Tiago Costa Rocha. Acelerar a mudança de hábitos

Tiago Costa Rocha. Acelerar a mudança de hábitos


A Full Venue utiliza as potencialidades da Inteligência Artificial para vender produtos associados à indústria do desporto e música, e os resultados mostram que a startup portuguesa está no caminho certo. Além de transformar a maneira como as empresas monitorizam os seus públicos, é também uma consultora estratégica para as organizações com quem trabalha. A…


A Full Venue utiliza as potencialidades da Inteligência Artificial para vender produtos associados à indústria do desporto e música, e os resultados mostram que a startup portuguesa está no caminho certo. Além de transformar a maneira como as empresas monitorizam os seus públicos, é também uma consultora estratégica para as organizações com quem trabalha.

A conversa com Tiago Costa Rocha, co-fundador e CEO da Full Venue, foi rica em ensinamentos. O jovem empreendedor – já teve uma empresa de comida saudável em Lisboa – explicou-nos numa linguagem simples e compreensível a sua visão para mudar a forma como as organizações desportivas e os promotores musicais podem captar mais valor usando a tecnologia. Afinal, a Inteligência Artificial não é um “bicho papão”.

Com base nos chamados big data e no desenvolvimento de poderosos algoritmos, a Inteligência Artificial entrou na vida das empresas e dos particulares, sendo facilmente acedida através da internet e de aplicações móveis. Esta tecnologia já é utilizada em diversas atividades empresarias na previsão diária de vendas, estimativa de tempos de espera, deteção de fraudes, previsão de falhas e defeitos, estimativa de tempo de vida útil, definição de novas tendências e minimização de falhas. No caso da Full Venue, a Inteligência Artificial é usada para monitorizar audiências e otimizar estratégias de marketing de modo a impulsionar a venda de produtos relacionados com eventos desportivos, musicais e com o retalho fashion.

Tiago Costa Rocha deixou a Federação Portuguesa de Futebol (FPF), onde era gestor de projeto na área tecnológica, e seguiu, por sua conta e risco, um caminho quase paralelo. A vasta experiência na coordenação de projetos na área digital fê-lo pensar em criar um projeto próprio capaz de conhecer o público-alvo e a forma como pode utilizar essa informação em prol das organizações empresariais. Foi assim que, em agosto de 2020, nasceu a Full Venue, um bom exemplo de que havia vida para além da pandemia. «Pela minha experiência profissional percebi que utilizar a Inteligência Artificial para vender produtos associados a eventos, sejam concertos ou espetáculos desportivos, tinha grande potencial e decidi avançar» começou por dizer o jovem engenheiro.

O período de recolhimento imposto pela Covid-19 foi aproveitado para pensar no projeto de forma mais séria e tomar decisões. «Comecei a enviar candidaturas para aceleradores de startups e a falar com os clubes e federações. Nesses contactos percebi que havia espaço para um produto como a Full Venue», recordou. As peças começavam a encaixar-se. O passo seguinte foi despedir-se da FPF, «uma decisão difícil», admitiu, e arriscou neste projeto com o apoio de organizações que se destinam a acelerar e suportar o desenvolvimento de novas startups. «Levantámos a ronda de investimento em 2023, depois entrámos em aceleradores de startups no estrangeiro, nomeadamente na Austrália e União Europeia. Foi uma experiência muito positiva porque a Full Venue foi reconhecida por ter o melhor pitch ou a melhor solução», explica. A sua expertise nesta área confirmou que «o mercado estava a dizer que esta era a solução», frisou. Importa salientar que a startup portuguesa foi selecionada para programas de prestígio como o European Institute of Technology, Digital Venture Program, Hype Sports Innovation e Startup Bootcamp Sports & Events Tech Australia.

Business Angels

A Full Venue é constituída por pessoas que acreditaram e investiram no projeto numa fase embrionária, foram esses Business Angels, entre eles o ex-piloto de Fórmula 1 Tiago Monteiro, que permitiram que a empresa se consolidasse. «O ano passado éramos três pessoas, neste momento somos seis e espero ter dez pessoas até final do ano», adiantou o co-fundador. Que salientou: «estamos numa fase de crescimento, queremos aumentar o número de clientes e a faturação. Vamos também apostar em outras áreas de desenvolvimento que nos vão permitir ter uma escala diferente». Quando lhe perguntámos qual o segredo para um sucesso tão rápido numa área extremamente competitiva, a resposta foi simples. «Trouxemos a Inteligência Artificial para cima dos dados que as empresas recolhem para obtermos insights de negócio. Dessa forma, conseguimos que o investimento feito pelas empresas em marketing seja mais eficiente», esclareceu.

