Jogadores de Xadrez


HAMBURGO – O  meu pai ensinou-me a jogar xadrez ainda eu era muito criança. Apaixonei-me pela solenidade das pedras e queria sempre ficar com as pretas que jogam a seguir. Fascinei-me pelos nomes dos campeões de outrora, por Raul Capablanca que disputava 30 simultâneas de olhos fechados, e pensava que dois cérebros iguais poderiam chegar…


HAMBURGO – O  meu pai ensinou-me a jogar xadrez ainda eu era muito criança. Apaixonei-me pela solenidade das pedras e queria sempre ficar com as pretas que jogam a seguir. Fascinei-me pelos nomes dos campeões de outrora, por Raul Capablanca que disputava 30 simultâneas de olhos fechados, e pensava que dois cérebros iguais poderiam chegar ao cúmulo da abstração de estarem frente a frente a jogar 30 partidas sem precisarem de tabuleiros. E por Alekine, o homem que morreu no Estoril, e que avisava o adversário que lhe iria dar xeque-mate mais de vinte lances antes de o dar realmente. Vivi com as sessenta e quatro casas na minha frente a final do Mundial de Reikjavik, quando Bobby Fisher derrotou Spassky à custa dos movimentos das negras. Soube, em tempos, entradas inteiras de cor e punha-as em prática nas rápidas que disputava com um ou dois colegas no liceu dos Viveiros, nos Olivais Sul da minha adolescência. Resolvia os problemas de Joaquim Durão sem recorrer às soluções nas páginas de anúncios e continuo a jogar xadrez comigo mesmo quando enfrento, sozinho como gosto de ser, estes momentos de trabalho longe de casa, longe dos filhos, do neto, da mãe, dos amigos que são os irmãos que nunca tive. Mexo peões e cavalos e bispos a cada linha que escrevo porque medito nelas e não me disperso por entre as defesas Nimzo-índias que são as rainhas do dia a dia por entre comboios e hotéis e cidades que surgem na minha frente a cada quilómetro percorrido. «E, enquanto lá por fora/Ou perto ou longe, a guerra e a pátria e a vida/Chamam por nós, deixemos/Que em vão nos chamem, cada um de nós/Sob as sombras amigas/Sonhando, ele os parceiros, e o xadrez/A sua indiferença», escreveu Ricardo Reis, o mestre de Pessoa. Vou ficando por esta Alemanha tão cinzenta até ao dia de caminhar para Berlim, talvez, como dizia Álvaro de Campos, cantando a cantiga do infinito numa capoeira.

Jogadores de Xadrez


HAMBURGO – O  meu pai ensinou-me a jogar xadrez ainda eu era muito criança. Apaixonei-me pela solenidade das pedras e queria sempre ficar com as pretas que jogam a seguir. Fascinei-me pelos nomes dos campeões de outrora, por Raul Capablanca que disputava 30 simultâneas de olhos fechados, e pensava que dois cérebros iguais poderiam chegar…


HAMBURGO – O  meu pai ensinou-me a jogar xadrez ainda eu era muito criança. Apaixonei-me pela solenidade das pedras e queria sempre ficar com as pretas que jogam a seguir. Fascinei-me pelos nomes dos campeões de outrora, por Raul Capablanca que disputava 30 simultâneas de olhos fechados, e pensava que dois cérebros iguais poderiam chegar ao cúmulo da abstração de estarem frente a frente a jogar 30 partidas sem precisarem de tabuleiros. E por Alekine, o homem que morreu no Estoril, e que avisava o adversário que lhe iria dar xeque-mate mais de vinte lances antes de o dar realmente. Vivi com as sessenta e quatro casas na minha frente a final do Mundial de Reikjavik, quando Bobby Fisher derrotou Spassky à custa dos movimentos das negras. Soube, em tempos, entradas inteiras de cor e punha-as em prática nas rápidas que disputava com um ou dois colegas no liceu dos Viveiros, nos Olivais Sul da minha adolescência. Resolvia os problemas de Joaquim Durão sem recorrer às soluções nas páginas de anúncios e continuo a jogar xadrez comigo mesmo quando enfrento, sozinho como gosto de ser, estes momentos de trabalho longe de casa, longe dos filhos, do neto, da mãe, dos amigos que são os irmãos que nunca tive. Mexo peões e cavalos e bispos a cada linha que escrevo porque medito nelas e não me disperso por entre as defesas Nimzo-índias que são as rainhas do dia a dia por entre comboios e hotéis e cidades que surgem na minha frente a cada quilómetro percorrido. «E, enquanto lá por fora/Ou perto ou longe, a guerra e a pátria e a vida/Chamam por nós, deixemos/Que em vão nos chamem, cada um de nós/Sob as sombras amigas/Sonhando, ele os parceiros, e o xadrez/A sua indiferença», escreveu Ricardo Reis, o mestre de Pessoa. Vou ficando por esta Alemanha tão cinzenta até ao dia de caminhar para Berlim, talvez, como dizia Álvaro de Campos, cantando a cantiga do infinito numa capoeira.