Rui Moreira: “Não quero ser o xerife do Porto”

Rui Moreira: “Não quero ser o xerife do Porto”


O autarca reconhece o aumento de criminalidade, quer mais videovigilância, exige mais polícias municipais e PSP, mas não quer mais competências para a sua polícia municipal, que o tornariam num xerife


Em relação à história do aumento da criminalidade no Porto. Que queixas é que têm sido mais relatadas pelos seus munícipes?

Em termos absolutos, os números do RASI  falam por si. Por outro lado, no caso da freguesia de Ramalde, é a própria PSP que terá confirmado que terá havido um aumento de 40% da criminalidade, não somos nós que dizemos. Nós não temos esses números, aliás, no Conselho Municipal de Segurança, que convoquei a seguir à reunião que tive com a ministra, esse assunto foi relatado. Pelo menos parte da cidade, até aqui, normalmente muito tranquila, como é o caso de Ramalde, uma zona residencial, nota-se preocupação por parte da população. A polícia fala em menos criminalidade violenta. Isso é capaz de ser verdade. Nós não temos esse apanhado. Agora, para as pessoas que veem os seus carros assaltados dia sim, dia não, que vêm pessoas com coisas roubadas a irem em carrinhos de supermercado vender isso a um sítio ou outro, naturalmente que vivem revoltadas e bastante irritadas com o que se está a passar.

O que lhe disse a ministra em relação às suas preocupações?

Disse-me que estava consciente da falta de recursos humanos, quer nas polícias municipais, quer na PSP, que esperava que os próximos cursos de polícias possam ter um maior número de aderentes, pois a profissão torna-se um pouco mais atraente, apesar de tudo. E depois manifestou simpatia relativamente  às nossas preocupações, nomeadamente com os atrasos no processo da videovigilância, tendo-lhe eu pedido para ela tentar perceber o que se passa entre a PSP e Comissão de Proteção de Dados. O problema é que a Câmara não é parte disso. A única coisa que a Câmara podia fazer, e já fez, foi fazer o investimento e comprar as câmaras que estão prontas para ser montadas. A ministra mostrou interesse nisso. Depois falei-lhe noutros assuntos, que simpaticamente não se pronunciou.

Mas que assuntos?

Um deles relativamente aos guardas-noturnos, nós defendemos e temos vindo a falar com a associação de guarda-noturno, e até fizemos um curso para guarda-noturno, mas neste momento a profissão não é apelativa. Porque as câmaras municipais podem dar-lhes fardamento e formação, mas não lhes podem assegurar um mínimo de subsídio de presença. Portanto, eles têm que viver daquilo que a população lhes dá, ora, como sabemos, as pessoas sejam pobres, sejam ricas, dão numa semana ao guarda-noturno e na semana seguinte já não dão. Por isso, nós fizemos o curso e só ficou um. O que gostaríamos era que houvesse uma alteração à lei, que permitisse que os municípios, querendo, definam um quadro de subsídio à atividades dos guardas-noturnos, porque eles, principalmente para as pessoas da minha geração, são uma boa recordação. Ou seja, é uma presença de alguma maneira de autoridade à noite e que interessa muito, principalmente, às pessoas da terceira idade que vivem isoladas e se sentem, neste momento, um pouco afogadas pela ansiedade, até pelas notícias que leem. A senhora ministra ficou de dizer alguma coisa, depois falámos de coisas mais técnicas que não interessam tanto aos leitores. Mas a questão fundamental tem a ver com o reforço dos efetivos policiais. Há um argumento que nós temos lido de que Portugal tem mais polícias por milhão de habitantes do que a maior parte dos países europeus, mas isso tem a ver com as funções que eles desempenham. Em Portugal, provavelmente, os agentes da PSP desempenham tarefas que os retiram da sua atividade principal. Por exemplo, no acompanhamento dos presos das prisões aos julgamentos, que antigamente era feito por oficiais de Justiça e hoje é feito por agentes da PSP. Enfim, há um conjunto de atividades que estão entregues aos agentes da PSP que fazem mentir esses números. A verdade é que nós sabemos que hoje temos falta de polícias. E também temos outro problema, que é o envelhecimento dos polícias. Os polícias que andam na rua, fazem operações de proteção e segurança, a partir dos 50 anos não estão muito disponíveis, e então estamos a ter uma média etária dos polícias muito próxima desses números. Precisamos de novos polícias e de polícias novos. O diagnóstico da ministra coincide com o meu.

