A Draghi dado não se olha ao dente?


O futuro da União Europeia é um thème obligé para todo o político que pretenda ter futuro como dirigente da UE.


Mario Draghi foi um dos nomes avançados para Presidente da Comissão Europeia, como se  a escolha pudesse corresponder a um tecnocrata sem cartão de membro de uma das duas maiores famílias políticas europeias. A recém-re-eleita Presidente da Comissão Europeia encomendou relatórios sobre o futuro da UE a vários ex-chefes de Estado (Sauli Niinistö, defesa) e de Governo (Enrico Letta, mercado interno), julgando que lhe estará reservado o cherry picking de medidas e políticas. A Draghi calhou-lhe um tema com pouco futuro e muito passado: a competitividade. O diagnóstico é pesado: a competitividade da UE tem-se esfumado a cada ano que passa, primeiro a favor dos EUA, agora também a favor da China. Draghi propõe que abandonemos o masoquismo feel good (patente na suicidária política energética que acelerou a desindustrialização e numa política de concorrência que favorece os concorrentes de Estados terceiros) e que comecemos a decidir as questões verdadeiramente importantes, como uma União e não como 27 Estados que afanosamente boicotam toda e qualquer decisão que afecte os egoísmos de curto prazo. Draghi quer mais federalismo, desde logo mais dívida comum, numa UE cujos cidadãos não vêem nela muito mais do que o fim do roaming, voos low cost e, para os menores de 50 anos, Erasmus. Estes mesmos cidadãos, que gostam de atravessar a Europa sem parar nas fronteiras, votam, cada vez em maior número, em partidos políticos que suspendem o Acordo de Schengen (na Alemanha não há escolha: ao dia de hoje o retomar dos controlos nas fronteiras internas é consensual).

Draghi recorre ao eufemismo “vulnerabilidades externas” para caracterizar a incapacidade da UE se defender, militarmente, entenda-se. Evitando dizer o óbvio (a defesa da UE está cometida aos EUA), Draghi constata a fragmentação e a incapacidade das indústrias de defesa da UE, fruto do desinvestimento e da multiplicação de versões nacionais para todo e qualquer equipamento ou serviço de defesa (é lapidar o exemplo dos 12 tipos diferentes de tanque na UE, a par de 1 nos EUA, Relatório Draghi, Parte B, pp. 164). Fino cultor da ironia, considera que a situação de indefensabilidade da UE pelos seus Estados-membros, causada pela ausência de investimento, só pode piorar se, subitamente, algum ou alguns Estados aumentarem subitamente a despesa em defesa…Os candidatos a compradores descobrirão que as prateleiras europeias estão vazias e que demorarão muitos e muitos anos para disponibilizarem bens e serviços que são hoje necessários (o caça de V geração é o exemplo ululante). Atentemos na Polónia que, a marchas forçadas desde a invasão do Leste da Ucrânia pela Rússia: tem vindo a adquirir ingentes quantidades de equipamento militar…aos EUA e à Coreia do Sul.

A construção da defesa europeia implica, segundo Draghi, um rígido planeamento e despesa comuns. Mais uma vez: mais federalismo e mais despesa pública.

Permito-me acrescentar um outro nível de dificuldade. Se a defesa da UE é função das capacidades (e vontade) dos EUA, é normal que estes expliquem aos clientes a importância do “buy American”. Os europeus compreendem o sinalagma e compram os produtos do complexo militar industrial americano. No restante, a análise de Draghi está correcta, merecendo, tomando a pena de Vasco Rossi, eterna gratidão pela gestão das desculpas: “E ringraziando dio/Non mi chiamo Mario.”

A Draghi dado não se olha ao dente?


O futuro da União Europeia é um thème obligé para todo o político que pretenda ter futuro como dirigente da UE.


Mario Draghi foi um dos nomes avançados para Presidente da Comissão Europeia, como se  a escolha pudesse corresponder a um tecnocrata sem cartão de membro de uma das duas maiores famílias políticas europeias. A recém-re-eleita Presidente da Comissão Europeia encomendou relatórios sobre o futuro da UE a vários ex-chefes de Estado (Sauli Niinistö, defesa) e de Governo (Enrico Letta, mercado interno), julgando que lhe estará reservado o cherry picking de medidas e políticas. A Draghi calhou-lhe um tema com pouco futuro e muito passado: a competitividade. O diagnóstico é pesado: a competitividade da UE tem-se esfumado a cada ano que passa, primeiro a favor dos EUA, agora também a favor da China. Draghi propõe que abandonemos o masoquismo feel good (patente na suicidária política energética que acelerou a desindustrialização e numa política de concorrência que favorece os concorrentes de Estados terceiros) e que comecemos a decidir as questões verdadeiramente importantes, como uma União e não como 27 Estados que afanosamente boicotam toda e qualquer decisão que afecte os egoísmos de curto prazo. Draghi quer mais federalismo, desde logo mais dívida comum, numa UE cujos cidadãos não vêem nela muito mais do que o fim do roaming, voos low cost e, para os menores de 50 anos, Erasmus. Estes mesmos cidadãos, que gostam de atravessar a Europa sem parar nas fronteiras, votam, cada vez em maior número, em partidos políticos que suspendem o Acordo de Schengen (na Alemanha não há escolha: ao dia de hoje o retomar dos controlos nas fronteiras internas é consensual).

Draghi recorre ao eufemismo “vulnerabilidades externas” para caracterizar a incapacidade da UE se defender, militarmente, entenda-se. Evitando dizer o óbvio (a defesa da UE está cometida aos EUA), Draghi constata a fragmentação e a incapacidade das indústrias de defesa da UE, fruto do desinvestimento e da multiplicação de versões nacionais para todo e qualquer equipamento ou serviço de defesa (é lapidar o exemplo dos 12 tipos diferentes de tanque na UE, a par de 1 nos EUA, Relatório Draghi, Parte B, pp. 164). Fino cultor da ironia, considera que a situação de indefensabilidade da UE pelos seus Estados-membros, causada pela ausência de investimento, só pode piorar se, subitamente, algum ou alguns Estados aumentarem subitamente a despesa em defesa…Os candidatos a compradores descobrirão que as prateleiras europeias estão vazias e que demorarão muitos e muitos anos para disponibilizarem bens e serviços que são hoje necessários (o caça de V geração é o exemplo ululante). Atentemos na Polónia que, a marchas forçadas desde a invasão do Leste da Ucrânia pela Rússia: tem vindo a adquirir ingentes quantidades de equipamento militar…aos EUA e à Coreia do Sul.

A construção da defesa europeia implica, segundo Draghi, um rígido planeamento e despesa comuns. Mais uma vez: mais federalismo e mais despesa pública.

Permito-me acrescentar um outro nível de dificuldade. Se a defesa da UE é função das capacidades (e vontade) dos EUA, é normal que estes expliquem aos clientes a importância do “buy American”. Os europeus compreendem o sinalagma e compram os produtos do complexo militar industrial americano. No restante, a análise de Draghi está correcta, merecendo, tomando a pena de Vasco Rossi, eterna gratidão pela gestão das desculpas: “E ringraziando dio/Non mi chiamo Mario.”