Quando a ciência e a política se intersectam


A ciência gera conhecimento e solução para os problemas e deveria ser uma das variáveis de maior peso na formulação de decisões políticas.


No passado dia 9 de julho, completaram-se 26 anos do sismo que abalou as ilhas açorianas do Faial, Pico e São Jorge. Este evento trágico relembra a importância de nos prepararmos para evitar os desastres. Também no início deste mês, 4250 especialistas de 82 países reuniram-se no 18º Congresso Mundial de Engenharia Sísmica, em Milão, para apresentar os avanços na gestão do risco sísmico e a construção da resiliência. Desde os sistemas de alerta precoce para sismos e tsunamis até ao recurso à inteligência artificial para a redução do risco de desastres, passando por soluções de reforço das construções combinadas com as da eficiência energética, foram abordados diversos tópicos para mitigar o impacto dos sismos nas comunidades, preservar o património e a continuidade da atividade económica. Foram discutidos cenários de danos de sismos que ainda estão por vir, bem como os impactos ambientais, sociais e económicos cada vez mais graves e disruptivos dos sismos já ocorridos. Apesar das incertezas à volta do fenómeno, estas ferramentas são desenvolvidas para auxiliar os decisores na tomada de decisões informadas.

A ciência gera conhecimento e solução para os problemas e deveria ser uma das variáveis de maior peso na formulação de decisões políticas. No entanto, frequentemente há uma tendência natural dos políticos negligenciarem as evidências científicas.

Por exemplo, em 2019 foram feitas recomendações ao Governo para incluir sensores de deteção sísmica nos novos cabos de comunicações submarinos a serem substituídos entre o Continente, Açores e Madeira (anel CAM). Estes sensores poderiam emitir alertas precoces de sismos ou tsunamis, permitindo à população se proteger. Foi extremamente difícil reunir consenso e reconhecimento da importância da inclusão destes cabos SMART (Science Monitoring and Reliable Telecomunications) em benefício de outros setores para além das comunicações, como sejam o mar, o ambiente, a ciência, a economia e a segurança. Finalmente, em março de 2024, foi assinado o contrato para a construção do anel CAM com a componente SMART.

De forma similar, os esforços para melhorar a oferta hospitalar na Região de Lisboa e Vale do Tejo remontam a 2008, quando se iniciaram as negociações para o lançamento do concurso do futuro Hospital de Lisboa Oriental (HLO). Nos últimos anos, a comunidade técnico-científica tem pressionado os decisores e técnicos para a inclusão de isolamento de base no projeto de forma a garantir a operacionalidade pós-sismo – tendo sido sempre rejeitada. Em julho de 2022 o Ministério da Saúde adjudica a obra do HLO sem isolamento de base. A legislação técnica atual garante apenas a prevenção do colapso dos edifícios do hospital, mas não a sua operacionalidade após um sismo. Os sismos na Turquia, em 2023, destacaram a necessidade crucial desta tecnologia para a segurança de pessoas e bens, em particular em infraestruturas críticas como os hospitais, conforme documentado por peritos da missão técnica portuguesa que visitaram o local.

A 1 de fevereiro de 2024 foi aprovada a minuta de gestão para a conceção, projeto, construção, financiamento, conservação, manutenção e exploração do HLO, excluindo o isolamento de base. A 14 de fevereiro de 2024, 14 peritos em Engenharia de Estruturas e Engenharia Sísmica, denunciaram ao Tribunal de Contas (TdC) que o projeto aprovado “viola as leges artis da construção antissísmica uma vez que não prevê o isolamento de base contra sismos, contraria as especificações técnicas para o comportamento sismo-resistente de edifícios hospitalares adotado pelo Ministério da Saúde em 2007 e revisto em 2020, caracteriza-se por um insustentável risco económico devido à ausência desse mesmo sistema de isolamento de base e, finalmente, não tem em linha de conta a experiência internacional neste domínio.”

A 31 de maio de 2024, o TdC aprovou o contrato de construção e gestão do futuro HLO, exigindo a inclusão de isolamento de base contra sismos no projeto. Ficou ganha a batalha, mas não a guerra.

É imperativo modificar a legislação para tornar obrigatória a inclusão de isolamento de base, ou outros sistemas de proteção sísmicos, nos futuros edifícios hospitalares situados nas zonas de maior risco sísmico do país.

A adoção de tecnologia avançada, nos cabos submarinos e nos equipamentos críticos, ilustra a importância de integrar a ciência nas decisões políticas em prol da segurança e bem-estar da população e da resiliência do país.

Em Portugal, milhares de edifícios (casas, escolas, quartéis de bombeiros ou hospitais) são vulneráveis a sismos. O primeiro regulamento antissísmico moderno foi emitido em 1958. A falta de reabilitação dos edifícios deve-se não só ao desconhecimento da sociedade dos riscos e de soluções para melhorar a segurança das construções, como à falta de investimento. A ausência de programas e mecanismos de financiamento para promover o reforço estrutural e sísmico e aumentar a segurança e proteção de seus ocupantes mantém-se há décadas, apesar dos vários apelos e aconselhamentos científicos.

É crucial promover a intersecção entre a política, a ciência e a tecnologia para melhorar a qualidade na elaboração de políticas públicas e no planeamento estratégico, em todos os domínios, visando uma melhor governança em Portugal. Nesse contexto, a comunicação do risco sísmico e da capacidade da ciência para mitigá-lo, para todos os envolvidos no processo de redução do risco, é fundamental.

