Aeroporto: o que falta fazer…


Desvio de custos e prazos escorregadios não devem ser considerados processos normais e cabe ao Estado ter a capacidade de monitorizar a evolução dos custos e o controle de prazos para evitar esses desvios.


Muito se tem escrito na imprensa nacional sobre o aeroporto Luís de Camões, atribuindo-se com frequência a aparente não evolução dos trabalhos à relação contratual entre o Estado e a ANA. É certo que o contrato impõe muitas restrições que implicam um acordo com a concessionária, mas é igualmente certo que há muito a fazer do lado do Governo que não depende dessa relação contratual. Ou seja, e em discurso popular, não podemos fazer da ANA o “bode expiatório” de todas as ineficiências que venham a ocorrer no desenvolvimento deste novo aeroporto.

A motivação para retomar este tema está na afirmação recorrente que é feita na imprensa, por vários interlocutores, uns responsáveis governamentais, outros sem qualquer responsabilidade, de que é normal que os custos e os prazos sejam genericamente superiores ao indicado pela Comissão Técnica Independente (CTI) no estudo de avaliação ambiental estratégica. Ou seja, nas entrelinhas leia-se, desvios é uma coisa normal em Portugal. Pois bem, não devia ser, e essa atitude é uma das principais causas remotas do enorme desperdício de dinheiro público recorrentemente associado aos grandes projectos no nosso país.

Os custos e prazos foram apresentados nos relatórios da CTI (Anexo 5 do relatório PT2) com toda a transparência, considerando um planeamento integrado e as práticas nacionais nas várias obras públicas, com elementos similares aos utilizados para um aeroporto, bem como as práticas internacionais de planeamento para o desenvolvimento flexível de uma infraestrutura deste porte.

Nos prazos, diz-se, a CTI foi conservadora, pois qualquer dos proponentes privados  apresentou soluções com prazos muito mais otimistas. Foi o caso das opções de Santarém e Montijo, cujos promotores fizeram disso várias declarações públicas. Ora, impõe-se desde logo uma questão: se é possível ser assim tão eficiente na execução de uma infraestrutura quando ela se localiza num local escolhido pelo promotor privado, como é que essa eficiência se perde totalmente quando vamos para um local consensualizado como de interesse público? Curiosamente, o planeamento da Alta Velocidade, apresentado pela Infraestruturas de Portugal (IP) utiliza, para os elementos comparáveis, prazos idênticos aos utilizados pela CTI.

Mas a questão fundamental agora é termos capacidade de, em prol do interesse público, reunir competência do lado do Estado para planear o detalhe operacional e monitorizar com independência, rigor e transparência um projeto desta dimensão, e com as implicações territoriais, ambientais, económicas e sociais que dele decorrerão. Isto não é da responsabilidade do concessionário, isto é serviço público.

Desvio de custos e prazos escorregadios não devem ser considerados processos normais, e  cabe ao Estado ter a capacidade de monitorizar a evolução dos custos e o controle de prazos para evitar esses desvios, só não o fazendo se não tiver estruturas apropriadas e competentes para esse controlo.

De salientar que a forma como a execução da obra e respetivos processos são organizados, materiais usados, modelo de desenvolvimento (grau de flexibilidade, sequência dos sub-processos) tem um impacte direto nos custos e nos prazos. Daí a indispensabilidade de um planeamento muto detalhado, com avaliação de processos alternativos, e preparando uma monitorização que vá para além da aritmética agregada das folhas de excel e possa questionar a forma com o projeto e a obra se organizam, para o que é necessário experiência, conhecimento e capacidade de antecipação relativamente ao projecto. Estas questões escapam naturalmente à opinião pública menos avisada, que facilmente aceita a normalidade do que é efetivamente anormal e deveria ser evitado pelo próprio Estado.

Esta tem sido a situação em Portugal, um Estado vulnerável que acaba por ser dominado pelos interlocutores privados, que naturalmente defendem, e bem, os seus interesses com elevada competência. Projetos como o aeroporto e a Alta Velocidade deveriam ser oportunidades para o Estado estabelecer estruturas de acompanhamento independentes e competentes, que lhe permitam ter informação de qualidade para um relacionamento mais equilibrado com investidores privados, e também dar contas ao cidadão com mais transparência. Não falta informação e conhecimento sobre estas matérias, amplamente documentadas e acessíveis a todos. A dúvida está em saber se há vontade política para alterar a forma como se planeiam, projectam, monitorizam e executam os grandes projectos em Portugal.

