A Invencível Armada e o Rochedo de Gibraltar

A Invencível Armada e o Rochedo de Gibraltar


Espanha e Inglaterra defrontam-se este domingo em Berlim para decidir o campeão da Europa.


BERLIM – Gibraltar é mais do que um rochedo, é uma espinha cravada pela Inglaterra na garganta de Espanha. Foi cedido aos ingleses em 1713, no Tratado de Utrecht, que pôs fim à Guerra de Sucessão espanhola, onde se envolveu quase toda a Europa, e, desde aí, aporrinha os nossos vizinhos que só de ouvirem falar no penedo encarquilham as unhas. Já lá estive, por mais de uma vez, não tem um interesse por aí além, abunda de macacos irritantes, sempre prontos a deitar as patas a qualquer coisa que os fascine, mas possui uma importância estratégica invejável já que domina a entrada do Mediterrâneo. O meu querido amigo Pereira Ramos, escreveu uma vez, nestas mesmas páginas, com a sua prosa elegante como poucas, uma história maravilhosa que dá bem ideia da forma como do lado de lá da Mancha continuam a lidar com um problema que para eles não o é. Recebendo por parte da embaixada espanhola uma nota de desagrado por via de o barco real ter estacionado em Gibraltar na viagem de núpcias de Carlos e Diana (em Espanha estão convencidos de que o caso continua a ser dirimido diplomaticamente, pobres ingénuos), Sua Majestade Rainha Isabel, segunda do nome, tratou de enviar um telegrama ao governo de El Rey Juan Carlos: «O barco é meu, o filho é meu, o rochedo é meu e eu faço o que quiser». Vamos e venhamos, esta seleção de Southgate, que vi, com estes olhos que a terra há de comer, a falhar em Wembley uma grande penalidade que impediu a Inglaterra de chegar à final do Europeu que organizou em 1996, é um bocado rochosa. Até ao momento só tem tomado a iniciativa quando se vê a perder, o que não deixa de ser profundamente aborrecido, até para mim que nunca escondi a minha simpatia pela equipa dos Três Leões na camisola e a tenho seguido um pouco por todo o mundo. Na verdade, e depois de tantas exibições modestas, já estava conformado com o facto de, pela primeira vez desde esse distante Campeonato da Europa que teve lugar há nada menos de 28 anos, não ir ver ao vivo um jogo da Inglaterra em grandes competições. O Destino continua a marcar a hora como cantava o velho Tony de Matos. Se olharmos para o percurso dos ingleses até esta final, não ficamos boquiabertos e arfar de admiração. Uma vitória frente à Sérvia (1-0) e dois empates, face à Dinamarca (1-1) e à Eslovénia, na fase de grupos, golos retardatários nas eliminatórias, duas com prolongamento, 2-1 à Eslováquia, 1-1 e grandes penalidades com a Suíça, e um triunfo na meia-final de anteontem (2-1), muito de aflitos defronte da Holanda. Não é com este currículo que se assusta a triunfante Espanha de seis vitórias em seis jogos, sendo que dois deles deixaram pelo caminho favoritos como a Alemanha (só mesmo por jogar em casa) e a França. Mas, para quem atravessou 16 edições de Campeonatos da Europa de forma praticamente invisível, reconheça-se ao ‘boring Southgate’ a proeza de ir na sua segunda final consecutiva, depois da meia-final no Mundial de 2018, na Rússia.

A Invencível Armada

Os elogios vão-se esgotando para falar da seleção que mais categoria, mais talento e melhores jogadores apresentou neste Europeu. Do primeiro ao último dia, a passadeira tem-se estendido até à final de Berlim e toda a gente espera que o jogo de domingo seja o da consagração de um futebol alegre, divertido, que não se deixa amarrar por medos nem por espartilhos táticos. A Grande Armada de La Fuente tem a ambição da Grande y Felicíssima Armada que, sob o comando de Juan Alonso Pérez de Guzmán y Orozco, III Conde de Niebla, Duque de Medina Sidónia, e com ordens de Felipe II, Rei da União Dinástica Ibérica, que incluía Portugal, partiu de Lisboa com 130 barcos, 18 mil marinheiros e oito mil soldados para invadir a Grande Ilha para lá da Mancha. Felizes estes espanhóis de hoje, que apenas se têm de bater, sobre o relvado do Estádio Olímpico de Berlim, contra um pequeno e duro Gibraltar inglês de futebol de desperdício para os jogadores que possuí. Não, a Inglaterra não se invade assim por dá cá aquela palha! A História está aí para o provar. Mas aqui, na Alemanha, a Invencível Armada de Espanha não ambiciona tanto território. Sabe, como nenhuma outra equipa que por cá passou, as medidas do campo e como ocupar os seus espaços. Sabe libertar a imaginação dos seus artistas e dá-lhes a liberdade para nos encantarem com o magnífico talento que têm. Trocam a bola não com a ambição reduzida de o fazerem simplesmente porque sim, mas com o objetivo de ir avançando sobre os adversários como uma força conjunta que acaba por abafá-los até os deixar desesperados e sem força para se moverem em sentido contrário. Nada leva a crer que as coisas não mudem no domingo. Afinal obedecerão ambos os contendores à sua filosofia, atacando os do continente, defendendo-se os ilhéus. Se foi assim até aqui, o que nos pode levar a acreditar no oposto? Sentimos, cada um à sua maneira, que uma vitória espanhola fará justiça ao melhor e mais espetacular futebol do Euro 2024. Só que vivemos em redor de um jogo que se está nas tintas para a justiça. E sim, a Invencível Armada de Felipe foi destroçada na Batalha de Gravelines por aqueles que seguiam o corsário Francis Drake. E os seus marinheiros sujeitaram-se a viver durante meses perdidos no mar, manejando as velas rasgadas de navios fantasmas. Atenção! Por uma questão de sobrevivência, nunca se despreze a Inglaterra.