Qual a diferença, no que toca à criminalidade, que sente em relação ao seu primeiro ano de mandato e agora?

Eu diria que houve um tempo em que as coisas melhoraram. Eu acho que as coisas foram melhorando ali por volta de 2013, o Porto foi uma cidade muito perigosa em meados de 2005, 2006, 2007, quando havia aqueles problemas na Ribeira, aqueles gangues que foram apanhados. Houve uma série de situações gravíssimas E depois a situação melhorou. Aquilo que eu noto hoje é que há uma forma de criminalidade diferente, que desespera o cidadão. É o cidadão ver o seu carro assaltado dia sim, dia não. É não ver polícias, é ver pessoas a vender droga em todo o lado, é difícil uma pessoa andar à noite na cidade e não vir alguém oferecer-nos droga. Isso causa estupefação, sentimento de insegurança, irritação, a sensação de que não há Estado, é um caldo que nós não tínhamos há uns anos atrás. E hoje temos isso claramente.

Mas também me disse na entrevista anterior que a própria comunidade do Bangladesh estava muito preocupada com os assaltos. Isso tem aumentado?

Nessa zona não tenho tido relatos, mas aquilo que lhe posso dizer é que sendo isso uma localização adjacente à zona que já temos câmaras de segurança, que providenciámos à Polícia, a PSP já nos disse que gostaria de alargar a videovigilância a essas ruas onde vive a comunidade do Bangladesh. Se a polícia quer videovigilância nessa zona, é porque, de facto, a própria polícia também reconhece que ali há problemas.

Se com a chegada de imigrantes há mais pessoas a viver no Porto, é natural que a criminalidade aumente.

Nós não conseguimos fazer essa relação porque os próprios imigrantes também são vítimas deste tipo de atos, como nós já percebemos. Eu não faço essa ligação e o Carlos Moedas também não. Nós não temos elementos para fazer essa ligação. Há uma coisa que nós sabemos, neste momento o tráfico de droga nas nossas cidades aumentou exponencialmente. Isso é confirmado pelo RASI, até pelo aumento do número de apreensões. Quando há mais apreensões de droga isso quer dizer que o fenómeno está a aumentar. E isso é que é a principal causa da criminalidade, o tráfico e a toxicodependência. É a única causa aparente que nós conseguimos  identificar sem cairmos no laxismo que é preocupante. Sabemos é que há mais pessoas a vender droga, há mais pessoas a consumir droga, e por isso a precisarem de dinheiro, para pagar esse consumo, e daí o aumento de furtos e de roubos que se têm alastrado a zonas onde isso não era tradicional.

Mas sabem quem são os novos toxicodependentes?

Nós na Unidade de Consumo Assistido fizemos um levantamento, aliás, as pessoas que estavam lá a trabalhar para nós e depois para o Ministério da Saúde, tentaram fazer um levantamento e perceberam várias coisas. Em primeiro lugar, dos utilizadores dessa sala de consumo assistido, menos de metade são portuenses. A maioria é de fora do Porto, não são estrangeiros, são da área metropolitana, que acorrem à cidade do Porto para procurar droga para consumirem. Aquilo que nós também verificamos depois é relativamente aos tipos de consumos, que mudaram. Portanto, os consumos de crack aumentaram significativamente. Ou seja, há uma transição da heroína para o crack e compostos dessa natureza. Isso também sabemos. De resto, não sabemos muito mais, porque também não podemos fazer muito mais perguntas, como sabe. Se nós começarmos a fazer perguntas às pessoas começamos a escorraçá-las dali. Mas era muito importante para nós ter percebido que este não é um fenómeno de consumidores locais. É um fenómeno em que os consumidores locais são uma minoria.

Há um aumento de toxicodependentes imigrantes, que, à semelhança dos portugueses, optam por fazer assaltos para ganhar dinheiro para o consumo?

