José Gameiro. “As mulheres que iam para a cama com vários homens não serviam para casar”

José Gameiro. “As mulheres que iam para a cama com vários homens não serviam para casar”


José Gameiro, 75 anos, mais de 40 de atividade profissional como psiquiatra, já viu de tudo em relação à amizade. Desde homens casados que traem a mulher com a mãe desta, até mulheres que enganaram o marido com o pai deste. Mas como eram as relações de amizade há uns bons anos?


É impossível existir amizade entre homens e mulheres?

Eu sou o exemplo disso, tenho amigas com quem poderia dormir. Mas a maior parte dos homens não tem isso. Tenho duas grandes amigas que são praticamente irmãs, e outra que morreu, com quem cheguei a dormir uma noite na mesma cama, porque não havia mais quartos em Roma. E ela dizia-me com graça: ‘Também não exageres, que diabo’ [risos]. O pessoal mais novo é diferente da minha geração, vejo pelo meu filho e por amigos deles, que têm amigas com quem não há qualquer espécie de confusão, são de facto amigas. Na minha geração, para os homens, amiga ou já tinha sido levada para a cama ou era para tentar levar.

O conceito de amizade entre homem e mulher mudou muito. No seu tempo não havia amizades entre homens e mulheres?

Sim, um amigo meu, psicólogo, que morreu há uns meses, contava-me um episódio curioso. Ele virava-se para duas amigas e dizia-lhes: ‘Só não consegui fazer sexo com vocês as duas’, de resto dormi com todas’.

O que acha das amizades coloridas?

Isso existe e existirá sempre, até com pessoas que são casadas e que, de vez em quando, têm  relações eventuais com amigas antigas. Na atual juventude, amizades coloridas vejo bastante. Sei que há. Não é bem o one night stand, não é igual. São, de facto, amizades que, de vez em quando, optam pela máxima: ‘Já que estamos assim, vamos lá…’. Mas eu tenho uma amostra clínica pequena de jovens, a minha amostra é mais social do que clínica. Mas posso falar com o meu filho que tem 26 anos e anda aí no meio da malta [Risos]. É o que vejo dos amigos e das amigas dele.

Mudou muito.

Sim, até porque elas agora estão de igual para igual. Já não existe, pelo menos nos centros urbanos, aquela coisa de que vou engatar aquela miúda. Muitas vezes são eles que são engatados. Elas, muitas vezes, ficam contente que seja só uma vez e depois vão à vida delas e têm outro a seguir. Isto mudou imenso no sentido em que há uma muito maior igualdade de oportunidades. Antigamente, havia em relação às raparigas aquela divisão clássica, que aquelas que iam para a cama com a malta já não eram boas para casar. Estou a fazer uma caricatura, mas não é tão longe da realidade como isso. Lembro-me de algumas do meu tempo de jovem de terem muito cuidado de darem umas ‘baldas’. Havia um machismo muito forte, muito cultural, muito intenso, que ainda existe, embora nos meios urbanos onde nos mexemos tenha diminuído bastante. Não sei se noutros meios mais pequenos se continua existir. Mas hoje em dia, nos centros urbanos, é de igual para igual, acho eu.

E em relação a casais que se separaram. Acha que podem manter a amizade?

Costumo dizer que cá em Portugal as pessoas separam-se mal. Apesar de haver uma taxa de divórcio muito alta, as separações, e há muitos fatores para isso, nem sempre são muito pacíficas, sobretudo quando há bens para dividir, quando há filhos também. Às vezes, é complicado e mesmo depois de os dois terem outras pessoas, e tenho essa experiência clínica, é muito complicado, por exemplo, juntá-los para falarem sobre um filho ou uma filha, ou outro assunto familiar. Vim da América com a experiência de quando havia divórcios ou separações, de se falar com a família atual e a antiga, com os ex, tudo na mesma sala, e em Portugal não consegui. Não é tudo assim, mas as relações com madrastas e padrastos não são habitualmente fáceis. A sensação que tenho é que as pessoas se separam mal, ficam sempre um bocado ressabiadas. Mesmo aquelas que quiseram a separação. Nós, culturalmente, somos muito avessos a coisas diferentes, apesar de depois as praticarmos. Temos uma taxa de divórcio altíssimo.

