Trouxe para Portugal dois projetos com modelos pedagógicos distintos, um deles é a Escola 42. Em que é consiste?
A escola 42 é uma escola de engenharia de software que está em mais de 20 países. Abrimos duas em Lisboa e no Porto há quatro anos. Desde então tivemos 60 mil candidatos, o que é mais do que qualquer universidade em Portugal. Estamos a chegar aos mil alunos ativos na escola.
Tem algum investimento público?
Nada. É totalmente financiada por mecenas. É uma escola gratuita, acessível a todos, com uma variedade muito grande de alunos. Para muitos deles esta é a grande oportunidade de conseguirem uma educação superior.
O que distingue esta escola das outras?
O modelo pedagógico. Não há aulas, mas os alunos estão fisicamente presentes e usamos tecnologia para criar um grande jogo social. É uma plataforma que vai dando aos alunos uma sucessão de desafios que lhes dá a responsabilidade de aprenderem o que for necessário para resolverem sozinhos e com a colaboração dos pares.Não há professores mas têm uma equipa pedagógica por trás que desenha e atualiza continuamente esta experiência de aprendizagem. É uma escola virada ao contrário: começamos pelo exame e deixamos ao cuidado dos alunos a procura de respostas. Esta lógica de receber um desafio, pesquisar, pedir ajuda aos colegas, avaliar e ser avaliado por colegas, leva a um conhecimento mais profundo dos temas e desenvolve uma série de competências pessoais que vão desde a autonomia à autoconfiança.
Este modelo é exportável para o Ensino Superior tal como o conhecemos?
A Escola 42 começou em Paris há 15 anos e em França o core é a licenciatura e a especialização é um mestrado. Cá, acho que será muito difícil conseguirmos isto. A lei é muito específica. Mas o reconhecimento de licenciatura não faz falta nenhuma. O INSEAD nunca deu graus académicos e não é por isso que não deixa de ser uma das escolas de topo do mundo. Na 42 acontece o mesmo, em vários rankings aparece a par de Stanford ou do MIT e isso vale muito mais do que tudo o resto.
Qual é o perfil dos alunos?
A média de idades é de 26 anos, 30% são internacionais e perfis muito diversos. Temos um grupo muito interessante de pessoas que não puderam ir para a universidade porque não tinham meios e de todas as profissões. Os dois primeiros alunos a acabar o programa foram um engenheiro eletrotécnico com mestrado de Matemática o outro que era estofador na Autoeuropa.
O outro projeto é o TUMO para alunos mais novos.
O TUMO são centros de tecnologias criativas para miúdos dos 12 aos 18 anos que complementam com a escola tradicional. Os aluno aprendem as áreas que eles próprios escolhem, entre música, fotografia, cinema, animação, programação, robótica e edição em gráfico. É uma mistura de autoaprendizagem guiada também por uma plataforma e acompanhados por learning coatchs, complementado com workshops dados por especialistas, e eles vão fazendo projetos reais.
Qual a dimensão em Portugal?
Abrimos um centro em Coimbra há um ano, vamos abrir agora o de Lisboa e espero que no próximo ano possamos abrir mais um ou dois. São centros grandes com mais de mil alunos. Mais uma vez, financiados por mecenas, totalmente gratuito e com uma preocupação muito grande de misturar alunos de todas as proveniências sociais.
Como é a seleção?
Não há seleção de alunos, eles entram por ordem de candidatura, mas nós damos precedência aos que venham de escola TEIP, com ação social escolar ou institucionalizados. Acreditamos que a única chave para a mobilidade social, que é terrivelmente má no nosso país, mais que educação é misturar perfis diversos na educação. É a única forma de conseguirmos ter o elevador social a funcionar, que em Portugal está parado há muito tempo.O problema da nossa educação é que está completamente guetizada. Por um lado, entre escolas públicas e privadas, mas mesmo nas escolas públicas, como o acesso é prioritariamente por código postal, temos o mesmo fenómeno a acontecer. Em Coimbra o TUMO teve como um dos mecenas a Câmara Municipal, em Lisboa tentámos mas, infelizmente, não foi possível porque bloqueou na guerra civil entre a Presidência e a oposição.
O modelo tradicional esgotou?
O nosso modelo de educação é basicamente uma herança da revolução industrial. Durante muitos anos tinha a desculpa de ser o único possível e de ser a única forma de massificar a educação. Conseguiu-se muito, mas é brutalmente ineficiente. Desde já porque não aprendemos todos ao mesmo ritmo. Agora, misturando tecnologia com pessoal académico, é possível construir experiências pedagógicas em que os alunos podem andar ao seu ritmo.
O papel dos professores vai forçosamente ter mudar.
Sim, mas no bom sentido. Neste momento aos professores é entregue uma tarefa impossível: dar a matéria toda e ao mesmo tempo acompanhar o progresso de 30 alunos. Não dá. Isto vai permitir focar o professor na tarefa de conhecer os alunos, de os acompanhar, estimular e levar a formação mais longe.
O sistema está preparado para esta transformação?
A transformação é possível, desejável e inevitável. Agora, das duas uma: ou as nossas instituições são capazes de se adaptar ou a mudança virá de fora porque todas as grandes tecnológicas estão a entrar na educação. Vão faltar 30 mil professores daqui a 3/4 anos que não se inventam do pé para mão. Esta falta de professor é vista como um problema mas acho que podemos olhar para ela como uma oportunidade.