Portugal a jogar à defesa


Para os que sofrem de insónias, e não queiram alimentar o complexo industrial médico-farmacêutico, recomendo, no remanso da almofada, a leitura comparada de programas eleitorais apresentados pelos partidos políticos portugueses.


Agora que o sistema partidário se atomizou, limito o esforço aos dois maiores partidos políticos e circunscrevo a proposta de leitura ao capítulo dedicado à defesa nacional. Tomando de empréstimo as boas práticas científicas da enologia, sugiro uma leitura às cegas dos programas eleitorais do PSD e do PS. Receita: destacamos os referidos capítulos, anonimizamos os traços de autoria (“o PSD promoverá…”, “o PS incentivará…”) e garanto que nenhum leitor, por maior que seja a insónia, será capaz de identificar correctamente a paternidade de um determinado capítulo. Nos últimos 50 anos os dois maiores partidos políticos portugueses não só alternaram no exercício da governação como executaram um programa comum em matéria de defesa nacional: reduzir o peso dos militares, primeiro político e depois numérico e orçamental. Os referentes históricos de cada um dos partidos terão tido muitas e fundas discordâncias, mas Soares e Sá Carneiro estavam unidos no propósito de desmilitarização do sistema de governo (concretizada na revisão constitucional de 1982) e da actividade política (adiada durante alguns anos pela exuberância, de curta duração, da partidarite eanista).

A necessidade de “arrumação” política dos militares que fundaram a III República obrigou a manter quadros de recursos humanos hipertrofiados por uma guerra colonial que entretanto cessara. Os mancebos foram devolvidos às famílias mas o número de hierarcas militares foi mantido, independentemente de não terem subordinados para comandar ou funções (úteis) para cumprir.  A presença física de instalações e estruturas militares ocupava todo o país numa lógica de  quadrícula na defesa da fronteira terrestre e de recrutamento próximo (toda e qualquer cidade deveria ser capaz de sustentar um regimento). Durante muito tempo essa presença (e os respectivos) postos foram mantidos sem avaliação da utilidade. As indústrias de defesa, criadas pela autarcia imposta ao Estado Novo e por uma guerra colonial com baixa sofisticação nas armas empregues, foram mantidas qua tale durante muitos anos pela inércia típica da administração: uma instalação, mesmo que não produza bens necessários (ou transaccionáveis) garante empregos, particularmente valorizados pela hierarquia. O fim do serviço militar obrigatório e a opção por “forças armadas profissionalizadas” tinha um pressuposto: a concorrência em mercado para recrutamento de recursos humanos. Falhando este, a não especialização das capacidades de defesa, a não renovação dos equipamentos, a incapacidade de projecção de forças e da manutenção dessas forças em operações no exterior conduziram à presente anemia no número de militares e respectiva operacionalidade.

A discussão ao dia de hoje assenta na reposição de algum poder de compra dos militares que permita manter e recuperar efectivo. Mas essa é a parte mais fácil da solução. Continuam por identificar quais devem ser as competências das forças armadas portuguesas, na perspectiva do interesse nacional e não daquilo que o iluminado planeamento militar alheio nos venha a determinar. Esta tarefa não é ociosa. A possibilidade de agravamento da Proxy War com a Federação Russa é real e pode sofrer uma aceleração súbita caso um futuro ocupante da Casa Branca deixe cair o patrocínio dos EUA à resistência ucraniana.

O Conceito Estratégico de Defesa Nacional em vigor remonta a 2013 e tem como grande preocupação a vitória na guerra contra a Troika… Seria desejável uma rápida e profícua reflexão em matéria de identificação das novas ameaças, das respostas necessárias, da sua orçamentação e calendarização.

Portugal a jogar à defesa


Para os que sofrem de insónias, e não queiram alimentar o complexo industrial médico-farmacêutico, recomendo, no remanso da almofada, a leitura comparada de programas eleitorais apresentados pelos partidos políticos portugueses.


Agora que o sistema partidário se atomizou, limito o esforço aos dois maiores partidos políticos e circunscrevo a proposta de leitura ao capítulo dedicado à defesa nacional. Tomando de empréstimo as boas práticas científicas da enologia, sugiro uma leitura às cegas dos programas eleitorais do PSD e do PS. Receita: destacamos os referidos capítulos, anonimizamos os traços de autoria (“o PSD promoverá…”, “o PS incentivará…”) e garanto que nenhum leitor, por maior que seja a insónia, será capaz de identificar correctamente a paternidade de um determinado capítulo. Nos últimos 50 anos os dois maiores partidos políticos portugueses não só alternaram no exercício da governação como executaram um programa comum em matéria de defesa nacional: reduzir o peso dos militares, primeiro político e depois numérico e orçamental. Os referentes históricos de cada um dos partidos terão tido muitas e fundas discordâncias, mas Soares e Sá Carneiro estavam unidos no propósito de desmilitarização do sistema de governo (concretizada na revisão constitucional de 1982) e da actividade política (adiada durante alguns anos pela exuberância, de curta duração, da partidarite eanista).

A necessidade de “arrumação” política dos militares que fundaram a III República obrigou a manter quadros de recursos humanos hipertrofiados por uma guerra colonial que entretanto cessara. Os mancebos foram devolvidos às famílias mas o número de hierarcas militares foi mantido, independentemente de não terem subordinados para comandar ou funções (úteis) para cumprir.  A presença física de instalações e estruturas militares ocupava todo o país numa lógica de  quadrícula na defesa da fronteira terrestre e de recrutamento próximo (toda e qualquer cidade deveria ser capaz de sustentar um regimento). Durante muito tempo essa presença (e os respectivos) postos foram mantidos sem avaliação da utilidade. As indústrias de defesa, criadas pela autarcia imposta ao Estado Novo e por uma guerra colonial com baixa sofisticação nas armas empregues, foram mantidas qua tale durante muitos anos pela inércia típica da administração: uma instalação, mesmo que não produza bens necessários (ou transaccionáveis) garante empregos, particularmente valorizados pela hierarquia. O fim do serviço militar obrigatório e a opção por “forças armadas profissionalizadas” tinha um pressuposto: a concorrência em mercado para recrutamento de recursos humanos. Falhando este, a não especialização das capacidades de defesa, a não renovação dos equipamentos, a incapacidade de projecção de forças e da manutenção dessas forças em operações no exterior conduziram à presente anemia no número de militares e respectiva operacionalidade.

A discussão ao dia de hoje assenta na reposição de algum poder de compra dos militares que permita manter e recuperar efectivo. Mas essa é a parte mais fácil da solução. Continuam por identificar quais devem ser as competências das forças armadas portuguesas, na perspectiva do interesse nacional e não daquilo que o iluminado planeamento militar alheio nos venha a determinar. Esta tarefa não é ociosa. A possibilidade de agravamento da Proxy War com a Federação Russa é real e pode sofrer uma aceleração súbita caso um futuro ocupante da Casa Branca deixe cair o patrocínio dos EUA à resistência ucraniana.

O Conceito Estratégico de Defesa Nacional em vigor remonta a 2013 e tem como grande preocupação a vitória na guerra contra a Troika… Seria desejável uma rápida e profícua reflexão em matéria de identificação das novas ameaças, das respostas necessárias, da sua orçamentação e calendarização.