A derrota do Benfica em Famalicão, logo na primeira jornada, não teve nada de surpreendente e não foi por acaso que escrevi nestas mesmas páginas que estava convencido de que Sporting e FC_Porto sairiam disparados na frente deixando os encarnados para trás. É por isso natural que os adeptos benfiquistas se vejam outra vez embrulhados num filme de terror, tão mal joga a sua equipa, tão previsíveis são as suas movimentações, tão sem dinâmica e tão pouco competitiva é a sua abordagem a adversários que deveriam ser fáceis de contornar. Se olharmos para os números do Sporting campeão e repararmos que sofreu apenas duas derrotas durante toda a época, é de apostar dobrado contra singelo, como nos livros do_Texas Jack, que o conjunto de Roger Schmidt ultrapassará fácil e brevemente essa barreira, colocando-se em risco de já ter o campeonato perdido, e não me venham com a converseta de que não se perdem campeonatos à primeira jornada, claro que perdem, perdem-se às jornadas todas, sobretudo à custa de pontos desperdiçados frente aos meias-tijelas que pululam do terceiro posto para baixo nesta liga pobre como Job.
Deixemo-nos de tergiversações: há dois culpados nesta crise que se arrasta há meses e meses a fio – Roger Schmidt, que depois de um início entusiasmante, deixou pura e simplesmente da saber o que fazer com os jogadores que lhe puseram ao dispor; e Rui Costa que teimou em mantê-lo no cargo quando entra pelos olhos dentro que não tem capacidade para ele. Só que o presidente do Benfica tem muito a perder, sobretudo em termos de popularidade, que estará num dos pontos mais baixos de sempre, e o alemão só tem a ganhar: uma indemnização milionária à sua espera quando chegar o momento inevitável do seu afastamento. Pode queixar-se que possui, hoje, um plantel pior do que já teve? Pode. E não pode. Pode porque é a realidade: não há substituto para João_Neves, Di María (já lesionado?) e Otamendi estão cada vez mais velhos, desapareceram as acelerações de Rafa… Não pode porque no momento de despachar David Neres, um dos poucos verdadeiros talentos que havia, encolheu os ombros como se se tivesse visto livre de um empecilho.
Um filme muito repetido
Sinceramente – e a opinião é minha, pelo que cá estarei para acertar contas com os que têm a bendita pachorra de me ler – o filme a que estamos a assistir além de repetido até à exaustão é digno de David Cronenberg ou de Jonathan Demme. Com a desvantagem de o argumento nem sequer fazer sentido. Ao insistir em ter como protagonistas Florentino, Barreiro e João Mário na mesma cena, Schmidt pode provocar sustos nos sócios mais empedernidos do Benfica mas quem vê a película com um olhar crítico só sente vontade de bocejar. E se uns se desesperam com a solidão do pobre Prestianni a fazer um papel secundário de apoio ao infeliz Pavlidis, outros só podem questionar que diabo pretende o realizador alemão que não tem noção do que é um grande plano com extremos a ocupar toda a largura da tela – o único que se viu até agora foi Carreras, o suplente de Beste que também já foi parar ao estaleiro.
Se as coisas estão neste ponto depois de ter defrontado apenas Famalicão e Casa Pia, imagine-se o abismo que se irá abrir quando o Benfica tiver de jogar com Sporting ou FC_Porto (falar da Liga dos Campeões com esta equipa é pura perda de tempo). É verdade que Rúben Amorim tem problemas com o sistema defensivo – vale que, contra os tais pichotes que compõem quase totalidade do nosso campeonatozinho, golos aos cabazes disfarçam falhas que podem custar caro como custaram na Supertaça, e que Vítor Bruno terá de fazer milagres com os seus meninos, principalmente quando estes estiverem sujeitos a recuperar o ânimo após os resultados negativos que surgirão mais cedo ou mais tarde. Mas a segurança que os dois parceiros de topo vão revelando é dramaticamente oposta à tremideira de um Benfica que ano após ano se vem depauperando. Se ao chegar à Luz Roger Schmidt conseguiu tirar proveito de uma dinâmica coletiva com alicerces em jogadores que na sua maioria vinham jogando juntos com regularidade, desde que começou a ver sair gente nunca mais o edifício se endireitou, esboroando-se como se os seus sustentáculos fossem feitos de adobe. A atual realidade é, de facto, um filme muito pouco próprio para quem sofre dos nervos e tem como cor preferida o vermelho. Com Rollheiser fora das contas – parecia-me o jogador com mais categoria para se transformar num médio ofensivo firme e com capacidade de golo –; com Prestianni entregue aos bichos e a desperdiçar as suas melhores características; sem ninguém que saiba servir decentemente um ponta-de-lança que precisa de receber bolas junto da baliza; tendo ficado sem extremos (Neres já foi e Di Maria caminha para ser, mais uma vez, um ‘entreteiner’ ao qual não se exige mais do que fazer o que lhe dá na gana) fica uma sensação inequívoca de vazio quando se prevê o que aí vem. Junte-se-lhe uma defesa empobrecida e molenga e só mesmo alguém com poder para formar um grupo com alma alteraria a situação do descalabro – alguém que não um realizador alemão que é apologista do terror do caos. E que mais do que destruir uma boa época destrói a esperança de uma boa época.