Professora e investigadora em transportes, Departamento de Engenharia Civil, Arquitetura e Georrecursos do Instituto Superior Técnico

Aeroporto: o que falta fazer…


Desvio de custos e prazos escorregadios não devem ser considerados processos normais e cabe ao Estado ter a capacidade de monitorizar a evolução dos custos e o controle de prazos para evitar esses desvios.


Muito se tem escrito na imprensa nacional sobre o aeroporto Luís de Camões, atribuindo-se com frequência a aparente não evolução dos trabalhos à relação contratual entre o Estado e a ANA. É certo que o contrato impõe muitas restrições que implicam um acordo com a concessionária, mas é igualmente certo que há muito a fazer do lado do Governo que não depende dessa relação contratual. Ou seja, e em discurso popular, não podemos fazer da ANA o “bode expiatório” de todas as ineficiências que venham a ocorrer no desenvolvimento deste novo aeroporto.

A motivação para retomar este tema está na afirmação recorrente que é feita na imprensa, por vários interlocutores, uns responsáveis governamentais, outros sem qualquer responsabilidade, de que é normal que os custos e os prazos sejam genericamente superiores ao indicado pela Comissão Técnica Independente (CTI) no estudo de avaliação ambiental estratégica. Ou seja, nas entrelinhas leia-se, desvios é uma coisa normal em Portugal. Pois bem, não devia ser, e essa atitude é uma das principais causas remotas do enorme desperdício de dinheiro público recorrentemente associado aos grandes projectos no nosso país.

Os custos e prazos foram apresentados nos relatórios da CTI (Anexo 5 do relatório PT2) com toda a transparência, considerando um planeamento integrado e as práticas nacionais nas várias obras públicas, com elementos similares aos utilizados para um aeroporto, bem como as práticas internacionais de planeamento para o desenvolvimento flexível de uma infraestrutura deste porte.

Nos prazos, diz-se, a CTI foi conservadora, pois qualquer dos proponentes privados  apresentou soluções com prazos muito mais otimistas. Foi o caso das opções de Santarém e Montijo, cujos promotores fizeram disso várias declarações públicas. Ora, impõe-se desde logo uma questão: se é possível ser assim tão eficiente na execução de uma infraestrutura quando ela se localiza num local escolhido pelo promotor privado, como é que essa eficiência se perde totalmente quando vamos para um local consensualizado como de interesse público? Curiosamente, o planeamento da Alta Velocidade, apresentado pela Infraestruturas de Portugal (IP) utiliza, para os elementos comparáveis, prazos idênticos aos utilizados pela CTI.

Mas a questão fundamental agora é termos capacidade de, em prol do interesse público, reunir competência do lado do Estado para planear o detalhe operacional e monitorizar com independência, rigor e transparência um projeto desta dimensão, e com as implicações territoriais, ambientais, económicas e sociais que dele decorrerão. Isto não é da responsabilidade do concessionário, isto é serviço público.

Desvio de custos e prazos escorregadios não devem ser considerados processos normais, e  cabe ao Estado ter a capacidade de monitorizar a evolução dos custos e o controle de prazos para evitar esses desvios, só não o fazendo se não tiver estruturas apropriadas e competentes para esse controlo.

De salientar que a forma como a execução da obra e respetivos processos são organizados, materiais usados, modelo de desenvolvimento (grau de flexibilidade, sequência dos sub-processos) tem um impacte direto nos custos e nos prazos. Daí a indispensabilidade de um planeamento muto detalhado, com avaliação de processos alternativos, e preparando uma monitorização que vá para além da aritmética agregada das folhas de excel e possa questionar a forma com o projeto e a obra se organizam, para o que é necessário experiência, conhecimento e capacidade de antecipação relativamente ao projecto. Estas questões escapam naturalmente à opinião pública menos avisada, que facilmente aceita a normalidade do que é efetivamente anormal e deveria ser evitado pelo próprio Estado.

Esta tem sido a situação em Portugal, um Estado vulnerável que acaba por ser dominado pelos interlocutores privados, que naturalmente defendem, e bem, os seus interesses com elevada competência. Projetos como o aeroporto e a Alta Velocidade deveriam ser oportunidades para o Estado estabelecer estruturas de acompanhamento independentes e competentes, que lhe permitam ter informação de qualidade para um relacionamento mais equilibrado com investidores privados, e também dar contas ao cidadão com mais transparência. Não falta informação e conhecimento sobre estas matérias, amplamente documentadas e acessíveis a todos. A dúvida está em saber se há vontade política para alterar a forma como se planeiam, projectam, monitorizam e executam os grandes projectos em Portugal.

Professora e investigadora em transportes, Departamento de Engenharia Civil, Arquitetura e Georrecursos do Instituto Superior Técnico