Os perigos das compras online nas lojas low-cost

Os perigos das compras online nas lojas low-cost


Por terem tanto sucesso, podemos achar que não existem problemas relativamente às compras em plataformas como a Temu ou a SheIn. No entanto, nem tudo corre sempre bem.


Era um dia normal para Sandra Baptista. Habitualmente, nos momentos mais “mortos”, aproveita para espreitar as lojas online. Naquele dia, decidiu fazer uma compra na Temu. Melhor dizendo: achava que era a Temu. Já tinha feito algumas antes na SheIn e na Amazon e não ocorreu algo que estranhasse. Mas daquela vez foi diferente. Realizou o pagamento da suposta encomenda com cartão de crédito e, alguns dias depois, notou que havia transações não reconhecidas na sua conta bancária. “Fiquei incrédula”, lembra. 

Por isso mesmo, fez a revisão de todas as compras recentes para tentar identificar a origem do problema. Como a compra mais recente – e estranha – tinha sido feita na alegada Temu, começou a suspeitar do mesmo. “Sinceramente, fiquei muito desconfiada. Não só quanto à loja, mas também em relação ao processo de compras online em geral”, lamenta.

Assim, entrou em contacto com o banco para relatar as transações fraudulentas, bloquear o cartão comprometido e solicitar um novo. Até porque, como veio a descobrir, não tinha realizado uma compra na Temu: mas sim num site fraudulento que se fazia passar pela gigante chinesa. “Felizmente, fui ouvida e bem tratada. O banco iniciou logo uma investigação e fez o reembolso dos valores debitados indevidamente”, conta, confessando, no entanto, que a frustração surgiu quando entendeu o trabalho adicional necessário para resolver a situação, como a necessidade de substituir o cartão, atualizar informações de pagamento em serviços de assinatura como a Netflix e lidar com o processo de investigação.

Sandra não é a única vítima. Contactado pelo i, o Portal da Queixa partilha que, em 2023, as compras online originaram 15.766 e, até agora, este ano, este valor subiu para 17.783. Ou seja, foi registado um aumento de 12.8%. Quanto a marcas específicas, como a SheIn e a Temu, a primeira contou com 204 reclamações em 2023 e a segunda somente com uma. Este ano, estes valores subiram para 236 e 183, respetivamente. Naquilo que diz respeito aos motivos das queixas, a entrega atrasada/não realizada diz respeito a 33.8%, o reembolso não recebido a 27%, a burla a 14.4%, a devolução de produto a 5% e o apoio ao cliente a 4.7%.

“Ao longo do último ano, assistimos a um aumento significativo no volume de reclamações dirigidas às plataformas chinesas Temu e SheIn, refletindo uma variação de mais de 12% comparativamente ao período homólogo anterior. Este crescimento está diretamente relacionado com a proliferação do comércio online destas plataformas no mercado europeu”, explica Pedro Lourenço, fundador do Portal da Queixa, adiantando que estes dados, como as principais causas das reclamações, “indicam uma crescente insatisfação dos consumidores, que se deparam com desafios recorrentes ao tentar resolver problemas através dos canais de apoio ao cliente destas empresas”.

“Este aumento nas reclamações surge num momento em que a União Europeia decidiu reforçar a fiscalização e aumentar os impostos sobre as compras feitas em plataformas chinesas”, declara. “Esta medida visa equilibrar a concorrência e proteger os comerciantes europeus, que enfrentam uma concorrência desleal devido à prática de preços agressivos e à fraca regulação das plataformas asiáticas”, frisa Pedro Lourenço. “É essencial acompanhar estas tendências e continuar a dar voz aos consumidores, garantindo que os seus direitos sejam respeitados e promovendo uma maior transparência nas práticas comerciais”, realça.

O que devemos fazer para nos protegermos? 

“O grande problema com plataformas desta dimensão, de uma perspetiva estritamente criminal, não é tanto o das burlas ocorridas nas próprias plataformas, mas sim as burlas ocorridas em websites fraudulentos que se fazem passar por plataformas legítimas”, começa por dizer David Silva Ramalho, associado coordenador da Morais Leitão, Galvão Teles, Soares da Silva & Associados, que integra a equipa de criminal, contraordenacional e compliance da Sociedade. 

“A SheIn e a Temu, devido à sua grande dimensão, são um alvo óbvio para campanhas de phishing. E é fácil perceber porquê: mesmo que os atacantes não saibam quem são os utilizadores de cada concreta plataforma (e por vezes sabem), quanto maior o número de utilizadores, maior a probabilidade de uma campanha genérica de phishing, destinada a um conjunto indiscriminado de endereços, alcançar vários utilizadores destas plataformas”, explicita. 

