Combater a solidão. O que podemos fazer para que os outros não se sintam sós?

Combater a solidão. O que podemos fazer para que os outros não se sintam sós?


Como será não ter ninguém para nos fazer companhia?Sentirmo-nos isolados e esquecidos? São cada vez mais os idosos que se sentem assim em Portugal. O que podemos fazer para combatê-lo?


A solidão fala todas as línguas que não conhecemos… Umas vezes entranham-na em nós, outras vezes ela própria se entranha e nunca se mostra disposta a grandes entenderes. Causa olheiras, lágrimas, carências, dúvidas, depressões, tormentos e frustrações. Não permite escolha, não tem horários e não olha a idades. Quer-se completamente independente da nossa vontade. É quase que uma proliferação de parasitas que nos vão comendo as vísceras, sem termos oportunidade de controlo. A solidão é não saber estar só e, ao mesmo tempo, não saber fazer companhia, é ser esquecido, ter sido apagado dos livros, dos instantes e das agendas sociais. E, com o passar da idade, esta parece uma realidade cada vez mais presente. Sabemos que os idosos são especialmente vulneráveis à solidão e ao isolamento social. Estes podem sentir solidão ou ficarem socialmente isolados por inúmeras razões: ficarem mais enfraquecidas não podendo continuar a fazer as mesmas atividades; deixar de ser o centro da família e, aos poucos, ir perdendo o “interesse” dos mais novos; abandonar o local de trabalho, deixando de ter uma rotina mais ativa; a morte de cônjuges e amigos; ou por deficiência ou doença. Além disso, há um estigma em torno da solidão e, muitas vezes, as pessoas tendem a não pedir ajuda por não quererem mostrar fragilidade, ou “incomodar”. Pensar nessa ideia faz-nos sentir um nó no estômago. E talvez essa seja uma chamada de atenção para olharmos para dentro do nosso seio familiar.  Em Portugal o que se faz para combater este cenário? Quais as associações de voluntariado a que podemos recorrer? Sabia que já existem plataformas destinadas aos mais velhos que permitem que estes encontrem companhia para falar e mesmo para partilhar a casa? E a PSP e a GNR? Quais as medidas que tomam as autoridades nestes casos?

Unir idades e reencontrar amigos A associação Une.Idades, uma das plataformas que integra o programa Partilha Casa promovido pelo MEO e lançado em dezembro passado, pretende precisamente, “unir idades”. “Unir duas gerações, com tudo o que cada uma tem de melhor, numa casa. E assim criar soluções de vida apoiada e partilhada, com muitos benefícios para ambos”, descreve no seu site oficial. Por um lado, os seniores disponibilizam um quarto da sua casa e com isso “beneficiam da companhia do estudante, recebem alguma ajuda em tarefas domésticas leves e recebem um valor mensal extra para contribuição de despesas”. Por outro, os jovens universitários têm acesso a um alojamento seguro, confortável e acessível, beneficiando ainda da companhia e apoio do sénior. Recorde-se que, de acordo com os dados do Observatório da Solidão, divulgados em 2022, 70% dos idosos em Portugal dizem sentir-se sós. Além disso, os Censos 2021 revelaram que 1.750 milhões de idosos vivem sozinhos em Portugal. Em junho, a CNN revelou que desde o seu lançamento, o programa já juntou “dezenas” de pares entre as “mais de mil candidaturas” que recebeu desde então. Só a Une.Idades – que é uma dessas associações e atua na região de Lisboa –, já ajudou a criar dez matches entre seniores e jovens estudantes universitários deslocados.

Também este ano, a startup portuguesa Siolisfe lançou uma novidade que promete revolucionar a vida dos mais velhos. E parece que esta já tem mostrado resultados. Segundo a Siolisfe trata-se da “primeira rede social para idosos” e, desde junho, já conquistou 16 mil utilizadores em Portugal, Espanha e Brasil, além de possuir uma rede de mais de 10 mil cuidadores profissionais e informais. “Estes números são o reflexo da confiança e aceitação da nossa solução tecnológica nas mais de 600 instituições onde estamos presentes”, conta. “A socialização está fortemente ligada a um envelhecimento saudável e à longevidade. Na Sioslife, sempre acreditámos na importância de conectar as pessoas mais velhas com os seus familiares e amigos, beneficiando a saúde física e mental dos nossos utilizadores”, explica a startup. “Foi com este mote que decidimos criar a 1ª Rede Social para Idosos, Centros de Dia, Apoio Domiciliário e todas as demais respostas de apoio à população mais velha”, continua. O grande objetivo é “combater a solidão entre os idosos de uma forma divertida e acessível”. Por isso, a nova plataforma facilita a criação de novos laços de amizade e a manutenção dos já existentes, “tudo através de uma interface super simples, intuitiva e fácil de usar”. A Sioslife faz questão de explicar que para utilizar esta plataforma, não é preciso ter muitos conhecimentos tecnológicos. “Com apenas alguns toques, os utilizadores podem iniciar videochamadas e ficar em contacto com os seus amigos e familiares”, revela. “Temos várias histórias com esta rede social, mas há duas que nos deixaram mais emocionantes. Uma senhora que vivia num lar e que já não via a sua irmã há dois anos, que vivia noutro lar. Uma vez que ambas as instituições integravam a tecnologia Sioslife, foi possível que fizessem uma videochamada emocionante e que metessem a conversa em dia. O mesmo aconteceu com outra história, mas no caso, eram um casal. Outra história que também nos tocou particularmente foi o caso de um senhor, um dos nossos utilizadores mais entusiastas que vive num lar em Paços de Ferreira, conseguiu reconectar-se com um amigo de infância que não via há mais de 30 anos. Agora falam quase diariamente por videochamada”, confidencia ao i.