Não temos essa evidência. Na sala de consumo assistido nós praticamente não encontramos estrangeiros ou imigrantes, quase não há. Estamos a falar da população portuguesa ou da população da UE que vive em Portugal. Os migrantes evitam este tipo de situações porque sabem que lá podem ser detetados, eles fogem disso como o Diabo da cruz. É uma ideia preconcebida, também já ouvi falar nisso, não é verdade. Não se vê lá nenhum do Paquistão, por exemplo.

Em Lisboa parece que não é assim…

A realidade de Lisboa, nesse aspeto, dos migrantes, ainda é muito diferente da do Porto. Muito diferente. Não tem um Martim Moniz no Porto. Isso não existe, é uma realidade diferente.

Quais acha que têm de ser as competências da Polícia Municipal (PM)?

Eu acho que a PM não pode ter competências na área da proteção e segurança, a não ser quando eles são requisitados pela Polícia de Segurança Pública. Explico porquê. Só há três entidades em Portugal que podem fazer investigação criminal. A Polícia Judiciária, a PSP e a Guarda Nacional Republicana. E, portanto, não havendo investigação criminal que possa ser entregue às polícias municipais, não fazia sentido estarmos a utilizar polícias municipais nessa matéria, nós precisamos é de mais PSP. E precisamos que a PM faça aquilo que antes a PSP fazia, e que agora já não tem de fazer, nomeadamente a questão do trânsito. Em 2014, quando o António Costa era presidente da Câmara de Lisboa e eu era presidente da Câmara do Porto, nós conseguimos com Miguel Macedo [então ministro da Administração Interna] um novo Estatuto das Polícias Municipais, que foi publicado em 2017, e passou as competências do trânsito para as polícias municipais. Isso é suposto libertar os agentes da PSP para a proteção e segurança. Estar a misturar uma coisa e outra não parece que faça assim muito sentido.

Mas também há quem defenda que se os polícias municipais, que tratam das licenças de ruído, se pudessem ficar fisicamente nessas zonas, depois de irem tratar das licenças dos bares e dos restaurantes, criariam um sentimento de segurança.

Sim, eles podem ficar lá e a Polícia Municipal têm alguma visibilidade. Qual é o problema? Nós na cidade do Porto, temos um contingente previsto para a PM de 300 elementos, neste momento tenho menos de 180. A partir do momento em que não tenho Polícia Municipal, porque me falta uma parte significativa, quase 40% do efetivo, não me interessa nada estar a entregar à Polícia Municipal outras competências que são da PSP. Não faz sentido. E a Polícia Municipal não vigia apenas o ruído e essas coisas. Tem muitas outras intervenções, nomeadamente o trânsito. Nós esquecemo-nos da grande intervenção que as polícias municipais têm hoje no trânsito, que nas nossas cidades é um grande problema. Antigamente, até 2017, essas competências eram da PSP. Nós esperaríamos  que a PSP ao não ter que se preocupar com o trânsito, com as multas, com o excesso de velocidade, com tudo isso, que esses efetivos que faziam esse serviço tratassem da proteção e segurança. Se começamos a misturar competências, amanhã não somos capazes de exigir para a Polícia Municipal os elementos que ela precisa. Eu neste momento preciso, e foi-me prometido pelo anterior ministro [José Luís Carneiro] pelo menos mais 100 elementos para a PM do Porto. A verdade é que não vieram. Eu com 300 agentes da Polícia municipal, consigo ter a visibilidade, claro que consigo, nomeadamente em zonas de bairros, nessa comunidade de consumo assistido, consigo ter lá PM. Tenho carros, tenho motos, tenho todos os elementos, mas não tenho é polícias. Com uma quebra de 40% é mais ou menos impossível eu ter visibilidade. O que preciso? De mais gente, da PM  e da PSP. sempre que a PSP precisa da PM, porque no caso de Lisboa e do Porto eles são agentes da PSP, a PSP requisita ao presidente da câmara esses agentes e eu nunca neguei. Durante o tempo da pandemia em que tínhamos de fazer vigilância apertada em muitos sítios, porque as ruas estavam vazias, coloquei o dispositivo da Polícia Municipal ao serviço da PSP. Mas nessa altura, o comando passa a ser do comando da PSP e não do presidente da Câmara. Porque doutra maneira passamos a ser xerifes, e eu acho que é um mau modelo.

