O número de nascimentos em Portugal aumentou em julho 6,2% em relação ao mês anterior, mas desceu 3,9% comparativamente ao mês homólogo de 2023. Os mais recentes dados revelados pelo Instituto Nacional de Estatística (INE) indicam que só em julho nasceram com vida 7110 bebés quando em junho tinham nascido 6695. No entanto, em julho do ano anterior o número tinha sido maior ao ter atingido os 7400.
Quanto à mortalidade foram registados 9124 óbitos em agosto de 2024, valor inferior ao mês de julho deste ano (menos 435 óbitos ou -4,6%) e ao de agosto de 2023 (menos 468 óbitos ou -4,9%). Em entrevista ao i, a professora universitária Maria João Valente Rosa chegou a admitir que a baixa taxa de mortalidade infantil em Portugal devia ser visto como sendo um “motivo de orgulho”, referindo que “em meados dos anos 70, Portugal era o país, do atual quadro europeu, com níveis de mortalidade infantil mais elevados e hoje é um dos países com níveis de mortalidade infantil, não só dos mais baixos da Europa, mas também do mundo”.
E apesar da taxa de mortalidade ter descido, os números de nascimentos não convencem os especialistas. “Com muito poucas exceções, os números de nascimentos em todos os países do mundo são muito baixos”, refere ao nosso jornal José Malheiros, geógrafo e especialista em migração. “Em 200 países devemos ter talvez uma dezena, no máximo uma centena, onde a fecundidade não diminuiu. Fora esses, em todos outros lados diminuiu”.
E alerta para o problema do envelhecimento: no seu entender, não serão os fluxos de migração que irão dar volta a esta realidade. “Estamos e vamos continuar a envelhecer. Os imigrantes não inverterão o processo de envelhecimento e é bom termos consciência disso. Do ponto de vista macro, muitos países de onde vêm os imigrantes também estão a envelhecer”. E acrescenta: “Não vamos conseguir que o país tenha de repente mais nascimentos do que óbitos nos próximos anos. Logo, esta entrada de imigrantes pode fazer com que o número total de habitantes do país se mantenha estável ou crescer um bocadinho, invertendo o que aconteceu no último decénio”.
Apesar de reconhecer que o índice de fecundidade continua a ser baixo, admite que o contributo dos imigrantes “apesar de tudo mitiga” o processo de redução de número de nascimentos no país. “Em vez de termos 60 mil ou 65 mil nascimentos temos os tais 80 e tal mil”, salienta.
Mais incentivos?
A solução, em parte, poderá passar por um aumento dos incentivos e ainda ainda na semana passada, o Parlamento aprovou o alargamento do tempo de licença parental inicial. A iniciativa legislativa de cidadãos aprovada propõe que a licença seja aumentada de 120 dias para 180 dias (seis meses) e – paga a 100%. E propõe passar o pagamento a 80% de 150 para 210 dias pagos.
A licença parental inicial que ainda está em vigor pode ir até 150 dias, e inclui os períodos obrigatórios e exclusivos de cada pai e mãe. No entanto, ainda não se sabe se as mães e pais que já estão em licença vão ser abrangidos pela nova lei.
É certo que as propostas dos quatro partidos sobre este assunto foram rejeitadas: o PCP queria 210 dias repartidos pelos progenitores; o Livre alargaria até 180 dias pagos a 100% para cada um; o Bloco pretendia 120 dias para cada um dos pais; e o PAN 180 dias consecutivos para os dois.
Problema generalizado
O problema da baixa natalidade e do aumento do envelhecimento não está a afetar apenas Portugal. A população da Europa está a envelhecer e até 2030, a maioria dos países da União Europeia vai ver o número de trabalhadores com mais de 50 anos aumentar para 55% do total da força de trabalho. As estimativas são da Comissão Europeia e revelam ainda que Portugal, Grécia, Itália e Espanha estão entre os 10 principais países com a menor taxa de natalidade do mundo.
Mas a este grupo juntam-se muitos outros e até a China no início deste ano deparou-se com a queda da sua população pela primeira vez em 60 anos. No final do ano passado contava com 1411,75 mil milhões de pessoas, comparando com 1412,6 mil milhões em 2021. A queda de 850 mil pessoas marca, de acordo com os especialistas, o início de um declínio populacional no país, apesar dos esforços de Pequim para inverter a tendência.
Jorge Malheiros lembra que, até na África subsariana, onde ainda têm índices de fecundidade mais elevados – na ordem dos três nascimentos por mil, mas que já chegou a atingir os cinco e os seis – também está a cair. O mesmo cenário repete-se na África do Norte, com índices na ordem dos dois, como é o caso da Tunísia. “É verdade que numa parte da África subsariana ou no Médio Oriente ainda existem índices sintéticos de fecundidade altos, mas também esses estão a diminuir. Na Índia, onde eram altos, estão a diminuir. Na América do Sul e Central também diminuíram muitíssimo”, salienta.
O que leva a esta queda? De acordo com o geógrafo, a possibilidade de planificar é uma das grandes responsáveis pelo fenómeno. “Isso é fundamental e chega a todo o lado. O facto de se poder separar a sexualidade da reprodução sinalizou-se em todo o lado, mesmo nos países mais conservadores, como nos países islâmicos. Há formas de controlar a natalidade e há a utilização de contracetivos, em alguns casos mais, em outros menos. Há também a utilização de contracetivos masculinos”.
A maioria da população em idade fértil sabe que pode controlar a fecundidade. “É claro que isso é mais evidente nuns casos do que em outros, mas quase todos sabem que o podem fazer e uma grande parte faz”.
Outra das razões, avança o professor universitário, é o modelo de sociedade que se foi generalizando. “Esta sociedade rápida existe aqui, mas também existe no Cairo, na Nigéria, nos países asiáticos e, portanto, as condições que levam à diminuição da fecundidade estão presentes em todo o lado. O que é que mitiga isto? As componentes culturais, que nuns casos fazem com que seja mais rápido, noutros mais lento. Componentes que estão relacionadas com o grau de emancipação das mulheres. Sabe-se que a emancipação ao nível da instrução das mulheres está muito associada à sua capacidade de decidir efetivamente quando e quantos filhos querem ter”.