BES . A queda de um Império

BES . A queda de um Império


Faz 10 anos no dia 3 de agosto que foi anunciado o colapso do Banco Espírito Santo. Apesar dos problemas que já existiam, a notícia provocou quase um tsunami e o sistema financeiro não voltou a ser o mesmo. Na altura, o Estado português emprestou 3,9 mil milhões de euros ao Fundo de Resolução.


Era já de noite quando Carlos Costa, na altura, governador do Banco de Portugal (BES) no dia 3 de agosto de 2014 anunciou o colapso do Banco Espírito Santo (BES). Os rumores de problemas financeiros tinham subido de tom nos dias anteriores, mas até à última havia a esperança de que havia salvação para a instituição financeira. Dias antes tinha sido a vez de Cavaco Silva, na altura, Presidente da República a dar uma palavra de tranquilidade: «Os portugueses podem confiar no Banco Espírito Santo, dado que as folgas de capital são mais do que suficientes para cobrir a exposição que o banco tem à parte não financeira, mesmo na situação mais adversa».

As declarações de Carlos Costa caíram que nem um bomba e o sistema financeiro português não voltou a ser o mesmo. «O Banco Espírito Santo encontra-se numa situação de grave desequilíbrio financeiro. A evidência de falhas de controlo e atos de gestão danosa agravou a incerteza em relação ao seu balanço, inviabilizando uma recapitalização privada num curto espaço de tempo», disse.

Nessa noite, surgiu o Novo Banco após o colapso do banco da família Espírito Santo, tendo sido aplicada uma medida nunca usada em Portugal: a resolução, após a apresentação de prejuízos históricos no valor 3,57 mil milhões de euros, o maior de sempre na história empresarial portuguesa. A ‘nova’ instituição financeira recebeu uma injeção de 4,9 mil milhões de euros, dos quais 3,9 mil milhões do Estado. Mas três meses antes já tinha sido alvo de um aumento de capital de 1.050 milhões de euros. A generalidade da atividade e do património do banco foi «transferida, de forma imediata e definitiva, para o Novo Banco, devidamente capitalizado e expurgado de ativos problemáticos», foi anunciado nessa noite. E Ricardo Salgado, o ‘Dono Disto Tudo’, ainda hoje vê-se a braços com problemas na justiça, mas o rastro de destruição e de perdas ainda permanecem aos dias de hoje.

À LUZ, Paulo Monteiro Rosa, economista sénior do Banco Carregosa, lembra que após a resolução do BES, «a bolsa portuguesa não foi mais a mesma e as metamorfoses foram evidentes nos anos seguintes. A perda generalizada de valor do principal índice acionista da praça lisboeta, o PSI 20, foi notória nos anos subsequentes, associada também à gradual perda do número de constituintes ao longo dos anos», criando «uma significativa desconfiança no setor financeiro português, espelhada nas cotações dos bancos nos dias seguintes à resolução».

Masrecorda que os problemas começaram antes dessa noite fatídica com a desconfiança no banco e com a descapitalização nos meses antecedentes, nomeadamente depois de uma empresa do Grupo Espírito Santo (GES) no dia 25 de junho de 2014 não ter honrado o pagamento de uma dívida, o que acabaria por culminar na queda do BES. «O PSI 20 valia cerca de 6000 pontos no início de agosto de 2014, mas entre 2014 e 2019 negociou em média nos 5000 pontos. A seguir à pandemia recuperou ligeiramente, negociando atualmente nos 6600 pontos, mas, no entanto, foi perdendo gradualmente membros e no final do ano passado era constituído apenas por 16 empresas, tendo alterado a sua denominação de PSI 20 para PSI».    

A somar há que contar que em julho de 2014 ocorreu a derrocada do GES, com o pedido de proteção contra os credores do Espírito Santo Financial Group. «Devido à ligação umbilical entre o BES e o GES, o contágio ao banco foi inevitável, e era uma questão de dias para o banco colapsar, à medida que perdia crédito e o crédito dos investidores a cada hora que passava», salienta o economista.

Soluções em cima da mesa

Havia várias hipóteses para tentar solucionar o problema do BES e restaurar a confiança no sistema bancário português como um todo: a liquidação, a nacionalização, a recapitalização através de um aumento de capital a realizar pelos acionistas ou pela entrada de um novo acionista privado. No entanto, Paulo Monteiro Rosa recorda que «nenhum grupo bancário suficientemente robusto mostrou interesse nesta última hipótese», daí ter sido adotada a resolução do banco e que apostou na cisão em duas novas instituições financeiras: o ‘banco mau’, constituído pelos ativos de cobrança duvidosa e sem licença bancária e o Novo Banco para onde transitaram a generalidade da atividade e do património do BES.

Uma solução que, de acordo com o economista, continua a parecer a melhor opção tomada pelas autoridades para restaurar a confiança no sistema bancário português. «A liquidação não teria sido fácil e poderia retirar a preciosa confiança dos agentes económicos diante de um evento bancário. A nacionalização penalizaria certamente a confiança dos investidores no sistema bancário. A recapitalização através de um aumento de capital a realizar pelos acionistas ou pela entrada de um novo acionista privado parecia muito inviável, tendo em conta que nenhum grupo bancário suficientemente robusto mostrou interesse na altura nesta última hipótese».

