O inevitável aconteceu.Joe Biden, Presidente incumbente e candidato à reeleição pelo partido Democrata, anunciou a desistência da corrida presidencial no passado domingo. Após pressões internas crescentes, principalmente após o debate desastroso frente a Donald Trump, Biden acabou por ceder num momento em que os “pesos pesados” do partido – de Nancy Pelosi a Chuck Schumer, passando por Barack Obama – se mostravam alinhados quanto à incapacidade do Presidente.
Na carta em que se dirigiu aos seus concidadãos, o democrata de 81 anos declarou que “é do maior interesse do meu partido e do país que eu desista e me foque somente em cumprir os meus deveres enquanto Presidente durante o resto do meu mandato”. Uma decisão elogiada um pouco por toda a parte e onde a expressão “sentido de Estado” tem sido frequentemente utilizada.
Mas a questão que agora se levanta e que teima em não ser respondida é se, desistindo da corrida por evidentes fragilidades cognitivas, Biden poderá continuar ao leme dos Estados Unidos por mais meio ano.
De qualquer forma, a situação é reveladora do desnorte e da divisão existente na cúpula do partido Democrata, que tentou encobrir a incapacidade de Biden – já evidente há mais de dois anos – e agora, após as primárias e as previsões bastante desfavoráveis ao recandidato, decide puxar-lhe o tapete.
Assim, se, por um lado, Biden demonstrou sentido de Estado ao afastar-se, o seu partido demonstrou precisamente o contrário quando tentou manter um candidato incapaz.
Foi talvez por falta de qualidade nos quadros ou por falta de consenso em torno de outros nomes, mas o interesse nacional – e até mesmo o respeito pelo próprio Biden – foi inevitavelmente relegado para segundo plano.
A posição de Trump.
Do lado republicano, Donald Trump reagiu à notícia no seu estilo habitual: “O corrupto Joe Biden é o pior Presidente, de longe, da história da nossa Nação. Fez o possível para destruir o nosso país, da fronteira no Sul, ao domínio energético, Segurança Nacional, Estatuto Internacional e muito mais». «[Biden] não estava capaz de servir desde o início, mas as pessoas à sua volta mentiram à América sobre a sua incapacidade mental, física e cognitiva”, acrescentou o candidato republicano.
Trump está cada vez mais próximo de garantir o seu segundo mandato na Sala Oval, e as circunstâncias são-lhe tão favoráveis que lhe permitiram dar um discurso capaz de aborrecer os seus mais fervorosos apoiantes. Durante hora e meia, o candidato republicano de 78 anos foi repetitivo e ficou aquém das expectativas naquela que foi a sua primeira intervenção após ter sido alvo de uma tentativa de assassinato num ato de campanha em Butler, na Pensilvânia.
Contudo, o sucesso da Convenção Nacional Republicana e a perspicaz escolha para a vice-presidência – um candidato novo, representante de uma América profunda e uma das caras principais da nova Direita – ofuscaram o fraco discurso de Donald Trump, que terá agora de reajustar a sua retórica ao novo candidato democrata que, ao que tudo indica, será a atual vice-presidente, Kamala Harris.
Kamala avança.
No seguimento da desistência, Joe Biden anunciou o seu apoio a Kamala Harris de modo a tornar a vice-presidente de 59 anos na nova candidata presidencial democrata. Apoio demonstrado também pela família Clinton, mas não, até ao momento, pelos Obamas.
Ainda assim, há dois cenários possíveis para a escolha do novo candidato democrata, como explicou de forma clara o Washington Post: ou os líderes do partido tentam desde já reunir esforços entre os delegados para a nomeação de Harris e é realizada uma votação virtual no início de agosto (algo que estava planeado para nomear oficialmente Biden), ou o candidato será escolhido só na Convenção Nacional que terá lugar em Chicago entre os dias 19 e 22 de agosto – um cenário que não acontece no partido Democrata desde 1968.
Mas, mesmo que se realize a votação virtual já no início do próximo mês, a decisão pode ficar adiada para a Convenção caso Kamala Harris não consiga a maioria dos votos. Este é o pior cenário para os democratas que partem numa posição desfavorável.
Por isso, é possível que Kamala Harris se torne na candidata oficial do partido já no início de agosto.
A ex-senadora e ex-procuradora-geral do Estado da Califórnia garantiu que fará de tudo “para unir o Partido Democrata – e a nação – para derrotar Donald Trump e a sua agenda extremista ‘Projeto 2025’”.
Resta saber se a democrata tem capacidade para exercer o cargo mais importante do mundo livre num momento delicado tanto a nível interno como externo.
Caso seja nomeada, existe apenas uma certeza: representa uma rotura ideológica definitiva no partido que outrora elegeu nomes como John F. Kennedy, Bill Clinton e Barack Obama.
Seja qual for a decisão dos democratas, o partido sairá desta convulsão interna enfraquecido e com uma crise de confiança por parte dos seus eleitores mais moderados após a tentativa falhada (e que era inevitável) de voltar a colocar Biden na Casa Branca mesmo não estando na plenitude das suas faculdades.
Porém, se existe uma causa capaz de unir o eleitorado democrata neste momento é o anti-trumpismo, algo que pode beneficiar Kamala Harris independentemente das suas qualidades políticas, filosóficas ou intelectuais.