1. Se algo de menos negativo resultou dos atuais conflitos que confrontam os países do chamado «Ocidente» com outros países que, por oposição, se convencionou dizer que dele não fazem parte é o facto de, por sua causa, uma parte significativa das sociedades que compõem os lados beligerantes se terem apercebido de quão pouco transparente é, afinal, a informação que lhes chega sobre os mesmos.
Claro está que, desde sempre, em todos os conflitos qualquer das partes neles envolvidas procuraram, por motivos vários relacionados com o próprio facto da guerra, dar da sua atuação uma imagem positiva e ganhadora enquanto, simultaneamente, se propõem denegrir a razão e a intervenção do adversário.
Mesmo assim, pelo menos no que denominamos de «Ocidente» – e tal palavra neste contexto pouco tem a ver com a geografia – o verdadeiro jornalismo procurou e conseguiu, até há bem pouco tempo, furar o teor meramente propagandístico da informação recebida dos senhores da guerra.
Por contraposição, apresentava, sempre que podia, uma versão mais objetiva dos acontecimentos, o que possibilitava aos cidadãos formar um juízo político e moral mais objetivo sobre os factos.
2. Ainda na primeira invasão do Iraque, essa maneira de mostrar a guerra constituía, com razão, um trunfo político e moral de que o «Ocidente» se podia orgulhar, destacando-se, ao menos nesse contexto, positivamente em oposição a alguns dos seus antagonistas.
Presentemente, já assim não acontece.
A «censura» política nos países do «Ocidente», para além de, razoavelmente, se propor dar da sua atuação uma imagem decente, procura, já, impedir por todas as formas, que os cidadãos que habitam o seu espaço político possam aceder a informação vinda do outro lado.
A verdade que, hoje, o «Ocidente» impõe não admite, também ela, contraditório, evitando, deste modo juízos políticos ou morais que possam enfraquecer a sua posição nos conflitos que gerou ou em que se envolveu.
Assim, aqueles que procuram desvelar a atuação deste bloco político-militar são, de imediato, apostrofados de colaboradores do inimigo e lapidados em alguns media – pelos seus jornalistas, pasme-se – que, supostamente, deveriam ter como obrigação moral e política confirmar ou desmentir com seriedade e objetividade as afirmações daqueles.
3. A informação que nos é servida diariamente é de tal ordem manipulada que são os próprios intervenientes na divulgação e análise dos factos – jornalistas, comentadores, apresentadores de noticiários – que, ante um dito fora do guião, se encarregam de manter as inopinadas opiniões menos ortodoxas nos limites políticos previamente estabelecidos pelos poderes reinantes.
Não permitidas fissuras.
Desta vez, são já os profissionais da comunicação que são mobilizados para o combate e se incumbem, consciente ou inconscientemente, de garantir a unanimidade da mensagem do poder.
Por tal razão, a intervenção dissonante de uma ou de outra voz convidada, precisamente para assegurar a aparência da existência de um mínimo de contraditório, é, em regra, relegada para as edições que ocorrem a altas horas da noite.
A sua intervenção é, assim, afastada, cuidadosamente, dos primetime das televisões.
Nestes, só cabe, regra geral, a notícia politicamente tratada e direcionada a manter encarreirada a posição da sociedade «ocidental».
Ainda assim, mesmo sabendo que papel cabe neste enredo a tais vozes heterodoxas, os censores da pureza da interpretação dos factos, atiram-se a eles com a raiva própria dos cães de guarda.
4. É por tal motivo que, ao contrário do que nos é sempre sugerido, os métodos de intervenção dos do lado do «Ocidente» se parecem cada vez mais com os do outro lado: aqueles que o «Ocidente» diz querer derrotar a qualquer custo, em nome da Democracia e dos direitos humanos.
Ao convergir com o «inimigo» nas metodologias de guerra e na manipulação da informação sobre elas, os líderes políticos, militares e económicos do «Ocidente» acabam, assim, por desvanecer diferenças e tornar totalmente injustificada a sua intervenção.
Hoje, o «Ocidente» padece, igualmente, de razões morais, políticas e militares para justificar o seu envolvimento – mais ou menos óbvio – nos conflitos atrozes que decorrem na Europa e no Médio-Oriente.
Daí resulta um discurso político incongruente e sempre em mutação e, em consequência, um sentimento social de insegurança e medo permanentes.
Muito do decaimento moral e político das nossas sociedades é o resultado direto da falta de credibilidade que, visivelmente, já afeta hoje os seus mais renomados órgãos de comunicação social e o regime que os viu nascer.
5. Entretanto, outros que, no «Ocidente», procuram, uma vez mais, apagar inteiramente muitos dos direitos democráticos conquistados ao longo de muitos anos e muitas lutas sociais, observam com um brilhozinho nos olhos o que vai sucedendo.
Só que, desta vez, será exatamente em nome de tais direitos e, mais precisamente, do seu atual abandalhamento, que procurarão penetrar e corroer o edifício e altares da democracia.
E, contra tal estratégia política, sobram poucos argumentos sérios a alguns dos que, alegadamente, pretendem opor-se-lhes.
Se toda esta falta de decoro político não acabar numa devastadora guerra mundial, podem, pelo menos, resultar de tanta penúria de coerência moral e política algumas ferozes e fratricidas guerras civis.
As imagens das devastações desapiedadas que ainda hoje nos são permitidas visionar parecerão então, em comparação, pouco impressionantes.