É muito normal a traição entre pessoas amigas?

Não sei dizer se é muito frequente, mas já apanhei situações dessas. Há dois tipos de situações: Há uma que é dentro do casamento, a outra situação é logo a seguir à separação, o amigo do amigo que se separou tentar ir ter com a senhora para lhe dar um ombro para ela se encostar. Isso também já encontrei. Uma mulher sozinha, embora tudo isto esteja a mudar – mas ainda existe –, separada, do ponto de vista de quem vê de fora, é interessante, talvez não seja a palavra mais certa, mas é vista como um risco para os casais, pois as mulheres não confiam nos maridos, e, por isso, uma mulher sozinha tem mais dificuldades em inserir-se num grupo de casais, às vezes, não digo que seja ostracizada, mas é afastada um bocadinho como receio. Numa linguagem machista, é uma presa mais fácil, até porque está mais debilitada ou mais fragilizada. Isto era assim, agora a malta mais nova não sei. Passavam duas ou três semanas sobre a  separação e o amigo/conhecido do marido de uma casal que também era amigo telefonava a perguntar se não queria chorar um bocadinho no ombro. (risos]. Agora a traição entre amigos também já encontrei, casais amigos, até cunhados já encontrei.

Como assim?

Alguém casado com uma mulher que tenta ‘sacar’ a irmã. Ou o inverso. Cunhados.

Isso apanhou muito?

Não, mas já vi tudo e mais alguma coisa. Até já vi sogras, o que é um clássico, no sentido em que há muitas histórias dessas que se não são verdade, são bem achadas, há ficção disso, mas eu já encontrei situações dessas verdadeiras de sogras.

De alguém que deixou a mulher e passou a andar com a mãe dela?

Não, não é passar a andar com a mãe, é envolver-se com a mãe da mulher e continuar com a mulher. E também já vi sogros. Sabe que as relações desse tipo dá tudo e mais alguma coisa. O catálogo é extenso, embora não seja frequente.

No princípio disse que não se enquadra no pensamento da sua geração e assumiu que até podia dormir com amigas que não lhes tocava.

Sim, a maior parte dos meus amigos tinha poucas amigas em geral, que não tivessem sido amigas coloridas ou que fossem coloridas, agora amigas irmãs… claro que alguns tinham, mas não era muito comum. Eu sempre tive muitas amigas irmãs. Como lhe disse, ainda tenho duas que são perfeitamente como se fossem minhas irmãs.

Eu também tenho.

Na minha geração [tem 75 anos], e a minha amostra vale o que vale, os homens não tinham muitas amigas, e depois também as mulheres dos homens não adoravam que os maridos tivessem amigas. Ou era tudo muito claro ou então não gostavam. E vice-versa. Hoje em dia vejo casais jovens a dizerem que vão jantar com amigas, no caso dos rapazes, e amigos no casos delas, e não costuma haver grandes problemas. Quando é homossexual há o selo de garantia, o heterossexual já não tem o selo,  mas não é por isso que não vão jantar. Hoje os homens vão muito  mais facilmente jantar com amigas do que no meu tempo. Na altura não era normal o marido ou a mulher dizerem que iam jantar com uma amiga ou com o amigo, no caso das senhoras. No caso das mulheres ainda era mais difícil isso acontecer. Vamos todos, era o que se costumava dizer. As mulheres não confiavam nos maridos e eles também não confiavam nas mulheres. Isso mudou muito. É normal, neste momento, ir-se jantar com uma amiga ou amigo e ser aceite. É o que oiço dos amigos e conhecidos do meu filho.

E em caso de morte. É muito frequente, por exemplo, morrer o marido e a mulher acabar com o melhor amigo dele?

Frequente não digo, mas que acontece, acontece, ainda agora houve um caso público desses. Penso que é normal uma viúva, passado algum tempo, como se dizia e se diz, refazer a sua vida. Não estamos na Índia onde as viúvas, antigamente nalgumas localidades mais recônditas, tinham de morrer. Ainda há 20 anos descobriram lá atrás do sol posto na Índia, naqueles sítios remotos, uma situação desse género, em que a rapariga ficou viúva e mataram-na. Era uma coisa antiga.