Sindicato da Construção denuncia ‘escravatura’

Sindicato da Construção denuncia ‘escravatura’


Nas visitas que faz às obras, Albano Ribeiro vê trabalhadores a fazerem ‘barracos debaixo das placas, onde comem e dormem no mesmo sítio’. Uma situação que considera ‘desumana’


Há imigrantes a trabalhar nas obras  em Portugal em condições desumanas. A denúncia é feita ao Nascer do SOL pelo presidente do sindicato do setor da Construção, que fala em «sofrimento e em escravatura contemporânea». Albano Ribeiro diz ainda que vai muitas vezes às obras e vê as condições em que estes trabalhadores se encontram. «Antigamente, havia casernas, mas, depois, até havia um refeitório; agora, a maioria dos trabalhadores fazem barracos debaixo das placas, onde comem e dormem. Tudo no mesmo sítio. Isto é desumano», declarou ao nosso jornal. 

O sindicalista afirma também que há muitas situações denunciadas ao sindicato verdadeiramente dramáticas. «Há casos em que temos de pagar a alimentação ou o transporte porque, simplesmente, os trabalhadores foram abandonados». E conespecifica que «estamos a falar de trabalhadores peruanos, venezuelanos, entre outros». Daí aplaudir as medidas que foram anunciadas pelo novo Governo que vão no sentido de restringir as regras de entrada em Portugal, apesar de reconhecer que o setor precisa atualmente de mais de 80 mil trabalhadores.

Albano Ribeiro defende que, ao contrário do que tem acontecido até agora, deve apostar-se na contratação de mão-de-obra qualificada, considerando que só assim será possível reduzir o número de acidentes a que se tem assistido na construção. «Somos dos melhores operários do mundo e isso é reconhecido em vários países do mundo. Em Portugal têm chegado trabalhadores sem qualificações e esses não fazem falta nenhuma. É preciso ter mão-de-obra qualificada para que as obras tenham qualidade e durabilidade», disse, acrescentando: «Dos 24 trabalhadores que morreram no ano passado em obras cerca de 95% morreram trabalham para patrões e não para empresários. Precisamos de empresários de pequena, média e grande dimensão, porque cumprem com o Estado e com os trabalhadores. Os outros não cumprem nem com o Estado, nem com os trabalhadores». 

De acordo com as contas do responsável, mais de 70% dos trabalhadores no setor são operários, isto é, serventes, e, como tal, não apresentam as qualificações necessárias. Se este cenário se mantiver, Albano Ribeiro afirma que as grandes obras que têm sido anunciadas, como o novo aeroporto, o TGV, a terceira ponte sobre o Tejo ou até mesmo a construção de 30 mil habitações por ano, não vão passar de uma «miragem».

Face a este cenário, Albano Ribeiro  vai pedir à ministra do Trabalho uma audiência com caráter de urgência para apresentar uma comissão tripartida – composta pela associação de empresários do setor, sindicato e Governo – para encontrar uma solução para a falta de mão-de-obra .

Ao Nascer do SOL, o presidente da Associação dos Industriais da Construção Civil e Obras Públicas (AICCOPN), Manuel Reis Campos, diz desconhecer estas situações vividas pelos trabalhadores do setor e lembra que as empresas deste mercado querem contratar, integrar e acolher a mão-de-obra estrangeira, «sem a qual não poderão desenvolver a sua atividade», lembrando que o setor carece de cerca de 80 mil trabalhadores e, como tal, defende que é necessário promover a formação profissional e a capacitação de cidadãos estrangeiros. «Pelo que se impõe uma atuação efetiva no sentido de apoiar as empresas para a formação e qualificação dos trabalhadores e para o seu acolhimento, bem como apostar na reorientação da formação profissional tirando partido dos centros de formação de excelência do setor, o CICCOPN e o CENFIC», argumenta.

Ao mesmo tempo, o responsável defende que é necessário «promover um matching entre a procura e a oferta de trabalho, já que não faz sentido coexistirem fenómenos como o desemprego e a falta de recursos humanos nas empresas ou de mão-de-obra estrangeira disponível que poderá e deverá ser preparada, qualificada e perfeitamente integrada no nosso país», assim como «reforçar com meios técnicos e humanos os postos consulares, de modo a ser dada uma resposta célere e eficiente às emissões de vistos, assim como o estabelecimento de procedimentos ágeis, que permitam de forma clara e desburocratizada, acolher a mão-de-obra estrangeira e atrair o talento que o país necessita».

Recorde-se que o Governo apertou o cerco à imigração, com Luís Montenegro a falar em portas «abertas», mas não «escancaradas». Com as novas regras, qualquer cidadão estrangeiro que queira vir para Portugal terá de apresentar um contrato de trabalho ou um documento que comprove a existência de uma promessa de trabalho em Portugal.  E os imigrantes que queiram trabalhar em Portugal vão ter de pedir nos consulados portugueses um visto específico para o efeito, caso contrário não vai ser possível regularizarem-se.

Ao nosso jornal, Manuel Reis Campos admite que o Plano de Ação para as Migrações, que foi apresentado pelo Governo e contempla 41 medidas, é na generalidade positivo, sendo que apenas uma das suas medidas foi objeto de um diploma legal que entrou de imediato em vigor e pôs fim ao procedimento de manifestação de interesse. «Esta medida foi justificada pelo Governo na ‘necessidade de sanação de entradas irregulares’, tendo sido usado como porta aberta e fonte de grande parte das pendências dos processos». Mas deixa um alerta: «Entendemos que o cerne do problema não está na manifestação de interesse, mas antes, na absoluta incapacidade demonstrada pelo Estado durante anos, inicialmente o SEF [Serviço de Estrangeiros e Fronteiras]  e posteriormente a AIMA [Agência para a Integração, Migrações e Asilo]  para agendar as entrevistas e analisar as condições para atribuição das autorizações de residência, pelo que, receamos que esta medida não venha a ter o efeito pretendido e que possa, até vir agravar o problema da falta de mão-de-obra».