Recentemente, as notícias sobre a semana de quatro dias de trabalho têm dominado as manchetes de jornais, debates de ideias, moções de estratégia global de juventudes partidárias em Congressos Nacionais e, sobretudo, traz à tona da discussão pública uma ideia que parece revolucionar o mercado de trabalho.
Os resultados dos projetos-piloto realizados em Portugal são bastante animadores: Apresentam uma melhoria na saúde mental dos trabalhadores e nenhuma perda significativa para as empresas. Mas será que estamos prontos para assumir plenamente esta mudança?
A discussão em torno da semana de quatro dias não é nova. Desde o século XVIII, pensadores como Benjamin Franklin e, mais tarde, Karl Marx e John Maynard Keynes, já sugeriam uma redução das horas de trabalho. Desde logo, convém ver, este debate (felizmente) não tem pendor ideológico e não se apresenta como uma bandeira política de direita ou de esquerda.
A pandemia de COVID-19 e os avanços tecnológicos reacenderam este debate, mostrando que talvez seja possível conciliar eficiência e qualidade de vida.
Os dados mais recentes são claros: a exaustão e o stress dos trabalhadores diminuíram significativamente, enquanto a produtividade se manteve estável. Rita Fontinha, investigadora e cocoordenadora do estudo português, afirmou que as empresas conseguiram manter os lucros, apesar da redução nas horas de trabalho. Politicamente, ouvimos ontem na Assembleia da República, o Governo dizer que até se pode colocar em debate esta questão sem sequer haver redução de horas de trabalho. Em muitos casos, o que fica no estudo porém, é que as empresas adotaram medidas organizacionais, como a redução do número e duração de reuniões, o que contribuiu para manter a produtividade.
Em Portugal, 41 empresas participaram no projeto-piloto, abrangendo mais de mil trabalhadores. Os resultados mostraram que 95% das empresas avaliaram positivamente a experiência, e mais de 80% decidiram manter o modelo de quatro dias após o teste. Além disso, entre os trabalhadores, 85% só aceitariam um emprego com uma semana de cinco dias se houvesse um aumento salarial de pelo menos 20%.
A investigação indica que a redução de um dia de trabalho durante a semana é mais vantajosa para as mulheres e para quem tem menos qualificações e salários mais baixos. Surpreendentemente, os benefícios da semana de quatro dias não foram exclusivos para uma elite com mais acesso a trabalho flexível, mas também para aqueles que têm um trabalho mais presencial e menos autonomia.
Além disso, os índices de ansiedade caíram em 21%, a fadiga recuou em 23%, os problemas de sono diminuíram em 19%, e os estados depressivos desceram 21%. A melhoria da saúde mental foi evidente, com uma redução significativa dos sintomas negativos.
Internacionalmente, a Dinamarca e a Estónia têm explorado modelos de trabalho mais flexíveis há anos. Na Dinamarca, a implementação de semanas de trabalho mais curtas em algumas indústrias resultou em trabalhadores mais satisfeitos e empresas que continuaram a prosperar. Na Estónia, o foco na tecnologia e inovação permitiu uma transição mais suave para horários de trabalho reduzidos sem perda de produtividade.
A mudança para uma semana de quatro dias não é algo que possa ser implementado da noite para o dia. O relatório sugere um período de pelo menos 10 anos para a adoção completa desta mudança. A introdução de incentivos fiscais e a adaptação das leis laborais são recomendadas para facilitar esta transição.
Para além dessa década de transição, o estudo não refere e a política não debate, mas temos de assumir a consciência que não é possível uma aplicação uniformizada em função de várias situações laborais que exigem presença física como profissionais de saúde, sendo que, a telemedicina e as consultas por via remota poderiam desmistificar esta exceção.
Críticos, como Rafael Campos Pereira da Confederação Empresarial de Portugal (CIP), argumentam que os resultados dos projetos-piloto não são representativos da economia nacional, especialmente em setores como a indústria e construção civil. Ele defende que a prioridade deve ser reforçar a produtividade das empresas antes de se comprometerem com uma semana de quatro dias.
No entanto, exemplos bem-sucedidos de outros países mostram que é possível. Na Islândia, quase 90% da população ativa já trabalha menos horas semanalmente sem redução de salário, com resultados positivos tanto para os trabalhadores quanto para as empresas. Este sucesso deve-se, em grande parte, à flexibilidade e adaptação das empresas às novas realidades laborais.
Se implementada corretamente, a semana de quatro dias pode ser a chave para um futuro mais equilibrado e sustentável no mercado de trabalho. A diminuição do stress, a melhoria da saúde mental e o aumento do tempo de qualidade com a família são benefícios que não podem ser ignorados.
Estamos num ponto de viragem.
Acompanhando de perto os resultados dos projetos-piloto e as experiências internacionais, é possível que a semana de quatro dias se torne uma realidade mais cedo do que imaginamos. No entanto, é essencial que esta transição seja feita de forma ponderada e adaptada às especificidades de cada setor, para garantir que tanto trabalhadores quanto empresas possam beneficiar plenamente desta nova abordagem ao trabalho.
Como eu, somos muitos (e com tendência a crescer em número) aqueles que são favoráveis à adoção deste tipo de medidas que privilegiam a saúde mental e o nosso tempo. Sim, o nosso tempo para viver, para a vida social, para a família, para os amigos e para nós. Acredito que não nascemos para trabalhar só, mas também para viver e que essa vida que vivemos é que nos dá a criatividade e capacidade para ser diferenciadores na vida laboral. O equilíbrio melhor e mais saudável, entre o trabalho e a vida pessoal, que é algo que todos merecemos, poderá dar um passo significativo com mais estudos e aplicação de novas metodologias de trabalho.