Giorgia on her mind


A falta de atenção ao detalhe põe fim a muitas ilusões políticas. A falta de atenção ao óbvio põe em causa a essência da política: a capacidade de encontrar soluções pactuadas para problemas comuns.


Aqui por Xelas há muito que as soluções políticas são procuradas à mesa. No Justus Lipsius nunca se comeu bem e, definitivamente, já se bebeu melhor. A Presidência de turno não tem tradição de produção enológica ainda que se anuncie, fruto das alterações climáticas, a produção vitivinícola na capital. Na segunda-feira os chefes de Estado e de Governo da União Europeia jantaram juliana (ou, com discriminação de género, escamudo, aliás paloco), um gadídeo (Pollachius pollachius na classificação de Lineu) mas que nenhum português de bem confundiria com o bacalhau, com legumes grelhados por acompanhamento. Também por esta razão a liderança não concluiu o acordo sobre as chaises musicales na UE.

A reunião sucedeu a duas outras, a do G7, em Borgo Egnazia e a de tutti quanti, sem Rússia nem China, quase sem África e com um baixo nível da representação do “sul global”, em Bürgenstock, anunciada pelos anfitriões suíços, na versão teutónica, como uma Conferência de Alto Nível, vendida pela incontinência dos marketeiros como “Cimeira para a Paz na Ucrânia”. Na Apúlia reuniram-se 7 ainda líderes e os Dupond et Dupont da UE (von der Leyen e Michel filho). Os líderes das 7 maiores economias incluíram um Primeiro Ministro britânico que não só irá perder as eleições no dia 4 de Julho como corre o sério risco de não ser eleito para o Parlamento; um Chanceler cujo partido teve o pior resultado eleitoral de sempre e foi ultrapassado pela AfD; um Presidente da República cujo “partido” teve menos de metade dos votos do Rassemblement National e que desaparecerá do parlamento já na primeira volta das eleições legislativas, a 30 de Junho; um Presidente em risco de perder as eleições de 5 de Novembro para o infréquentable predecessor; um Primeiro-Ministro em funções desde 2015 mas que nenhuma sondagem coloca a menos de 15% de uma maioria a ganhar pelo Partido Conservador do Canadá. À volta da mesa só se sentou uma líder com saúde política, vinda de vencer as eleições para o Parlamento Europeu, em que se candidatou, ainda que não vá assumir o mandato. La Meloni conseguiu, contra a vontade de Macron e de Biden, retirar a palavra aborto das 36 páginas do comunicado do G7, substituída por “saúde e direitos reprodutivos”, colocou no cartel o Papa, para pregar um sermão alertando para os perigos da inteligência artificial e, para aquilo que conta e que justifica a despesa, surgiu aos olhos dos seus concidadãos como uma igual aos grandes do mundo, um recorrente objectivo italiano que remonta à queda do império romano. Antes disso reduziu Salvini e a sua Lega à relativa insignificância, exibindo-o, e às suas virtudes, na montra do Governo. A Forza Italia sobrevive com grande dificuldade à morte de Berlusconi. Meloni amealha votos e simpatias, tem um discurso  sensato e estabeleceu uma relação directa com o cidadão comum. Numa próxima eleição estará em condições de dispensar as muletas da Lega e da Forza Italia.

Olhando para a correlação de forças no Conselho e no Parlamento Europeus percebe-se porque é que Giorgia está a tentar liderar descontentes que lhe são ideologicamente próximos (Hungria, República Checa, Croácia, Finlândia, Suécia, Eslováquia e, em breve, Holanda) contra o acordo entre os três grupos políticos tradicionais (PPE, socialistas e liberais). Não havendo um candidato italiano de direita a um qualquer cargo (Draghi vende-se como “técnico”), foi sugerido Enrico Letta, ex-PM de esquerda, para ocupar a Presidência do Conselho. A ideia não passou dos jornais italianos. Mas deixar de fora do acordo 8 Estados, correndo o risco real de ter com eles, já no dia 7 de Julho, a França, não é sensato. A variável de ajustamento poderia ter sido a NATO, cujo Secretário Geral será escolhido na Cimeira de Washington, de 9 a 11 de Julho. Meloni, contra a prática de Berlusconi, apoia Kiev contra Moscovo. Um italiano não beliscaria a política atlanticista agora que Orbán garantiu, por escrito, um direito de opt out em relação ao financiamento do apoio à Ucrânia. Mark Rutte, em campanha há dois anos para futuro SG, não continuará PM na Holanda e integra a família liberal, já contemplada com o cargo de Alta Representante da UE, ofertado a uma das postulantes a primeira SG da NATO.

Ao intervalo: “- Non sono contenta.”

