Cuidadores informais de idosos. Os desafios de uma luta diária

Cuidadores informais de idosos. Os desafios de uma luta diária


Estima-se que haja em Portugal 827 mil cuidadores, muitos dos quais se ocupam de idosos. Os investigadores Lisneti Castro e Gebrezabher Niguse Hailu explicam ao i o que está em causa.


Maria de Lourdes, de 81 anos, é cuidadora informal do marido, de 85, que sofre da doença de Parkinson há dez. Sente que já não tem “forças para continuar a lutar” e tem saudades dos tempos em que ambos saíam juntos, se divertiam e conversavam sobre tudo. “Agora, os meus dias são passados a cuidar dele. Eu gosto muito de o ajudar e ver que está bem tratado, mas sinto-me cansada e só tenho ajuda aos fins de semana”, lamenta a idosa, que já esteve “muito muito mal” com dores na coluna e, mesmo assim, não se permitiu ficar doente. “Ele precisa de mim. Se eu for abaixo, quem é que vai tratar dele?”, questiona.

A Eurocarers, uma rede europeia que representa os cuidadores informais, estima que há 827 mil cuidadores em Portugal. Por outro lado, o Inquérito Nacional de Saúde aponta que cerca de 1,1 milhões de pessoas com 15 anos ou mais oferecem assistência ou cuidados informais a indivíduos com doenças ou problemas relacionados com a velhice. Os principais desafios enfrentados pelos cuidadores em Portugal incluem a falta de apoio emocional e financeiro, sofrimento físico e psicológico, isolamento social e escassez de informações.

A tese de doutoramento de Lisneti Castro, intitulada Autocuidado: Intervenção Psicoeducativa para o Desenvolvimento de Competências Pessoais/Sociais do Cuidador Familiar, explora o impacto de uma intervenção psicoeducativa no autocuidado e nas competências dos cuidadores familiares. “O estudo visa desenvolver e avaliar uma intervenção psicoeducativa destinada a melhorar as competências pessoais e sociais dos cuidadores familiares, promovendo o autocuidado e, consequentemente, a qualidade do cuidado prestado aos familiares dependentes”, explica a doutora em Educação na especialização em Psicologia da Educação pela Universidade de Aveiro.

“Os cuidadores familiares frequentemente enfrentam desafios significativos, incluindo stress, sobrecarga e falta de apoio. A falta de formação e estratégias adequadas para lidar com esses desafios pode afetar negativamente tanto o bem-estar do cuidador quanto a qualidade do cuidado oferecido”, observa a psicóloga que iniciou o seu percurso no Brasil, adiantando que “a pesquisa envolveu a criação e implementação de um programa psicoeducativo dirigido a cuidadores familiares”. Este “incluiu sessões de treino e suporte focadas em habilidades de autocuidado, gestão do stress, comunicação e técnicas de apoio social”.

“A eficácia da intervenção foi avaliada por meio de questionários e entrevistas antes e após a implementação do programa. Implementei estratégias para ajudar os cuidadores a identificar e atender às suas próprias necessidades emocionais e físicas. Também dei formação em habilidades sociais e pessoais, como comunicação eficaz, gestão do tempo e resolução de problemas”, continua, indicando que as sessões de apoio emocional e psicológico tiveram como objetivo primordial ajudar os cuidadores “a lidar com o stress e a carga emocional associados ao ato de cuidar”.

“Os cuidadores relataram uma melhoria significativa na capacidade de gerir o stress e nas práticas de autocuidado após a intervenção”, diz, recordando o caso de uma cuidadora que, numa das sessões, “apareceu toda arranjada, até com batom”. “Houve um aumento nas competências pessoais e sociais, incluindo melhores habilidades de comunicação e resolução de problemas”, aponta Lisneti Castro, continuando: “A melhoria nas competências dos cuidadores também contribuiu para uma melhor qualidade no cuidado prestado aos familiares”.

A tese conclui que a intervenção psicoeducativa foi eficaz na promoção do autocuidado e no desenvolvimento de competências pessoais e sociais dos cuidadores familiares. A implementação de programas semelhantes pode ser uma abordagem valiosa para apoiar os cuidadores, melhorar o seu bem-estar e otimizar a qualidade do cuidado que prestam. Por estes motivos, Lisneti Castro sugere “a continuidade e expansão de programas psicoeducativos, com adaptação às necessidades específicas dos cuidadores e integração com serviços de apoio social e psicológico”, destacando “a importância de políticas que reconheçam e apoiem o papel crucial dos cuidadores familiares”. Tanto que, nos próximos meses, será implementado o selo de ‘Junta de Freguesia Amiga do Cuidador’, criado por Lisneti.