“E quanto maior o número de pessoas que recebem os emails de phishing, maior a probabilidade de alguém cair no engodo”, lamenta, indicando que aquilo que tem ocorrido com frequência são as campanhas de phishing direcionadas a utilizadores destas plataformas. Os utilizadores recebem comunicações que parecem ser oficiais, oferecendo promoções ou prémios. Ao clicar nos links fornecidos, são direcionados para páginas falsas que imitam as plataformas legítimas. 

Lá, inserem os seus dados de login e de pagamento, que são então capturados pelos atacantes. Além dos emails, essas campanhas também utilizam publicidade paga em redes sociais, o que aumenta a sua credibilidade aos olhos dos utilizadores. Muitas vezes, essas campanhas envolvem falsos apoios ao cliente, levando as vítimas a fazer investimentos sem retorno.

Quanto à eventual falsidade dos sites e/ou das aplicações de compras online, o advogado alerta para a necessidade de estarmos alerta. “São vários os indícios. Se for um website que se quer fazer passar por outro, como no caso das burlas com a SheIn e a Temu, o primeiro sinal costuma ser o endereço da página ou do email que remete o link, e que não corresponde ao verdadeiro. O endereço terá ligeiras variações”, observa, salientando também que “outro indício pode ser o facto de o website utilizar uma ligação não segura, o que é fácil de perceber, se no browser não for visível o cadeado ao lado do endereço, ou não começar por https, mas sim por http”.

“De uma perspetiva criminal, o autor do crime será quem participa em qualquer etapa da burla, sabendo que o está a fazer, seja na criação do website, na criação e publicação do anúncio, no envio dos emails de phishing, ou em qualquer outra etapa da criação e aplicação do engodo”, esclarece o também investigador no Centro de Investigação em Direito Penal e Ciências Criminais (CIPDCC) e associado do Instituto de Direito Penal e Ciências Criminais (IDPCC). 

“A estes acrescem, claro, todos os que participam no branqueamento dessas vantagens, designadamente facultando conscientemente o uso de contas bancárias para receber os valores a mando de terceiros. A SheIn ou a Temu, na medida em que não têm participação nessas burlas, não podem ser responsabilizadas criminalmente por terceiros que se fazem passar por si”, elucida, avançando que existem várias formas de os consumidores se protegerem.

“Quando se utiliza uma plataforma já conhecida, é importante que não se automatize o método de chegar à página através do Google. Ou seja, se quero aceder à plataforma Y, o ideal é escrever o endereço na barra de endereços, não ir ao Google pesquisá-la e clicar acriticamente no link que aparecer”, aconselha, na medida em que “é frequente os atacantes pagarem ad words para, quando se faz uma pesquisa em motores de busca, o primeiro ou um dos primeiros resultados ser o link fraudulento, o que leva a que a vítima aceda à página fraudulenta e aí introduza os seus dados”.

“Depois, quando se compra em websites pela primeira vez, é importante fazer uma breve pesquisa em fontes abertas sobre a sua credibilidade. Fazer uma pesquisa sobre se alguém reportou uma burla nessa plataforma, sobre quando foi o nome de domínio registado, ou sobre qualquer tipo de review ou feedback na internet”, adianta, acrescentando que, “por outro lado, uma medida adicional de proteção será fazer as compras com cartões virtuais e descartáveis, com limites de valor disponível adaptados ao preço do produto que se quer comprar, e começar sempre com uma compra num valor reduzido, para testar a credibilidade da plataforma”. “A regra deverá ser desconfiar sempre”, afirma.

À semelhança de Pedro Lourenço, declara que “tem havido um aumento muito significativo de casos de burlas em plataformas online, em geral”. “O problema das burlas nestas plataformas como a SheIn e a Temu é o facto de tipicamente envolverem valores mais reduzidos, o que leva a que, na maior parte dos casos, a vítima não apresente queixa, ou, mesmo que apresente, não recorra a um advogado, por não ser economicamente viável”, começa por concluir. 

“Os casos deste género que tenho acompanhado como advogado, e que são vários, costumam envolver outras plataformas e outros valores. Incluem os websites que se fazem passar por plataformas de homebanking, as plataformas que se fazem passar por outros websites legítimos para burla, os emails alegadamente oriundos de autoridades nacionais ou internacionais, acusando os destinatários de crimes e procurando obter um pagamento, e, claro, as falsas plataformas de investimento em criptoativos ou em produtos financeiros, que são cada vez mais”, finaliza.