Salgado vive com mesada da filha a quem doou 2,5M

Salgado vive com mesada da filha a quem doou 2,5M


A ‘doação’ vem de dinheiro desviado pelo banqueiro do GES, crime pelo qual já foi condenado.


Ricardo Salgado informou o tribunal que o condenou por corrupção do ex-ministro Manuel Pinho que vive atualmente do dinheiro que a sua filha, a residir na Suíça e casada com um banqueiro, lhe entrega para fazer face às despesas. São cerca de 40 mil euros por mês que Salgado e a mulher recebem agora todos os meses de Catarina Amon, a mesma filha que em 2013 recebeu uma «doação irrevogável» do pai, que ascendeu a 2,5 milhões de euros e que são parte de 10 milhões desviados do Grupo Espírito Santo.

No acórdão do caso EDP, do passado dia 6, os juízes do Tribunal de Lisboa que condenaram Pinho e Salgado, respetivamente, a 10 anos e a seis anos prisão, afirmam na parte relativa à avaliação social dos arguidos: «A esposa do arguido [Ricardo Salgado] refere que os encargos fixos mensais relativos às despesas pessoais e de saúde e de manutenção dos imóveis e viaturas são no montante aproximado de 40 mil euros. As pensões de reforma do casal são insuficientes para colmatar os referidos encargos, pelo que os mesmos são assegurados essencialmente por uma doação de 40 mil euros que a filha do casal faz mensalmente à mãe para a gestão da economia familiar». O casal declarou, em 2022, em sede de IRS, cerca de 91 mil euros de rendimentos. «Ainda que dependente do apoio económico da filha, o agregado de Ricardo Salgado mantém um estatuto económico elevado», acrescenta o acórdão.

Ora, em 2011, Ricardo Salgado conseguiu, com a colaboração de Henrique Granadeiro, antigo presidente da Portugal Telecom, apropriar-se indevidamente de 4 milhões de euros de fundos colocados nas contas da Enterprises Management Services. Segundo o relatório da Autoridade Tributária, liderada pelo inspetor Paulo Silva, que consta no processo Marquês, dessa empresa saíram cerca de 8 milhões para Granadeiro, dos quais depois foram 4 milhões para a Begolino, sociedade constituída em 2011, no Panamá, que tinha como titulares Maria João e a filha Catarina, mas sendo o último beneficiário Ricardo Salgado. A conta de Granadeiro estava no banco suíço Pictet e a conta da Begolino estava no também helvético Lombard Odier Group. Foi em novembro de 2011 que os 4 milhões de euros foram enviados pelo então homem forte da PT para a Begolino.

Dois anos depois, a 31 de julho de 2013, seriam transferidos da conta da Begolino para uma conta de Catarina Amon dois milhões de euros e, a 7 de agosto seguinte, mais 478.390 euros.

O caminho enviesado para ocultar o dinheiro assustou os próprios gestores do Lombard Odier, que pediram uma reunião de urgência com gestores independentes ao banco que aconselhavam os clientes. A situação da Begolino tornara-se uma dor de cabeça, pois deixava o banco demasiado exposto. Num e-mail de 31 de janeiro de 2013, a que o Nascer do SOL teve acesso, os gestores do Lombard Odier avisaram os outros que a mulher do banqueiro não pode justificar tais movimentos, por «ser apenas uma dona de casa e não ter profissão», e que as operações bancárias feitas na conta não correspondem também a Catarina Amon – sugerindo que se criasse uma conta apenas em nome da filha e não de uma sociedade.

Noutro documento, também apreendido durante a investigação, Ricardo Salgado explica que o dinheiro transferido para a filha fazia parte de uma ‘doação’: «Confirmo que efetuei uma doação irrevogável à minha filha, Catarina Amon, de EUR 2,5 milhões, da conta 510094 dos vossos livros». Este documento servia assim para justificar a passagem do património da Begolino para a titulada por Catarina num banco diferente. Os investigadores encontraram ainda outro documento, datado de 24 de junho de 2013, dirigido ao banco Lombard Odier, no qual era solicitado o encerramento da conta em causa, uma vez que o saldo final fora transferido para a conta de Catarina junto de um outro banco.

Estes factos fizeram parte do despacho de pronúncia que o juiz Ivo Rosa proferiu em relação a Salgado, por crimes de abuso de confiança. O juiz arquivou grande parte da acusação do MP, mas considerou suficientemente indiciados alguns crimes que mandou extrair e deram origem a quatro certidões – uma das quais contra Salgado, por apropriação ilegítima de 10 milhões de euros do GES.

O banqueiro foi entretanto julgado e condenado por esses factos.