“Complex” Urbanístico


Há ainda muitos aspetos a melhorar na lei do Simplex Urbanístico.


Decorridos os primeiros meses da entrada em vigor da legislação que procede à simplificação dos licenciamentos no âmbito do urbanismo, ordenamento do território e indústria (Decreto-lei n.º 10/2024, de 8 de Janeiro), este é o momento ideal para se fazer um primeiro balanço da implementação desta importante reforma.

A nova legislação tem por objetivo a simplificação da atividade administrativa através da eliminação de licenças, autorizações e atos administrativos, numa lógica de “licenciamento zero”. Em concreto, pretende-se simplificar e acelerar os procedimentos, umas vezes eliminando ou suavizando antigas exigências legais ou parâmetros de apreciação dos projetos, outras vezes eliminando a oportunidade legal de intervenção das entidades licenciadoras, principalmente das câmaras municipais, como sejam o alargamento das operações urbanísticas que passam a estar sujeitas a comunicação prévia ou mesmo isentas de controlo prévio.

Contudo, há uma mudança de paradigma que vale a pena sublinhar: a passagem do controlo das operações urbanísticas, pelos municípios, de uma fase anterior à respetiva execução (controlo prévio) para o momento da execução ou mesmo da conclusão (controlo concomitante e sucessivo).

Na prática, o Simplex Urbanístico pretende contribuir para simplificar, modernizar e inovar os serviços administrativos do Estado, resultando na redução de custos processuais e, principalmente, no aumento da celeridade dos tempos de licenciamento, o que pode ser uma grande ajuda para promover um maior acesso à habitação, que atualmente é um dos maiores problemas que o país enfrenta.

Das 26 medidas que integram o Simplex Urbanístico, existem algumas que se destacam pelo seu maior impacto e são mais relevantes para a maioria das intervenientes.

Em primeiro lugar, o Simplex Urbanístico vem eliminar a necessidade de obter licenças urbanísticas, substituindo muitas dessas licenças por comunicações prévias.

Por exemplo, um dos casos mais relevantes é que passam a estar isentas de licenciamento as obras que aumentam o número de pisos de um edifício, desde que a fachada não seja alterada.

A nova lógica de não sujeição a controlo prévio de muitas operações urbanísticas relevantes, não coloca em causa os poderes de fiscalização dos municípios para assegurar o cumprimento das normas legais e regulamentares aplicáveis aos projetos, que se mantêm intocadas. No entanto, parece evidente que o exercício dos poderes de controlo urbanístico numa fase pós-execução da obra poderá resultar em graves problemas de operacionalização, tendo em conta as alterações ocorridas também ao nível de títulos das operações urbanísticas e de autorização utilização.

Neste particular, e salvo melhor opinião, é expectável uma generalização de situações de alterações sem controlo aos projetos e execução de obras em desconformidade com os mesmos projetos, pois deixa de existir a fase de controlo da execução de obra consubstanciada na autorização de utilização, podendo culminar em obras executadas sem qualquer correspondência com os projetos submetidos em sede de comunicação prévia. Havendo deteção de alguma ilegalidade, incluindo nulidades por violação de normas dos instrumentos de gestão territorial aplicáveis, já será muito difícil fazer atuar de forma eficaz os poderes de fiscalização sucessiva dos municípios, nomeadamente através da reposição da legalidade.

Esperamos que sejam efetivamente criadas condições para que os municípios possam reforçar os seus poderes de fiscalização, não apenas através da contratação de serviços de fiscalização, mas, também, pela criação de procedimentos claros, transparentes e céleres.

Já as alterações referentes ao controlo urbanístico da utilização dos edifícios e suas frações, com a eliminação da autorização de utilização e dispensa do respetivo título para a celebração de transações imobiliárias, são também um tema de preocupação, naturalmente, não apenas do ponto de vista dos compradores, mas, também, do ponto de vista dos promotores imobiliários e do setor bancário.

Outra medida que poderá resultar em grande impacto é a que reforça a importância do chamado “deferimento tácito” nos processos camarários. Ou seja, as autarquias passam a ter um prazo que varia entre 120 a 200 dias para tomarem uma decisão quanto aos pedidos de licenciamento. Se o prazo for ultrapassado, o projeto avança, mesmo que o município não se tenha pronunciado.

Este novo enquadramento vai, seguramente, provocar uma grande mudança nas práticas correntes, mas o que se questiona é se os municípios conseguem adaptar-se num prazo tão curto e, para mais, com os recursos humanos disponíveis?

Por fim, destacam-se ainda mais duas medidas de grande relevo.

Está prevista a conclusão do chamado “Código da Construção”, que quer harmonizar os quase 2.000 regulamentos que existem na legislação portuguesa e aos quais acrescem os regulamentos municipais que se tornaram cada vez mais complexos nas últimas décadas. Estando previsto que o atual regime das edificações urbanas expire em 2026, é nesse ano que se antecipa que a construção habitacional no País passe a estar regida por um código único e sistematizado, semelhante ao código penal ou ao código da estrada.

De igual modo, até 2026, estipula-se que seja criada a Plataforma Eletrónica dos Procedimentos Urbanísticos que terá de ser utilizada, de forma obrigatória, pelos municípios.

Essas são mudanças que vão chegar nos próximos tempos e que pretendem simplificar muito a vida a quem trabalha no setor da construção e do imobiliário. Contudo, resulta evidente que estas mudanças vão implicar uma maior responsabilidade e risco para os promotores e técnicos (arquitetos e engenheiros) que os acompanham na elaboração e execução dos projetos urbanísticos.

