.

As clivagens daí derivadas serviram de pretexto a inúmeros conflitos locais, tendo um deles servido de detonador e inflamado a guerra que se espalhou pela Europa.

Refiro-me à I Grande Guerra, que durou 4 anos

Em tal conflito, intervieram também a Itália e a Sérvia e, com menor relevância, Portugal, a Roménia, os Países Baixos e o Luxemburgo.

Portugal interveio para defender a manutenção das colónias africanas, os Países Baixos e o Luxemburgo por se situarem, geograficamente, na zona de passagem do exército alemão em direção a França.

Por fim, em apoio da França e da Grã-Bretanha, importa destacar a intervenção determinante de uma nova potência não europeia: os EUA

  • O referido documentário vai explicando, passo a passo, os avanços e recuos de uns e de outros e a variação de posições que as grandes potências de então iam tomando, de forma a que a iniciativa de desencadear uma guerra maior não lhe pudesse ser assacada.

Centrada, de início, no mais limitado conflito entre Império Austro-Húngaro e a Sérvia, a verdade é que tais incidentes bélicos diziam realmente respeito ao puzzle que presidia, mais genericamente, à definição nacional e territorial dos Balcãs e à influência que o império austríaco aí desejava manter.

Foi, portanto, um processo em que, simultaneamente, os povos eslavos que habitavam esse território procuravam a sua libertação do que restava do jugo otomano tentavam formar Estados nacionais e iam disputando, entre si, a integração dos territórios conquistados aos otomanos.

No entanto, talvez mais realisticamente, as rivalidades que conduziram à Grande Guerra radicaram, de facto, no afrontamento entre a vontade imperial das grandes potências centrais, lideradas pela Alemanha e o Império Austro-Húngaro, e a das reunidas, então, em torno da Triple Entente, que englobava a Grã-Bretanha, a França e a Rússia.

Questões como a repartição de territórios coloniais entre algumas dessas principais potências foram, ainda, determinantes nesse deslizar progressivo para a guerra entre elas.

O espírito nacionalista, colonial, imperialista, preponderante nas elites de tais potências, empurrou-as, pois, para uma guerra brutal.

Isto, apesar da oposição que, num lado e no outro, alguns partidos operários manifestaram, no início, contra tal guerra.

  • O que há a reter de mais significativo em tal documentário é o facto de o jogo político-diplomático que levou à guerra ter sido conduzido, no fundamental, pelos interesses económicos – por exemplo, os da indústria armamentista – que suportavam o, assim chamado, «partido da guerra» que, com diferentes manifestações, existia nos dois lados do conflito.

O mais grave foi terem tido todos a consciência de que tal conflito alargado ocorreria mesmo, apesar de saberem que as novas armas, disponíveis em ambos os lados, produziriam um massacre sem precedentes.

Mesmo assim, os governos dos países implicados no deflagrar da Guerra, inclusive quando assumiram posições tendentes a retardar o mais possível o início das hostilidades, não o fizeram por uma questão humanitária, mas para terem mais tempo para melhor se prepararem e equiparem militarmente.

  • Olhando agora para tal documentário, não podemos deixar de reparar nas similitudes – mas também nas dissemelhanças – entre o que então aconteceu no período que mediou entre 1905 e 1914, e o que sucede hoje, de novo, na Europa.

Na verdade, também hoje vamos resvalando todos os dias, impulsionados pelo «partido da guerra», para um conflito que todos dizem querer evitar.

Conflito que está sendo justificado por uma irresponsável pressão político-militar para ampliar novas zonas de influência e por uma fixação de novos «espaços vitais», alegadamente capazes de retardar qualquer ataque que venha de um ou de outro dos lados.

Claro está que existem outras contradições subjacentes: conflitos no domínio da economia, no domínio da gestão das matérias primas e da energia (petróleo, gás natural) e no da afirmação no mundo de outros mercados, mesmo que estes não estejam diretamente envolvidos no conflito que se prepara e ergue todos os dias na Europa.

O que parece evidente é a preocupação de uns com a perda da influência económica e militar que tinham sobre áreas importantes do mundo – a Europa, por exemplo – e a oposição de outros a que fosse possível isso voltar a acontecer.

Ao contrário do que se esforçam por nos convencer, nada neste conflito nascente tem, contudo, a ver com o afrontamento entre um bloco democrático e outro que o não é.

Não se trata, portanto, de um enfrentamento entre duas visões do mundo: autocracias versus democracias.

Basta, para o compreender, atentar na prática «democrática» de alguns dos países que integram um e outro bloco.

