Berlim, tanta Berlim


De que gostam as mulheres de Berlim? Pergunta para a qual nem quero ter resposta. Uma nesga de sol desce devagar na tarde calma.


BERLIM – Berlim pode não ser o centro do mundo, mas anda lá perto. Tantos a cantaram, do agora saudoso Fausto – «Por esta noite adianteSe tu me pedes enfimHow many nights I prayed for this, to let my work beginDe início mancha tacteante e informe/Crescendo às sombras da manhã exangue/Logo o vereis se erguer, o Russo enorme/Sob um sol rubro como um punho em sangue./E ao seu avanço há de ruir a Porta/De Brandemburgo, e hão de calar os cães/E então hás de escutar, Cidade Morta/O silêncio das vozes alemãs».É tão cinzenta a Alemanha/E o Verão nunca mais vem». Esperar-me-á em Lisboa? O Verão, quero dizer. Ou em Alcácer. Ou na Barra. Preciso de sol, preciso das minhas sessões demoradas de helioterapia que combate as depressões e as tuberculoses, mas destas últimas nunca sofri. O tempo passou depressa na sua atrofia de espaço. Já quase um mês. Nem dei por ela neste meu incontrariável vício de escrever, de escrever sempre, de escrever tudo o que penso e o que vejo. Na parede da Alice Solomon Hochstchule, no bairro de Berlin-Hellersdorf, Eugene Gomirnger, poeta concreto, escreveu: «avenidas/avenidas e flores/flores/flores e mulheres/avenidas/avenidas e mulheres/avenidas e flores e mulheres e/um admirador». As mulheres de Berlim não gostaram. De que gostam as mulheres de Berlim? Pergunta para a qual nem quero ter resposta. Uma nesga de sol desce devagar na tarde calma. Volto ao Brecht que trago no bolso e sento-me na sua companhia. Ele também escreveu sobre as mulheres de Berlim no tempo em que já não se discutia a necessidade da violência porque a violência atirara todos por terra. «Noite./Os casais/Vão para a cama. As jovens/Mulheres parirão órfãos». É assim que me sinto. Órfão de pai porque, pai!, nunca serei capaz de suportar a tua falta.

Berlim, tanta Berlim


De que gostam as mulheres de Berlim? Pergunta para a qual nem quero ter resposta. Uma nesga de sol desce devagar na tarde calma.


BERLIM – Berlim pode não ser o centro do mundo, mas anda lá perto. Tantos a cantaram, do agora saudoso Fausto – «Por esta noite adianteSe tu me pedes enfimHow many nights I prayed for this, to let my work beginDe início mancha tacteante e informe/Crescendo às sombras da manhã exangue/Logo o vereis se erguer, o Russo enorme/Sob um sol rubro como um punho em sangue./E ao seu avanço há de ruir a Porta/De Brandemburgo, e hão de calar os cães/E então hás de escutar, Cidade Morta/O silêncio das vozes alemãs».É tão cinzenta a Alemanha/E o Verão nunca mais vem». Esperar-me-á em Lisboa? O Verão, quero dizer. Ou em Alcácer. Ou na Barra. Preciso de sol, preciso das minhas sessões demoradas de helioterapia que combate as depressões e as tuberculoses, mas destas últimas nunca sofri. O tempo passou depressa na sua atrofia de espaço. Já quase um mês. Nem dei por ela neste meu incontrariável vício de escrever, de escrever sempre, de escrever tudo o que penso e o que vejo. Na parede da Alice Solomon Hochstchule, no bairro de Berlin-Hellersdorf, Eugene Gomirnger, poeta concreto, escreveu: «avenidas/avenidas e flores/flores/flores e mulheres/avenidas/avenidas e mulheres/avenidas e flores e mulheres e/um admirador». As mulheres de Berlim não gostaram. De que gostam as mulheres de Berlim? Pergunta para a qual nem quero ter resposta. Uma nesga de sol desce devagar na tarde calma. Volto ao Brecht que trago no bolso e sento-me na sua companhia. Ele também escreveu sobre as mulheres de Berlim no tempo em que já não se discutia a necessidade da violência porque a violência atirara todos por terra. «Noite./Os casais/Vão para a cama. As jovens/Mulheres parirão órfãos». É assim que me sinto. Órfão de pai porque, pai!, nunca serei capaz de suportar a tua falta.