Voluntariado Para combater a solidão nos mais velhos, há ainda associações voluntárias nas diferentes partes do país. Aldeias Humanitar é uma delas. Há quem encontre a felicidade na visita de técnicos de saúde e, este projeto, mobiliza todos para “a luta contra o desamparo humano”. A instituição presta cuidados de saúde complementares em casa das pessoas idosas e de forma gratuita, em dez concelhos do Douro Sul. No entanto, pretende alargar o seu modelo de intervenção a todo o interior de Portugal.

Muitos idosos saem do hospital acabando por não ter qualquer acompanhamento na sua recuperação. Em Lisboa, a Associação Mais Proximidade prepara não só a alta hospitalar de âmbito social, como garante os recursos para um regresso em condições adequadas e um acompanhamento de consultas e exames, gestão da medicação, visitas ao domicílio, contactos de acompanhamento, etc. Já a Associação Coração Amarelo, com sede em Porto de Mós, realiza contactos telefónicos a idosos sinalizados em situação de isolamento. Além disso, adquire smartphones e entrega-os a idosos elegíveis, para que possam receber estes contactos por parte da instituição.

Saindo do Continente, são também cada vez mais casos de isolamento social em São Miguel. Por isso, a CRESAÇOR investe na inclusão cultural da população sénior. A sua missão é “promover a Economia Solidária e o Desenvolvimento Local e Comunitário na Região Açores”, sustentando os valores da “Cooperação, Identidade, Sustentabilidade, Local, Tradição, Cultura, Ambiente e Pessoas”. A instituição realiza sessões de convívio, valorizando “o património pessoal de cada um” e “promovendo eventos culturais e diálogos que celebrem histórias de vida”. O projeto Associação Viver de Afetos apoia a população idosa que reside só nas zonas altas do concelho de Câmara de Lobos, na Madeira. Uma equipa técnica faz visitas domiciliares semanais, como forma de estar com os idosos, ouvir as suas histórias e identificar as necessidades.

E as autoridades? A operação anual “A Solidariedade não tem idade – A PSP com os Idosos” é realizada desde 2012, com o objetivo de detetar casos de fragilidade social, vulnerabilidade física e psíquica comprometedores da segurança e casos de suspeita de crimes de violência doméstica ou outros contra a vida ou integridade física, promove de imediato “o necessário apoio em articulação com as demais entidades”. No âmbito desta operação de âmbito nacional, segundo a PSP, os seus polícias, durante os contactos que realizam diariamente porta-a-porta, “efetuam a avaliação dos idosos em situações de abandono, incapacidade de autossubsistência (por dificuldade de locomoção, doença, financeira ou outra) ou ainda repetida sujeição a violência (física, emocional e ou psicológica), providenciando o devido encaminhamento”. “Sempre que se verifique algum destes indicadores de risco, os idosos são sinalizados a instituições com responsabilidade na promoção de proteção e apoio ou, em casos que o risco avaliado seja considerado elevado, são encaminhados imediatamente para estas instituições”, garantem as autoridades.

Na edição de 2023 os polícias realizaram 4.088 contactos individuais de prevenção criminal e 233 ações de sensibilização. Destes contactos/ações resultaram a sinalização de 529 idosos, tendo sido verificadas 509 situações de risco, e foram encaminhados 425 idosos para instituições de apoio social. A edição de 2024 iniciou-se no dia 26 de julho do presente ano (Dia dos Avós) e termina no dia 27 de setembro, pelo que será efetuado um balanço final da operação no Dia Internacional da Pessoa Idosa (01 de outubro), bem como um balanço intercalar no dia 30 de agosto.

Além disso, de acordo com a PSP, para prevenir a ocorrência de crimes, bem como a problemática do isolamento social, esta associou-se ao Programa EUSOUDIGITAL, que “visa promover a capacitação digital da população idosa”. Os polícias afetos ao policiamento de proximidade tornaram-se Polícias-Mentores para promover a capacitação digital da comunidade sénior em segurança”, explica. Complementarmente, a PSP continua a disponibilizar o programa “Estou Aqui Adultos”, iniciado em 2015 em parceria com a Fundação Altice, destinado a pessoas com potencial de perturbação da referenciação espaciotemporal. Esta ferramenta de segurança permite promover o reencontro célere da pessoa aderente com a respetiva família ou instituição de apoio. Desde o início do programa a PSP já promoveu o reencontro com as suas famílias de 88 pessoas que se encontravam perdidas ou desorientadas. Desde 2015, até à presente data, já foram atribuídas mais de 15 800 pulseiras.