Especialista em Habitação e coautor do livro “Políticas Locais de Habitação”

“Complex” Urbanístico


Há ainda muitos aspetos a melhorar na lei do Simplex Urbanístico.


Decorridos os primeiros meses da entrada em vigor da legislação que procede à simplificação dos licenciamentos no âmbito do urbanismo, ordenamento do território e indústria (Decreto-lei n.º 10/2024, de 8 de Janeiro), este é o momento ideal para se fazer um primeiro balanço da implementação desta importante reforma.

A nova legislação tem por objetivo a simplificação da atividade administrativa através da eliminação de licenças, autorizações e atos administrativos, numa lógica de “licenciamento zero”. Em concreto, pretende-se simplificar e acelerar os procedimentos, umas vezes eliminando ou suavizando antigas exigências legais ou parâmetros de apreciação dos projetos, outras vezes eliminando a oportunidade legal de intervenção das entidades licenciadoras, principalmente das câmaras municipais, como sejam o alargamento das operações urbanísticas que passam a estar sujeitas a comunicação prévia ou mesmo isentas de controlo prévio.

Contudo, há uma mudança de paradigma que vale a pena sublinhar: a passagem do controlo das operações urbanísticas, pelos municípios, de uma fase anterior à respetiva execução (controlo prévio) para o momento da execução ou mesmo da conclusão (controlo concomitante e sucessivo).

Na prática, o Simplex Urbanístico pretende contribuir para simplificar, modernizar e inovar os serviços administrativos do Estado, resultando na redução de custos processuais e, principalmente, no aumento da celeridade dos tempos de licenciamento, o que pode ser uma grande ajuda para promover um maior acesso à habitação, que atualmente é um dos maiores problemas que o país enfrenta.

Das 26 medidas que integram o Simplex Urbanístico, existem algumas que se destacam pelo seu maior impacto e são mais relevantes para a maioria das intervenientes.

Em primeiro lugar, o Simplex Urbanístico vem eliminar a necessidade de obter licenças urbanísticas, substituindo muitas dessas licenças por comunicações prévias.

Por exemplo, um dos casos mais relevantes é que passam a estar isentas de licenciamento as obras que aumentam o número de pisos de um edifício, desde que a fachada não seja alterada.

A nova lógica de não sujeição a controlo prévio de muitas operações urbanísticas relevantes, não coloca em causa os poderes de fiscalização dos municípios para assegurar o cumprimento das normas legais e regulamentares aplicáveis aos projetos, que se mantêm intocadas. No entanto, parece evidente que o exercício dos poderes de controlo urbanístico numa fase pós-execução da obra poderá resultar em graves problemas de operacionalização, tendo em conta as alterações ocorridas também ao nível de títulos das operações urbanísticas e de autorização utilização.

Neste particular, e salvo melhor opinião, é expectável uma generalização de situações de alterações sem controlo aos projetos e execução de obras em desconformidade com os mesmos projetos, pois deixa de existir a fase de controlo da execução de obra consubstanciada na autorização de utilização, podendo culminar em obras executadas sem qualquer correspondência com os projetos submetidos em sede de comunicação prévia. Havendo deteção de alguma ilegalidade, incluindo nulidades por violação de normas dos instrumentos de gestão territorial aplicáveis, já será muito difícil fazer atuar de forma eficaz os poderes de fiscalização sucessiva dos municípios, nomeadamente através da reposição da legalidade.

Esperamos que sejam efetivamente criadas condições para que os municípios possam reforçar os seus poderes de fiscalização, não apenas através da contratação de serviços de fiscalização, mas, também, pela criação de procedimentos claros, transparentes e céleres.

Já as alterações referentes ao controlo urbanístico da utilização dos edifícios e suas frações, com a eliminação da autorização de utilização e dispensa do respetivo título para a celebração de transações imobiliárias, são também um tema de preocupação, naturalmente, não apenas do ponto de vista dos compradores, mas, também, do ponto de vista dos promotores imobiliários e do setor bancário.

Outra medida que poderá resultar em grande impacto é a que reforça a importância do chamado “deferimento tácito” nos processos camarários. Ou seja, as autarquias passam a ter um prazo que varia entre 120 a 200 dias para tomarem uma decisão quanto aos pedidos de licenciamento. Se o prazo for ultrapassado, o projeto avança, mesmo que o município não se tenha pronunciado.

Este novo enquadramento vai, seguramente, provocar uma grande mudança nas práticas correntes, mas o que se questiona é se os municípios conseguem adaptar-se num prazo tão curto e, para mais, com os recursos humanos disponíveis?

Por fim, destacam-se ainda mais duas medidas de grande relevo.

Está prevista a conclusão do chamado “Código da Construção”, que quer harmonizar os quase 2.000 regulamentos que existem na legislação portuguesa e aos quais acrescem os regulamentos municipais que se tornaram cada vez mais complexos nas últimas décadas. Estando previsto que o atual regime das edificações urbanas expire em 2026, é nesse ano que se antecipa que a construção habitacional no País passe a estar regida por um código único e sistematizado, semelhante ao código penal ou ao código da estrada.

De igual modo, até 2026, estipula-se que seja criada a Plataforma Eletrónica dos Procedimentos Urbanísticos que terá de ser utilizada, de forma obrigatória, pelos municípios.

Essas são mudanças que vão chegar nos próximos tempos e que pretendem simplificar muito a vida a quem trabalha no setor da construção e do imobiliário. Contudo, resulta evidente que estas mudanças vão implicar uma maior responsabilidade e risco para os promotores e técnicos (arquitetos e engenheiros) que os acompanham na elaboração e execução dos projetos urbanísticos.

Especialista em Habitação e coautor do livro “Políticas Locais de Habitação”