Giorgia on her mind


A falta de atenção ao detalhe põe fim a muitas ilusões políticas. A falta de atenção ao óbvio põe em causa a essência da política: a capacidade de encontrar soluções pactuadas para problemas comuns.


Aqui por Xelas há muito que as soluções políticas são procuradas à mesa. No Justus Lipsius nunca se comeu bem e, definitivamente, já se bebeu melhor. A Presidência de turno não tem tradição de produção enológica ainda que se anuncie, fruto das alterações climáticas, a produção vitivinícola na capital. Na segunda-feira os chefes de Estado e de Governo da União Europeia jantaram juliana (ou, com discriminação de género, escamudo, aliás paloco), um gadídeo (Pollachius pollachius na classificação de Lineu) mas que nenhum português de bem confundiria com o bacalhau, com legumes grelhados por acompanhamento. Também por esta razão a liderança não concluiu o acordo sobre as chaises musicales na UE.

A reunião sucedeu a duas outras, a do G7, em Borgo Egnazia e a de tutti quanti, sem Rússia nem China, quase sem África e com um baixo nível da representação do “sul global”, em Bürgenstock, anunciada pelos anfitriões suíços, na versão teutónica, como uma Conferência de Alto Nível, vendida pela incontinência dos marketeiros como “Cimeira para a Paz na Ucrânia”. Na Apúlia reuniram-se 7 ainda líderes e os Dupond et Dupont da UE (von der Leyen e Michel filho). Os líderes das 7 maiores economias incluíram um Primeiro Ministro britânico que não só irá perder as eleições no dia 4 de Julho como corre o sério risco de não ser eleito para o Parlamento; um Chanceler cujo partido teve o pior resultado eleitoral de sempre e foi ultrapassado pela AfD; um Presidente da República cujo “partido” teve menos de metade dos votos do Rassemblement National e que desaparecerá do parlamento já na primeira volta das eleições legislativas, a 30 de Junho; um Presidente em risco de perder as eleições de 5 de Novembro para o infréquentable predecessor; um Primeiro-Ministro em funções desde 2015 mas que nenhuma sondagem coloca a menos de 15% de uma maioria a ganhar pelo Partido Conservador do Canadá. À volta da mesa só se sentou uma líder com saúde política, vinda de vencer as eleições para o Parlamento Europeu, em que se candidatou, ainda que não vá assumir o mandato. La Meloni conseguiu, contra a vontade de Macron e de Biden, retirar a palavra aborto das 36 páginas do comunicado do G7, substituída por “saúde e direitos reprodutivos”, colocou no cartel o Papa, para pregar um sermão alertando para os perigos da inteligência artificial e, para aquilo que conta e que justifica a despesa, surgiu aos olhos dos seus concidadãos como uma igual aos grandes do mundo, um recorrente objectivo italiano que remonta à queda do império romano. Antes disso reduziu Salvini e a sua Lega à relativa insignificância, exibindo-o, e às suas virtudes, na montra do Governo. A Forza Italia sobrevive com grande dificuldade à morte de Berlusconi. Meloni amealha votos e simpatias, tem um discurso  sensato e estabeleceu uma relação directa com o cidadão comum. Numa próxima eleição estará em condições de dispensar as muletas da Lega e da Forza Italia.

Olhando para a correlação de forças no Conselho e no Parlamento Europeus percebe-se porque é que Giorgia está a tentar liderar descontentes que lhe são ideologicamente próximos (Hungria, República Checa, Croácia, Finlândia, Suécia, Eslováquia e, em breve, Holanda) contra o acordo entre os três grupos políticos tradicionais (PPE, socialistas e liberais). Não havendo um candidato italiano de direita a um qualquer cargo (Draghi vende-se como “técnico”), foi sugerido Enrico Letta, ex-PM de esquerda, para ocupar a Presidência do Conselho. A ideia não passou dos jornais italianos. Mas deixar de fora do acordo 8 Estados, correndo o risco real de ter com eles, já no dia 7 de Julho, a França, não é sensato. A variável de ajustamento poderia ter sido a NATO, cujo Secretário Geral será escolhido na Cimeira de Washington, de 9 a 11 de Julho. Meloni, contra a prática de Berlusconi, apoia Kiev contra Moscovo. Um italiano não beliscaria a política atlanticista agora que Orbán garantiu, por escrito, um direito de opt out em relação ao financiamento do apoio à Ucrânia. Mark Rutte, em campanha há dois anos para futuro SG, não continuará PM na Holanda e integra a família liberal, já contemplada com o cargo de Alta Representante da UE, ofertado a uma das postulantes a primeira SG da NATO.

Ao intervalo: “- Non sono contenta.”