A involução francesa e o fim da V República


A Constituição de 1958 deu forma jurídica ao desejo gaullista de poder: a eleição seria um encontro entre um homem (de Gaulle) e o seu povo.


Por essa razão, a seguir à escolha do Presidente por via eleitoral, são convocadas de imediato de imediato as eleições legislativas para que o eleito possa escolher a sua maioria parlamentar. O sistema, complementado pela via referendária controlada pelo Presidente, funcionou plenamente até que de Gaulle perdeu um referendo e se retirou das lides políticas activas. Os sucessores conheceram as intimidades da co-habitação com maiorias parlamentares hostis: Mitterrand com Chirac (1986-88), Mitterrand com Balladur (1993-95) e Chirac com Jospin (1997-2002). Condição necessária para a co-habitação foi o aparecimento da bipolarização, em 1962, e o regresso dos partidos políticos, entidades indesejáveis aos olhos gaullistas e de má memória nas III e IV Repúblicas.

O desamor gaullista pelos partidos políticos está presente na fórmula original do “não-partido” (Rassemblement pour la République) e nas suas variações contemporâneas, à direita (o Rassemblement National, herdeiro de uma fórmula nominalmente não partidária, o Front National), ao centro (Ensemble pour la République, a fórmula macronista de albergue francês que sucedeu ao extraordinário En marche) e, como penso rápido contra a fragmentação da esquerda, o Front Populaire que acolhe socialistas, comunistas, verdes e franceses insubmissos.

O sistema eleitoral não é imposto pela Constituição e copia o empregue para a escolha do Presidente: maioritário a duas voltas. Durante muitos anos serviu para deixar o Front National desproporcionalmente reduzido na representação paramentar. Agora que o Rassemblement National é o mais votado na esmagadora maioria dos círculos eleitorais, amealhando mais de 35% das intenções de voto, seria necessário que na segunda volta das eleições, a 7 de Julho, os restantes partidos se coligassem formalmente ou, no mínimo, recomendassem o voto no segundo classificado da primeira volta. Tal não acontecerá e das eleições sairá uma maioria não absoluta do RN que terá enormes dificuldades em fazer aprovar uma agenda legislativa própria.

Macron poderá tentar ser um gaullista coerente e demitir-se, assumindo que uma co-habitação, se não assente numa maioria absoluta, é, à luz da Constituição de 1958, contra natura. Novas eleições presidenciais poderão abrir a porta do Eliseu a Marine Le Pen e ao regresso às tradições da V República: a Presidente recém eleita convocará eleições legislativas e obterá uma maioria parlamentar.

Em alternativa, Macron poderá nomear um Primeiro Ministro apoiado pelo Front Populaire (que não tem um candidato a Primeiro Ministro embora todos os líderes da coligação, com excepção do próprio, recusem o insubmisso Mélenchon) e tolerado pelo centro direita. Seria a quarta co-habitação durante a V República mas terá contra ela uma maioria simples da Assembleia Nacional que se sentirá defraudada. E os votantes do RN poderão sentir-se tentados, mos gallicus, a trazer a luta política para a rua onde os esperarão estrangeiros, migrantes e franceses naturalizados em manifestações de protesto contra a agenda anti-emigração do RN. Como quase todos os partidos e coligações prometeram generalizadas descidas de impostos e da idade da reforma e subsidiação de consumos (combustíveis, electricidade), a rua já deverá estar ocupada pelos trabalhadores em greve.

Na versão musical o programa eleitoral do Front Populaire anuncia “des lendemains qui se remettent à chanter”. Será uma guerra civil cantada.

A involução francesa e o fim da V República


A Constituição de 1958 deu forma jurídica ao desejo gaullista de poder: a eleição seria um encontro entre um homem (de Gaulle) e o seu povo.


Por essa razão, a seguir à escolha do Presidente por via eleitoral, são convocadas de imediato de imediato as eleições legislativas para que o eleito possa escolher a sua maioria parlamentar. O sistema, complementado pela via referendária controlada pelo Presidente, funcionou plenamente até que de Gaulle perdeu um referendo e se retirou das lides políticas activas. Os sucessores conheceram as intimidades da co-habitação com maiorias parlamentares hostis: Mitterrand com Chirac (1986-88), Mitterrand com Balladur (1993-95) e Chirac com Jospin (1997-2002). Condição necessária para a co-habitação foi o aparecimento da bipolarização, em 1962, e o regresso dos partidos políticos, entidades indesejáveis aos olhos gaullistas e de má memória nas III e IV Repúblicas.

O desamor gaullista pelos partidos políticos está presente na fórmula original do “não-partido” (Rassemblement pour la République) e nas suas variações contemporâneas, à direita (o Rassemblement National, herdeiro de uma fórmula nominalmente não partidária, o Front National), ao centro (Ensemble pour la République, a fórmula macronista de albergue francês que sucedeu ao extraordinário En marche) e, como penso rápido contra a fragmentação da esquerda, o Front Populaire que acolhe socialistas, comunistas, verdes e franceses insubmissos.

O sistema eleitoral não é imposto pela Constituição e copia o empregue para a escolha do Presidente: maioritário a duas voltas. Durante muitos anos serviu para deixar o Front National desproporcionalmente reduzido na representação paramentar. Agora que o Rassemblement National é o mais votado na esmagadora maioria dos círculos eleitorais, amealhando mais de 35% das intenções de voto, seria necessário que na segunda volta das eleições, a 7 de Julho, os restantes partidos se coligassem formalmente ou, no mínimo, recomendassem o voto no segundo classificado da primeira volta. Tal não acontecerá e das eleições sairá uma maioria não absoluta do RN que terá enormes dificuldades em fazer aprovar uma agenda legislativa própria.

Macron poderá tentar ser um gaullista coerente e demitir-se, assumindo que uma co-habitação, se não assente numa maioria absoluta, é, à luz da Constituição de 1958, contra natura. Novas eleições presidenciais poderão abrir a porta do Eliseu a Marine Le Pen e ao regresso às tradições da V República: a Presidente recém eleita convocará eleições legislativas e obterá uma maioria parlamentar.

Em alternativa, Macron poderá nomear um Primeiro Ministro apoiado pelo Front Populaire (que não tem um candidato a Primeiro Ministro embora todos os líderes da coligação, com excepção do próprio, recusem o insubmisso Mélenchon) e tolerado pelo centro direita. Seria a quarta co-habitação durante a V República mas terá contra ela uma maioria simples da Assembleia Nacional que se sentirá defraudada. E os votantes do RN poderão sentir-se tentados, mos gallicus, a trazer a luta política para a rua onde os esperarão estrangeiros, migrantes e franceses naturalizados em manifestações de protesto contra a agenda anti-emigração do RN. Como quase todos os partidos e coligações prometeram generalizadas descidas de impostos e da idade da reforma e subsidiação de consumos (combustíveis, electricidade), a rua já deverá estar ocupada pelos trabalhadores em greve.

Na versão musical o programa eleitoral do Front Populaire anuncia “des lendemains qui se remettent à chanter”. Será uma guerra civil cantada.