Basta, para o compreender, ver como os atos bárbaros que se condenam, quando praticados por um dos lados que se digladiam no conflito europeu, não merecem uma crítica ou sanção efetiva se praticados, simultaneamente e com a mesma ou maior barbaridade, por um Estado que, no Médio-Oriente, é aliado de uma das partes em confronto na Europa.

Aquela que, na Europa, se bate, alegadamente, em nome da defesa da democracia e dos valores do humanismo.

A voz altiva que a Europa usa quando condena as atuações malvadas que se dão em alguns países não pertencentes ao que se usa chamar o «ocidente», logo se suaviza, porém, quando, por exemplo, o Secretário-Geral da ONU é enxovalhado ante o mundo por um dos seus aliados, apenas por se ter atrevido a chamar, muito portuguesmente, os bois pelos nomes.

  • Os crimes contra a humanidade não são, porém, hediondos e reprováveis se vitimizarem aqueles de quem mais gostamos e toleráveis se praticados contra os que, por uma ou outra razão, consideramos nossos inimigos.

Não temos muito tempo para parar as guerras, mas todo o tempo de que dispomos é fundamental para impedir que os interesses da guerra e do seu partido – e este não tem pátria – nos deixem resvalar de novo para uma tragédia mundial, a acontecer, talvez a definitiva.

Clamar por «paz já, paz agora» não tem, pois, só a ver com a imperativa necessidade de parar com as matanças atuais, significa, também, tentar impedir que as principais e desalmadas guerras existentes derrapem, imponderadamente, uma vez mais, para um conflito mundial.

Paz já, Paz agora


Os crimes contra a humanidade não são hediondos e reprováveis se vitimizarem aqueles de quem mais gostamos ou toleráveis se praticados contra os que, por uma ou outra razão, consideramos nossos inimigos.


  • Numa noite de insónia, depois de fazer um zapping irrequieto, acabei por abrir a Netflix onde encontrei um documentário sobre como deslizantemente vários dos governos europeus no início do Século XX deixaram, contra a vontade expressa de cada um, que os seus países avançassem e se envolvessem, entre 1914 e 1918, naquela que ficou conhecida como a «Grande Guerra» ou a «I Guerra Mundial».

O documentário intitulado «The Long Road to War» descreve, com minúcia, os argumentos e pretextos – uns reais, outros fictícios – que levaram algumas grandes potências europeias da altura a iniciarem pequenos conflitos fronteiriços, reivindicando certos territórios e a governação dos respetivos povos cujo domínio, durante anos, tinha oscilado, alternadamente, entre uma ou outra dessas potências imperiais.

Quando falo em grandes potências europeias, refiro-me, de um lado, à Alemanha, ao Império Austro-Húngaro e ao império Otomano.

Foram elas que, durante séculos, com a Rússia, foram sucessivamente disputando o domínio e o controlo de outros povos e Estados da Europa central, oriental e balcânica.

No outro lado, ora apoiando um desses impérios ora outro, a França e a Grã-Bretanha iam-se, também, imiscuindo na política expansionista dessas potências, de modo a poderem controlá-las melhor.

As clivagens daí derivadas serviram de pretexto a inúmeros conflitos locais, tendo um deles servido de detonador e inflamado a guerra que se espalhou pela Europa.

Refiro-me à I Grande Guerra, que durou 4 anos

Em tal conflito, intervieram também a Itália e a Sérvia e, com menor relevância, Portugal, a Roménia, os Países Baixos e o Luxemburgo.

Portugal interveio para defender a manutenção das colónias africanas, os Países Baixos e o Luxemburgo por se situarem, geograficamente, na zona de passagem do exército alemão em direção a França.

Por fim, em apoio da França e da Grã-Bretanha, importa destacar a intervenção determinante de uma nova potência não europeia: os EUA

  • O referido documentário vai explicando, passo a passo, os avanços e recuos de uns e de outros e a variação de posições que as grandes potências de então iam tomando, de forma a que a iniciativa de desencadear uma guerra maior não lhe pudesse ser assacada.

Centrada, de início, no mais limitado conflito entre Império Austro-Húngaro e a Sérvia, a verdade é que tais incidentes bélicos diziam realmente respeito ao puzzle que presidia, mais genericamente, à definição nacional e territorial dos Balcãs e à influência que o império austríaco aí desejava manter.

Foi, portanto, um processo em que, simultaneamente, os povos eslavos que habitavam esse território procuravam a sua libertação do que restava do jugo otomano tentavam formar Estados nacionais e iam disputando, entre si, a integração dos territórios conquistados aos otomanos.