Opinião contrária têm os economistas José Poças Esteves e Avelino de Jesus ao considerarem que a resolução «foi um erro grave da política económica», ao ponto de escreverem o livro Caso BES. Avelino de Jesus não tem dúvidas em relação a este erro e deu como exemplo a situação vivida em Itália. «Não é por acaso que os bancos italianos não quiseram este tipo de resolução. Em parte nenhuma do mundo se fez isto. Fez-se em pequenos bancos e com pouco significado; agora, com bancos desta dimensão e com impacto nacional, ninguém fez isso. Nem os americanos, nem os ingleses, nem os italianos», chegou a referir ao nosso jornal.

Já José Poças Esteves apontou a pressa como o principal inimigo desta medida e, apesar de considerar que todo este processo foi longo, no momento da decisão final, tudo aponta para que tenha havido precipitação. «Havia na altura vários cenários para salvar o banco. Um deles vinha da própria família, que tinha um plano até baseado em estudos do próprio Banco de Portugal, encomendados pelo BCE, que foram elaborados pela PwC e que definiam qual era a viabilidade do GES, ou seja, do grupo não financeiro, e qual o impacto que o GES poderia criar no próprio banco. Foi nessa altura que se tomou consciência de que a situação era muito grave do lado do GES e que era sobretudo um problema de tesouraria, porque o endividamento era muito elevado. Mas o mesmo relatório dizia que havia ativos que, se fossem vendidos com tempo, sem ser uma venda forçada e mesmo com algum desconto, permitiriam a reestruturação dessa dívida toda em 2018. Se isso tivesse acontecido, tínhamos agora a situação controlada, sem ter tido este impacto na economia», acrescentou.

Injeção de verbas vs perdas

O capital social do Novo Banco, de 4,9 mil milhões de euros, foi integralmente subscrito pelo fundo de resolução, constituído pelos bancos portugueses, tendo a Caixa Geral de Depósitos e o BCP como principais acionistas, e capitalizado com um empréstimo de 3,9 mil milhões de euros do Estado Português. Os depósitos foram salvaguardados, bem como as obrigações não subordinadas. Mas os investimentos feitos em papel comercial viveram momentos conturbados. Só em 2017 é que foi criado um fundo de recuperação de créditos pelo qual, os clientes que aceitaram, recuperaram 75% dos investimentos até 500 mil euros (num máximo de 250 mil euros) e 50% dos investimentos acima de 500 mil euros. No entanto, deixou de fora clientes das sucursais exteriores do BES (caso de emigrantes da Venezuela e África do Sul) e do Banco Privée (Suiça), que continuam em negociações com o atual Governo.

Por outro lado, há clientes que não aceitaram os mecanismos de compensação parcial e continuam a reclamar a totalidade do dinheiro perdido na resolução do BES.

Ao mesmo tempo, a queda do BES arrastou o maior grupo português de sempre das telecomunicações, a Portugal Telecom. «O empréstimo de 897 milhões de euros que a Portugal Telecom, atualmente Pharol, havia concedido à Rio Forte, enviesou a fusão da operadora portuguesa com a OI e levou, a par do fraco desempenho da empresa brasileira, à queda de 80% num ano. A Pharol resultou da divisão do grupo Portugal Telecom na PT Portugal SGPS – empresa com ativos como a MEO – e na PT SGPS, holding financeira. A 29 de maio de 2015, os acionistas da PT SGPS decidem alterar a denominação para Pharol.

Lição a tirar

Paulo Monteiro Rosa admite que 10 anos depois houve várias lições que foram aprendidas e medidas que foram tomadas pelas autoridades nacionais, sobretudo monetárias, nomeadamente de supervisão, «tendo surgido alguns pontos importantes de uma série de recomendações, tais como a criação de uma cultura de exigência, a remoção de conflitos de interesses, o acesso, clareza, transparência e partilha de informação e o reforço da articulação e coordenação das várias autoridades».

E lembra que o reforço dos poderes de supervisão foi um pedido constante nas recomendações. «Também evitar que os bancos façam parte de conglomerados mistos, porque essa situação favorece mecanismos de contágio difíceis de controlar. Por fim, a proteção dos clientes de retalho, para evitar que apareçam mais lesados bancários, tal como os conhecidos ‘lesados do BES’. No entanto, sabemos que não vivemos num mundo perfeito e tal como referiu uma vez o escritor norte-americano Mark Twain, a ‘História não se repete, mas por vezes rima’».

Mas reconhece que os tempos que se avizinham nem sempre são fáceis. «Tal como um provérbio oriental ‘Homens fortes criam tempos fáceis e tempos fáceis geram homens fracos, mas homens fracos criam tempos difíceis e tempos difíceis geram homens fortes’, analogamente tempos fáceis podem gerar uma certa displicência na implementação de regras e na cabal supervisão, seguindo-se momentos difíceis. O mundo não é perfeito… », conclui.