O trabalho desenvolvido pela Full Venue é bastante importante em qualquer atividade. No caso do futebol, é sabido que há clubes que têm pessoas que trabalham na área digital, mas não têm uma equipa de especialistas. Aquilo que os parceiros esperam desta startup é muito claro e quantificável. «Na área do desporto, o nosso serviço consiste em apresentar a um clube ou federação uma solução que com uma série de algoritmos, os tais algoritmos da Inteligência Artificial, que ao serem conectados com os dados dessas organizações vão dar insights importantes. A área digital de um clube de topo recolhe dados da venda de bilhetes, dos lugares anuais e das subscrições, mas também da comercialização de produtos do clube e da interação dos fãs através da aplicação. A Full Venue vai atuar sobre esses dados agregando-os de modo a perceber quem são as pessoas que compram bilhetes, camisolas e utilizam com frequência a aplicação».

Durante este processo há reuniões semanais ou mensais com clientes para definir objetivos. «A organização diz-nos se quer acionar a venda do equipamento principal, a venda de bilhetes para determinado jogo ou dinamizar a venda de lugares anuais em determinada altura. A nossa equipa vai analisar os dados e identificar os grupos que querem comprar esses produtos. Depois, passamos essa informação à área da marketing do cliente». Identificado o público-alvo, cabe depois ao clube trabalhar com base nos dados recebidos: «Quando fazemos esta análise mostramos aquilo que o cliente quer consumir, ou seja, transformamos o valor dos dados recolhidos em informação para ajudar a empresa a ser mais competitiva, a estar mais perto do adepto, a tornar os seus produtos mais interessantes e, consequente, vender mais».

Compreender as audiências

Com a Inteligência Artificial, o tratamento de dados é, necessariamente, muito diferente e mais científico, como fez questão de dizer este especialista na área digital. «Expressões do tipo “eu acho que se fizermos uma campanha deste tipo vamos esgotar o estádio” deixam de existir. O que nós vamos fazer é perceber o tipo de pessoas que está pronta a comprar determinado tipo de produto e vamos comunicar diretamente para elas. Depois de conhecermos o ADN do cliente vamos para plataformas como o Google e Facebook e pedimos para encontrar entre os seus utilizadores clientes com o mesmo ADN. Essas plataformas vão selecionar pessoas que estão interessadas no nosso produto e, dessa forma, conseguimos expandir audiências e aumentar as vendas». De uma forma simplista disse-nos: «a ideia é olhar para os dados, extrair o seu valor, dar indicações precisas para aumentar a conversão e reduzir os custos». Este último aspeto é outra mais-valia, «muitas vezes as organizações investem sem pensar muito».

Naturalmente que há critérios muito apertados na análise das audiências, sendo que a quantidade de informação disponibilizada pela organização é determinante. «Em eventos como o Primavera Sound ou Meo Marés Vivas não temos um universo de informação, temos apenas o histórico de festivais anteriores para conhecer os clientes. No Primavera Sound tivemos acesso aos últimos dez anos e com a análise comportamental desse período conseguimos encontrar informação que vai ser importante para promover o festival do ano seguinte», explicou. Podem, no entanto, surgir fatores externos capazes de influenciar a avaliação e enviesar os resultados. «Há, de facto, esse risco, mas também há técnicas para mitigar isso», garantiu.

Tiago Costa Rocha frisou que «temos de ter algum cuidado a analisar dados no período do Covid-19 porque foram anos de um consumo diferente. Estamos a falar de uma fase onde se consumiu brutalmente no online».

Os principais parceiros da Full Venue estão na Europa, mas a startup nacional quer expandir-se para o mercado norte-americano. «Estamos a tentar entrar no futebol, mas a concorrência é enorme. As grandes ligas como a NBA, NFL e MLS são muito evoluídas a nível de marketing e tecnologia, têm tudo o que há de melhor no mundo. A Full Venue está nesse patamar, mas o mercado americano está muito saturado com este tipo de serviços». O perfil das empresas é também diferente do europeu, «é mais dinâmico e agressivo, temos de ser mais diretos». Apesar de haver quase um monopólio, isso não assusta o CEO da Full Venue, pois considera que existe uma janela de oportunidade. «Temos um fator diferenciador que é o conhecimento do futebol europeu. Temos mantido conversas com a federação americana de futebol e o Real Salt Lake, e queremos ir para lá porque é uma escala completamente diferente».

Exemplos de sucesso

Atualmente, a startup portuguesa tem parcerias em sete países e trabalha com organizações de diferentes setores de atividade, como nos explicou Tiago Costa Rocha. «Os nossos parceiros estão divididos pela área do desporto, eventos musicais e retalho», e pormenorizou: «na área do desporto trabalhamos com as federações da Bélgica, Roménia, Finlândia, País de Gales, Albânia e estamos em conversações a Noruega e Dinamarca». São, naturalmente, parceiros relevantes, mas o objetivo é mais ambicioso: «queremos crescer no universo UEFA sempre com a máxima de encher estádios no futebol masculino, mas também no feminino, onde estamos a ter resultados fantásticos em termos de venda de bilhetes».