No entanto, talvez mais realisticamente, as rivalidades que conduziram à Grande Guerra radicaram, de facto, no afrontamento entre a vontade imperial das grandes potências centrais, lideradas pela Alemanha e o Império Austro-Húngaro, e a das reunidas, então, em torno da Triple Entente, que englobava a Grã-Bretanha, a França e a Rússia.

Questões como a repartição de territórios coloniais entre algumas dessas principais potências foram, ainda, determinantes nesse deslizar progressivo para a guerra entre elas.

O espírito nacionalista, colonial, imperialista, preponderante nas elites de tais potências, empurrou-as, pois, para uma guerra brutal.

Isto, apesar da oposição que, num lado e no outro, alguns partidos operários manifestaram, no início, contra tal guerra.

  • O que há a reter de mais significativo em tal documentário é o facto de o jogo político-diplomático que levou à guerra ter sido conduzido, no fundamental, pelos interesses económicos – por exemplo, os da indústria armamentista – que suportavam o, assim chamado, «partido da guerra» que, com diferentes manifestações, existia nos dois lados do conflito.

O mais grave foi terem tido todos a consciência de que tal conflito alargado ocorreria mesmo, apesar de saberem que as novas armas, disponíveis em ambos os lados, produziriam um massacre sem precedentes.

Mesmo assim, os governos dos países implicados no deflagrar da Guerra, inclusive quando assumiram posições tendentes a retardar o mais possível o início das hostilidades, não o fizeram por uma questão humanitária, mas para terem mais tempo para melhor se prepararem e equiparem militarmente.

  • Olhando agora para tal documentário, não podemos deixar de reparar nas similitudes – mas também nas dissemelhanças – entre o que então aconteceu no período que mediou entre 1905 e 1914, e o que sucede hoje, de novo, na Europa.

Na verdade, também hoje vamos resvalando todos os dias, impulsionados pelo «partido da guerra», para um conflito que todos dizem querer evitar.

Conflito que está sendo justificado por uma irresponsável pressão político-militar para ampliar novas zonas de influência e por uma fixação de novos «espaços vitais», alegadamente capazes de retardar qualquer ataque que venha de um ou de outro dos lados.

Claro está que existem outras contradições subjacentes: conflitos no domínio da economia, no domínio da gestão das matérias primas e da energia (petróleo, gás natural) e no da afirmação no mundo de outros mercados, mesmo que estes não estejam diretamente envolvidos no conflito que se prepara e ergue todos os dias na Europa.

O que parece evidente é a preocupação de uns com a perda da influência económica e militar que tinham sobre áreas importantes do mundo – a Europa, por exemplo – e a oposição de outros a que fosse possível isso voltar a acontecer.

Ao contrário do que se esforçam por nos convencer, nada neste conflito nascente tem, contudo, a ver com o afrontamento entre um bloco democrático e outro que o não é.

Não se trata, portanto, de um enfrentamento entre duas visões do mundo: autocracias versus democracias.

Basta, para o compreender, atentar na prática «democrática» de alguns dos países que integram um e outro bloco.

Basta, para o compreender, ver como os atos bárbaros que se condenam, quando praticados por um dos lados que se digladiam no conflito europeu, não merecem uma crítica ou sanção efetiva se praticados, simultaneamente e com a mesma ou maior barbaridade, por um Estado que, no Médio-Oriente, é aliado de uma das partes em confronto na Europa.

Aquela que, na Europa, se bate, alegadamente, em nome da defesa da democracia e dos valores do humanismo.

A voz altiva que a Europa usa quando condena as atuações malvadas que se dão em alguns países não pertencentes ao que se usa chamar o «ocidente», logo se suaviza, porém, quando, por exemplo, o Secretário-Geral da ONU é enxovalhado ante o mundo por um dos seus aliados, apenas por se ter atrevido a chamar, muito portuguesmente, os bois pelos nomes.

  • Os crimes contra a humanidade não são, porém, hediondos e reprováveis se vitimizarem aqueles de quem mais gostamos e toleráveis se praticados contra os que, por uma ou outra razão, consideramos nossos inimigos.

Não temos muito tempo para parar as guerras, mas todo o tempo de que dispomos é fundamental para impedir que os interesses da guerra e do seu partido – e este não tem pátria – nos deixem resvalar de novo para uma tragédia mundial, a acontecer, talvez a definitiva.

Clamar por «paz já, paz agora» não tem, pois, só a ver com a imperativa necessidade de parar com as matanças atuais, significa, também, tentar impedir que as principais e desalmadas guerras existentes derrapem, imponderadamente, uma vez mais, para um conflito mundial.