A rosa branca decapitada


Estou há um mês na Alemanha e só vi um dia bonito.


BERLIM – A memória é a minha comida e o meu veneno. Há sempre um momento, um nome, uma história. Ou há sempre um poema para todos os momentos da vida como me ensinou o meu pai, meu sábio, professor emérito da ternura. Vim de Munique, a cidade de Sophie Scholl, membro da Rosa Branca, movimento de resistência anti-nazi. Condenada à guilhotina por distribuir panfletos contra a guerra e contra Hitler, subiu ao cadafalso no dia 22 de Fevereiro de 1943. Antes de morrer, disse apenas. «Que pena, um dia tão bonito e eu tenho de partir». Estou há um mês na Alemanha e só vi um dia bonito. Todos os outros foram tristes como a decapitação de uma rosa branca. Houve tantas rosas na minha vida. No Olival e na Águeda da minha infância. Rosas de Santa Teresinha, as rosas da minha avó Manuela e da minha mãe que nasceu em Março, tempo delas. Hoje há tantos espinhos na minha vida. Espinhos da morte das rosas decapitadas. Em Berlim, o céu pesa de escuro. Cairá sobre mim em bátegas daqui a pouco quando tomar o caminho da Porta de Brandeburgo e de Unten den Linden (Sob as Tílias), a avenida mais famosa da cidade. Sentar-me-ei a ler um livro e a beber uma cerveja enquanto faço horas para o meu último dia na Alemanha. Recitarei para mim próprio o poema de Li Bai que é o poema deste momento da minha vida: «Bebo a sós/Nenhum amigo está por perto/Ergo o meu copo/Convido a lua/E a minha sombra/Agora somos três/Mas a lua não sabe beber/E a minha sombra só sabe imitar-me». Lembrança de todos vós, amigos meus. Irmãos que o sangue não me deu. «Für Ihre Gesundheit!» E até já.

A rosa branca decapitada


Estou há um mês na Alemanha e só vi um dia bonito.


BERLIM – A memória é a minha comida e o meu veneno. Há sempre um momento, um nome, uma história. Ou há sempre um poema para todos os momentos da vida como me ensinou o meu pai, meu sábio, professor emérito da ternura. Vim de Munique, a cidade de Sophie Scholl, membro da Rosa Branca, movimento de resistência anti-nazi. Condenada à guilhotina por distribuir panfletos contra a guerra e contra Hitler, subiu ao cadafalso no dia 22 de Fevereiro de 1943. Antes de morrer, disse apenas. «Que pena, um dia tão bonito e eu tenho de partir». Estou há um mês na Alemanha e só vi um dia bonito. Todos os outros foram tristes como a decapitação de uma rosa branca. Houve tantas rosas na minha vida. No Olival e na Águeda da minha infância. Rosas de Santa Teresinha, as rosas da minha avó Manuela e da minha mãe que nasceu em Março, tempo delas. Hoje há tantos espinhos na minha vida. Espinhos da morte das rosas decapitadas. Em Berlim, o céu pesa de escuro. Cairá sobre mim em bátegas daqui a pouco quando tomar o caminho da Porta de Brandeburgo e de Unten den Linden (Sob as Tílias), a avenida mais famosa da cidade. Sentar-me-ei a ler um livro e a beber uma cerveja enquanto faço horas para o meu último dia na Alemanha. Recitarei para mim próprio o poema de Li Bai que é o poema deste momento da minha vida: «Bebo a sós/Nenhum amigo está por perto/Ergo o meu copo/Convido a lua/E a minha sombra/Agora somos três/Mas a lua não sabe beber/E a minha sombra só sabe imitar-me». Lembrança de todos vós, amigos meus. Irmãos que o sangue não me deu. «Für Ihre Gesundheit!» E até já.