O primeiro cliente foi a federação belga de futebol, uma parceira que começou em 2022 e correu bastante bem. «Pediram-nos para fazer uma análise e previsão do número de espetadores que iriam assistir a um jogo da seleção e o nosso algoritmo bateu certo em 90%», disse com natural satisfação o CEO. A nível de clubes, a Full Venue trabalha com o Villarreal (Espanha) e Brugge (Bélgica) e já fez um projeto para o Estoril que «correu bem». A intenção é trabalhar com os chamados grandes do futebol português, «que pode não ser bem visto por questões de rivalidade, mas temos de deixar de lado essas atitudes». «O potencial da liga é enorme e temos todos de trabalhar em prol de algo melhor», frisou.

O trabalho realizado teve impacto em outros países e Tiago Costa Rocha acredita que «o impacto em Portugal podia ser igual ou maior. Há push grande para trabalhar aqui, neste momento o Benfica é o clube com quem temos negociações mais avançadas», disse.

As incongruências do futebol português, com jogos à noite durante a semana e o elevado preço dos bilhetes, pedem que seja introduzido algo de novo para levar mais gente aos estádios. «A Full Venue tem ajudado a perceber que há desafios a ultrapassar no futebol português. As pessoas que estão dentro do negócio têm de olhar para a informação no seu todo e refletir», fez questão de afirmar. O co-fundador da Full Venue acredita que o futebol pode dar mais retorno. «É uma área que está mal explorada. Deixando de lado o Benfica, FC Porto e Sporting, é possível aumentar as vendas de bilhetes entre 10 a 15%. Se isso acontecer, o valor do futebol português aumentaria e, provavelmente, o valor dos patrocinadores também». Perante o nosso espanto, foi claro ao afirmar: «é um objetivo perfeitamente tangível com uma estratégia definida, segmentada e comunicar com regularidade e bem».

Na área dos festivais musicais a situação é semelhante, ou seja, quando se traça um plano é importante estabelecer objetivos reais. «A Full Venue começou a trabalhar com o Festival Primavera Sound, no Porto, e a estratégia seguida foi a mesma: análise de dados. Pedimos o número de bilhetes vendidos e os consumos dentro do recinto nas últimas edições, depois aplicamos os modelos para chegar a conclusões. A fase seguinte é trabalhar com as equipas de marketing e ajudar a montar as campanhas, comunicar de forma direcionada e medir o que está a acontecer».

Saindo do desporto e dos festivais de verão, a Full Venue começou a trabalhar na área da moda por uma razão simples. «É um setor com enorme potencial e queremos expandi-lo ainda mais. O retalho fashion é algo que está sempre a acontecer e temos uma proposta de valor para as empresas», concluiu.

Triplicar as vendas

As organizações desportivas e de gestão de eventos têm a pressão constante de obter resultados financeiros positivos e a Full Venue tem-se revelado um parceiro importante. No final ano passado, a startup portuguesa tinha gerado uma receita de 5,7 milhões de euros para seus clientes através de uma correta monitorização das audiências e de eficazes insights para as campanhas de marketing. Tiago Costa Rocha falou-nos de dois casos de sucesso no futebol e na música.

O caso da federação romena é bem elucidativo da importância de fazer bem o trabalho de casa. «A dificuldade não era vender bilhetes para os jogos da seleção, mas sim os equipamentos oficiais. O nosso foco era aumentar as vendas de merchandising. Começámos a executar as campanhas em junho de 2023 e as vendas dispararam 52% comparativamente com o segundo semestre do ano anterior, isso foi conseguido mudando a estratégia e os destinatários. Logo a seguir, disseram-nos que este ano querem triplicar as vendas porque têm o Euro 2024 e isso já foi conseguido».

O sucesso dos clientes é também o sucesso da Full Venue, o mesmo aconteceu com os festivais de música em Portugal e Espanha como nos contou Tiago Costa Rocha. «Fomos referenciados à Primavera Sound Barcelona e aceitámos o desafio de trabalhar um público identificado por nós mantendo a mesma mensagem publicitária das outras três campanhas de marketing. A audiência que a Full Venue identificou no festival gerou 63% das vendas e as outras três juntas tiveram pouco mais de 60%. Foi o suficiente para renovarmos a parceria e deu-nos a possibilidade de trabalhar com outros festivais em Espanha», salientou com natural satisfação

No início deste ano, a empresa levantou dois milhões de euros numa ronda seed liderada pela GED Ventures para desenvolver e implementar novas soluções. Confrontado com o que será a Full Venue dentro de cinco anos, Tiago Costa Rocha garantiu que o crescimento é para continuar. «Estamos numa fase de desenvolvimento com dois grandes focos: consultora e produto. Queremos aumentar o número de clientes na parte relacionada com clubes, federações e promotores de eventos, talvez a moda venha a agregar-se a esta parte. Mas vamos também apostar no produto. Começamos a construir uma plataforma que vai estar brevemente online e pode ser utilizada por qualquer marca, uma vez que é transversal às indústrias. Toda a gente que faça marketing digital e queira comunicar com base em dados vai poder ligar os seus canais de venda à nossa plataforma, correr os algoritmos autonomamente e integrar as redes sociais. Esses vão ser os dois canais de crescimento da Full Venue», disse o grande impulsionador deste projeto, que mantém um discurso muito positivo: «damos muito valor ao que já fizemos, mas estamos só a meio do caminho».