Em relação ao turismo, sente que há preocupações sobre os estudos feitos sobre o aumento da criminalidade?

No turismo, a coisa mais importante que as cidades e os países têm, é a boa reputação. E Portugal tem tido uma excelente reputação. Eu lembro que casos isolados de insegurança, como foi o caso Maddie, com todo o drama associado, provocou uma quebra muito acentuada do turismo britânico no Algarve. Se isso é verdade, nós percebemos que, se de repente, começa a haver um conjunto de turistas que chegam à cidade do Porto e que são acicatados por pessoas que lhes querem vender droga, ou que os ameaçam por eles não comprarem, é evidente que isto começa a entrar nas redes sociais e começa a ter impacto. Quem não compreender isto, não conhece o fenómeno. Eu quando escolho um sítio para passar férias, a perceção da segurança é uma das razões da minha escolha.

Não sei se viu, mas a Uber lançou agora uma aplicação que é basicamente a apelar aos consumidores para partilharem a informação da sua viagem.

A desregulação dos Uber são um dos grandes problemas da cidade do Porto. Eu consigo dizer-lhe quantos táxis existem na cidade, e temos posturas para todos eles, mas não sei o número de  Ubers que tenho na cidade. Nós percebemos que a cidade está mergulhada em operadores que não sabemos quem são e que depois não conhecem a cidade. Usam apenas aquelas plataformas que têm e que, muitas vezes, fazem viagens absolutamente estúpidas. Eu já andei uma vez num Uber e não consegui perceber como é que ele queria chegar ao destino final. Agora essa coisa de eles quererem apanhar outras pessoas pelo caminho não estou por dentro.

Não, não é isso. O que a Uber quer é que um familiar seu ou amigo partilhe na aplicação a sua viagem consigo ou outras pessoas próximas, para que se saiba onde é que ele está sempre.

Isso pode ser mais uma vez uma tentativa reputacional da Uber depois de algumas notícias de ter havido ‘Ubers’ que atacaram os seus clientes, como se recorda. Provavelmente, a Uber quer certificar-se, de alguma maneira, da sua operação.

Se as licenças dos táxis são passadas pelas câmaras, qual a razão para os TVDE não precisarem de licenças camarárias?

Os TVDE não são transporte público, os táxis são. E, portanto, a câmara é que emite as licenças que certifica os taxistas e que interage com eles. é por isso que eles andam nas faixas BUS, por exemplo. Os TVDE  são registados numa plataforma nacional em que as câmaras não são ouvidas nem achadas. O presidente da Câmara do Porto nem sequer pode saber quantos TVDE andam na sua cidade.

Mas qual a razão para não poder saber?

Porque não temos acesso a essa informação. É uma escandaleira. É por isso que me tenho insurgido contra a forma como o negócio dos TVDE é gerido. Qualquer pessoa vai a uma plataforma, regista o seu automóvel e a partir daí põe uma placa a dizer TVDE, e começa a operar. Não pagam taxas às câmaras, não pagam impostos, não são certificados pelas câmaras. Se estiver na cidade do Porto e ligar para uma plataforma TVDE para ir visitar a minha casa, provavelmente ele nem é do Porto, é de Gondomar e o carro está registado em Lisboa. Não há qualquer registo dos TVDE nas câmaras.

Mas não acha que as câmaras deviam ter essa competência?

Claro que acho e tenho clamado contra isso. Os TVDE deviam operar numa cidade sob a  chancela da Câmara para se ter uma ideia de quantos existem. E para podermos ter algum controlo efetivo sobre a qualidade do serviço que não temos. Em relação aos taxistas há um acompanhamento sério daquilo que é a operação dos taxistas. As pessoas podem reclamar nos portais da câmara; os taxistas discutem connosco coisas interessantes como a postura, o trânsito e tudo o mais, não é o caso dos TVDE. É por isso que eles não andam nas faixas BUS. Há uma queixa geral sobre a razão de existirem tantos TVDE na cidade, e a razão de a coisa estar totalmente desregulada. Isso é uma queixa frequente. Se as pessoas tiverem razões de queixa em relação aos TVDE a Câmara nada pode fazer. As pessoas sabem isso e não recorrem à Câmara. Em Lisboa é exatamente a mesma coisa.