Um país tão distinto com problemas iguais Gebrezabher Niguse Hailu, professor e investigador na Universidade Mekelle, na Etiópia, estuda igualmente esta temática e um dos seus trabalhos é intitulado de Understanding the Support Needs and Challenges Faced by Family Caregivers in the Care of Their Older Adults at Home. A Qualitative Study (em português, Compreendendo as necessidades de apoio e os desafios enfrentados pelos cuidadores familiares no cuidado ao idoso no domicílio. Um estudo qualitativo). “Fui inspirado a realizar este estudo qualitativo sobre as necessidades de apoio e os desafios enfrentados por cuidadores familiares na cidade de Mekelle devido às minhas experiências pessoais com a minha avó, que me criou como uma mãe. Tenho um profundo amor e apreço por ela, mas como ela envelheceu, o seu comportamento mudou, dificultando a gestão dos seus cuidados”, começa por dizer ao i. “Ela, muitas das vezes, recusa ir ao centro de saúde quando está doente e está relutante em tomar os medicamentos prescritos ou seguir os meus conselhos”, confessa.

“Estes desafios motivaram-me a explorar situações semelhantes entre outros cuidadores e procurar formas de fazer intervenções significativas”, sublinha. “Os principais objetivos foram investigar as dificuldades que os cuidadores familiares encontram na comunicação com os seus familiares idosos e as estratégias que utilizam para superar essas barreiras, bem como examinar os encargos financeiros enfrentados pelos cuidadores familiares e as medidas que tomam para gerir esses desafios”, conta Gebrezabher Niguse Hailu, que também quis “identificar os problemas que os cuidadores enfrentam para garantir que os idosos cumpram os regimes de medicação e as soluções que implementam para resolver esses problemas”.

Além destes pontos, pretendia “avaliar as dificuldades que os cuidadores enfrentam no transporte dos idosos para os cuidados de saúde, instalações e outros compromissos necessários, juntamente com os esforços que fazem para resolver essas questões de transporte” assim como “reunir opiniões de cuidadores sobre o que eles acreditam ser as necessidades de apoio mais críticas e recursos necessários para melhorar a sua experiência de cuidado e o bem-estar dos seus familiares idosos”.

“No nosso estudo, empregamos um método de amostragem proposital, que é uma abordagem não probabilística, para escolha dos participantes. O nosso foco foi em pessoas com experiência em cuidar de idosos nas suas próprias famílias. Para identificar esses indivíduos, contactámos os serviços de saúde e profissionais como médicos, enfermeiros e assistentes sociais que têm interações regulares com idosos de que cuidam”, narra o investigador. “Também utilizámos eventos comunitários centrados no cuidado de idosos e cuidados familiares para nos conectarmos com potenciais participantes. Além disso, utilizámos plataformas online, como redes sociais e grupos dedicados ao cuidado familiar ou aos idosos, para expandir o nosso alcance para um público mais amplo”, revela.

E, embora o objetivo principal não fosse avaliar o bem-estar psicológico e emocional dos cuidadores familiares, “ficou evidente que o cuidado os impactou significativamente”, na medida em que “muitas vezes enfrentavam altos níveis de tensão emocional devido à preocupação constante com a saúde dos seus parentes idosos, levando à ansiedade, frustração e tristeza”. “Muitos relataram esgotamento devido à natureza implacável das suas funções, experienciando problemas físicos e emocionais e até exaustão. As exigências da prestação de cuidados resultavam muitas vezes em isolamento social, limitando o tempo para interações pessoais e exacerbando sentimentos de solidão”, constata, indo ao encontro das conclusões a que Lisneti Castro também chegou.

“Isto, por sua vez, reduziu a sua qualidade de vida, pois lutavam para equilibrar o cuidado com as suas necessidades pessoais, levando a uma sensação de perda de controlo e realização. Alguns cuidadores geriram a sua tensão emocional através de mecanismos de coping, como procurar apoio em redes informais, praticar hobbies ou praticar a atenção plena, embora a eficácia dessas estratégias variasse”, diz, avançando que considera que existem implicações das descobertas para as políticas públicas e práticas de saúde.

Por exemplo, o professor e investigador salienta que “as políticas públicas devem concentrar-se no fornecimento abrangente de serviços de apoio para cuidadores familiares, incluindo acesso a cuidados temporários, aconselhamento e grupos de apoio para aliviar a tensão emocional e psicológica” e “os decisores políticos devem considerar o desenvolvimento de programas de assistência para ajudar os cuidadores a gerir o fardo económico da prestação de cuidados, tais como subsídios para despesas médicas, custos de transporte e compensação por perdas de rendimento”.