Investigadora do Instituto Superior Técnico / CERis – Investigação e Inovação em Engenharia Civil para a Sustentabilidade

Quando a ciência e a política se intersectam


A ciência gera conhecimento e solução para os problemas e deveria ser uma das variáveis de maior peso na formulação de decisões políticas.


No passado dia 9 de julho, completaram-se 26 anos do sismo que abalou as ilhas açorianas do Faial, Pico e São Jorge. Este evento trágico relembra a importância de nos prepararmos para evitar os desastres. Também no início deste mês, 4250 especialistas de 82 países reuniram-se no 18º Congresso Mundial de Engenharia Sísmica, em Milão, para apresentar os avanços na gestão do risco sísmico e a construção da resiliência. Desde os sistemas de alerta precoce para sismos e tsunamis até ao recurso à inteligência artificial para a redução do risco de desastres, passando por soluções de reforço das construções combinadas com as da eficiência energética, foram abordados diversos tópicos para mitigar o impacto dos sismos nas comunidades, preservar o património e a continuidade da atividade económica. Foram discutidos cenários de danos de sismos que ainda estão por vir, bem como os impactos ambientais, sociais e económicos cada vez mais graves e disruptivos dos sismos já ocorridos. Apesar das incertezas à volta do fenómeno, estas ferramentas são desenvolvidas para auxiliar os decisores na tomada de decisões informadas.

A ciência gera conhecimento e solução para os problemas e deveria ser uma das variáveis de maior peso na formulação de decisões políticas. No entanto, frequentemente há uma tendência natural dos políticos negligenciarem as evidências científicas.

Por exemplo, em 2019 foram feitas recomendações ao Governo para incluir sensores de deteção sísmica nos novos cabos de comunicações submarinos a serem substituídos entre o Continente, Açores e Madeira (anel CAM). Estes sensores poderiam emitir alertas precoces de sismos ou tsunamis, permitindo à população se proteger. Foi extremamente difícil reunir consenso e reconhecimento da importância da inclusão destes cabos SMART (Science Monitoring and Reliable Telecomunications) em benefício de outros setores para além das comunicações, como sejam o mar, o ambiente, a ciência, a economia e a segurança. Finalmente, em março de 2024, foi assinado o contrato para a construção do anel CAM com a componente SMART.

De forma similar, os esforços para melhorar a oferta hospitalar na Região de Lisboa e Vale do Tejo remontam a 2008, quando se iniciaram as negociações para o lançamento do concurso do futuro Hospital de Lisboa Oriental (HLO). Nos últimos anos, a comunidade técnico-científica tem pressionado os decisores e técnicos para a inclusão de isolamento de base no projeto de forma a garantir a operacionalidade pós-sismo – tendo sido sempre rejeitada. Em julho de 2022 o Ministério da Saúde adjudica a obra do HLO sem isolamento de base. A legislação técnica atual garante apenas a prevenção do colapso dos edifícios do hospital, mas não a sua operacionalidade após um sismo. Os sismos na Turquia, em 2023, destacaram a necessidade crucial desta tecnologia para a segurança de pessoas e bens, em particular em infraestruturas críticas como os hospitais, conforme documentado por peritos da missão técnica portuguesa que visitaram o local.

A 1 de fevereiro de 2024 foi aprovada a minuta de gestão para a conceção, projeto, construção, financiamento, conservação, manutenção e exploração do HLO, excluindo o isolamento de base. A 14 de fevereiro de 2024, 14 peritos em Engenharia de Estruturas e Engenharia Sísmica, denunciaram ao Tribunal de Contas (TdC) que o projeto aprovado “viola as leges artis da construção antissísmica uma vez que não prevê o isolamento de base contra sismos, contraria as especificações técnicas para o comportamento sismo-resistente de edifícios hospitalares adotado pelo Ministério da Saúde em 2007 e revisto em 2020, caracteriza-se por um insustentável risco económico devido à ausência desse mesmo sistema de isolamento de base e, finalmente, não tem em linha de conta a experiência internacional neste domínio.”

A 31 de maio de 2024, o TdC aprovou o contrato de construção e gestão do futuro HLO, exigindo a inclusão de isolamento de base contra sismos no projeto. Ficou ganha a batalha, mas não a guerra.

É imperativo modificar a legislação para tornar obrigatória a inclusão de isolamento de base, ou outros sistemas de proteção sísmicos, nos futuros edifícios hospitalares situados nas zonas de maior risco sísmico do país.

A adoção de tecnologia avançada, nos cabos submarinos e nos equipamentos críticos, ilustra a importância de integrar a ciência nas decisões políticas em prol da segurança e bem-estar da população e da resiliência do país.

Em Portugal, milhares de edifícios (casas, escolas, quartéis de bombeiros ou hospitais) são vulneráveis a sismos. O primeiro regulamento antissísmico moderno foi emitido em 1958. A falta de reabilitação dos edifícios deve-se não só ao desconhecimento da sociedade dos riscos e de soluções para melhorar a segurança das construções, como à falta de investimento. A ausência de programas e mecanismos de financiamento para promover o reforço estrutural e sísmico e aumentar a segurança e proteção de seus ocupantes mantém-se há décadas, apesar dos vários apelos e aconselhamentos científicos.

É crucial promover a intersecção entre a política, a ciência e a tecnologia para melhorar a qualidade na elaboração de políticas públicas e no planeamento estratégico, em todos os domínios, visando uma melhor governança em Portugal. Nesse contexto, a comunicação do risco sísmico e da capacidade da ciência para mitigá-lo, para todos os envolvidos no processo de redução do risco, é fundamental.

Investigadora do Instituto Superior Técnico / CERis – Investigação e Inovação em Engenharia Civil para a Sustentabilidade