Fernando Araújo dá respostas a ministra em artigo numa revista científica

Fernando Araújo dá respostas a ministra em artigo numa revista científica


Fernando Araújo não respondeu às perguntas de Ana Paula Martins no relatório que entregou no Ministério. Mas as suas respostas estão num artigo que assina na última edição da Frontiers.


A ministra Ana Paula Martins tinha pedido a Fernando Araújo, ex-diretor executivo do SNS, um relatório sobre a reforma em curso no sistema de saúde. Queria saber a análise SWOT, onde constassem os pontos fortes e fracos, as ameaças e oportunidades da reestruturação, nomeadamente da integração dos cuidados de saúde primários nas Unidades de Saúde Locais (ULS), quais os suportes técnicos, pareceres e evidências que sustentaram as decisões e muitas outras questões técnicas que acompanham a reforma. Mas, tal como o Nascer do SOL noticiou a semana passada, Fernando Araújo optou por enviar à ministra, num prazo recorde de 30 dias, uma compilação de informação legislativa, a nova estrutura do SNS, a lista das nomeações e até balanços e planos sobre eventos como a Jornada Mundial da Juventude ou o Mundial de Futebol de 2030. Deixando tudo o resto sem resposta.

No entanto, nessa mesma semana, em que foi chamado à Comissão Parlamentar de Saúde e em que se despediu da direção do SNS com este dossiê, foi publicado um artigo cientifico na revista internacional dedicada à investigação na área da saúde Frontiers, da autoria do ex-DE-SNS e de outros membros da Direção Executiva, onde algumas das questões enviadas pela ministra são respondidas. Assinam este artigo, com o título «A reforma do SNS 2024 português: transformação através da integração vertical», além de outros investigadores, o próprio Frenando Araújo e mais dois membros da DE-SNS, Francisco Goiana da Silva e Rita Moreira.

No artigo, em que «o(s) autor(es) declara(m) ter recebido apoio financeiro para a realização da pesquisa, autoria e/ou publicação deste artigo», como pode ler-se na publicação, são assumidos os riscos e as ameaças da reforma em curso.

Começando por escrever que, «de um modo geral, a integração vertical é uma via promissora para aumentar os cuidados centrados no doente centrados no doente, aumentando simultaneamente a eficiência e a eficácia sistémicas», os autores esclarecem que, «embora a integração dos cuidados de cuidados melhore os resultados e a qualidade da saúde, é necessário estar atento para mitigar potenciais ineficiências, especialmente quando não se promove o alinhamento estratégico». Depois de uma análise feita ao sistema de saúde de vários países que adotaram o mesmo modelo, os autores concluiram: «Há um risco de escalada de preços em vez de redução, especialmente em contextos em que a integração vertical reduz a competitividade ou quando estão envolvidos serviços e bens fora dos pagamentos agrupados».

Concretamente sobre o caso português, depois de um breve historial, os autores contam como se iniciou a reforma, que tem como objetivo «otimizar a capacidade de resposta dos serviços através da racionalização das estruturas organizacionais do SNS, apresentando assim um quadro organizacional claro e funcional». Garantem que as «fusões decorrentes da reforma foram abordadas através de um processo intensivo de integração das instituições, que envolveu 27 grupos de trabalho com reuniões semanais, conselhos de gestão hospitalar, conselhos clínicos e de saúde. Vários deles foram mais longe e criaram processos participativos com os trabalhadores da linha da frente para construir, de baixo para cima, o que cada ULS deve ser e a forma de se organizar».

Quanto ao novo modelo de financiamento, os ex-membros da DE-SNS referem que o facto de «poucos estudos identificarem áreas de melhoria nas ULS existentes» deve-se ao «modelo financeiro não ter considerado características sócio demográficas importantes, a distribuição das doenças nos diferentes grupos etários e as necessidades da população». Mas garantem que o novo sistema já aborda essa questão com um financiamento baseado «nas necessidades da população. Tudo isto ao mesmo tempo que promove a mitigação de episódios agudos episódios agudos evitáveis e hospitalizações associadas. Esta lógica valoriza a promoção da saúde, a prevenção da doença, o diagnóstico precoce, o tratamento atempado e a reabilitação adequada».

Quanto aos «desafios significativos» deste tipo de modelo, são destacadas «as crescentes necessidades de saúde da população e a resistência à mudança organizacional», assim como «a exigência de um processo paralelo de acompanhamento rigoroso». Assegurando que a DE-SNS «está a prestar um apoio próximo e a realizar reuniões com todos os dirigentes das instituições do SNS para partilhar os desafios atuais e as melhores práticas durante este processo de mudança».

Mas advertem que «a expansão do modelo ULS, mesmo que baseado numa avaliação cuidadosa dos prós e contras e de provas científicas internacionais, exige uma avaliação independente com vista à melhoria contínua da transformação em curso». Um processo que, segundo os autores, será conduzido por «uma universidade pública independente» que fará «a avaliação com dados de benchmarking, quantitativos e qualitativos».

Como conclusão, os investigadores e ex-membros da DE-SNS advertem: «A literatura carece de relatos de integração vertical tão alargada como a abordagem portuguesa do SNS». E avisam que, apesar de «as experiências parciais mostrarem efeitos positivos na eficiência, eficácia e resultados no domínio da saúde, é importante ter em conta os riscos inerentes ao modelo e assegurar um apoio adequado em termos de promoção da integração efetiva dos cuidados, que inclua a participação do governo e da sociedade».

Além disso, escrevem, há variáveis do «sistema e fatores de mercado que podem influenciar os resultados dos esforços de integração vertical». Estes incluem alterações na composição dos médicos ou das equipas de saúde, os planos de saúde dos doentes, os de consolidação do mercado, políticas de pagamento, tecnologia de saúde e práticas organizacionais».

Quanto aos «Pontos fortes» e «Pontos fracos», «Ameaças» e «Oportunidades», do novo modelo de Fernando Araújo, os autores publicam nesta revista aquilo que não foi enviado à ministra da Saúde. Como Pontos Fortes, elencam: «A criação de mecanismos de coordenação eficazes entre os vários níveis de cuidados; A proximidade da prestação; A integração da gestão dos cuidados de saúde primários e dos cuidados hospitalares, garantindo que os beneficiários do SNS tenham acesso equitativo aos cuidados mais adequados mais adequados em função das suas necessidades específicas; A aquisição de benefícios em saúde através da proximidade aos processos de decisão e da obtenção de uma maior autonomia; A priorizarão dos cuidados de saúde primários como pilar fundamental do sistema de saúde; Reforço das capacidades e da independência das instituições através de competências».

Os «Pontos Fracos» identificados são: «Insuficiente preparação das infraestruturas; Desafios na integração dos sistemas de informação; Potenciais constrangimentos financeiros, nomeadamente para os Centros Hospitalares Universitários no âmbito das ULS; O nível de participação dos municípios que apresenta assimetrias em função do seu alinhamento político; Possibilidade de insuficiência de recursos financeiros associados a incentivos ao desempenho centrados nos resultados e na criação de valor; Nível elevado de diversidade e complexidade, desviando-se do modelo atual de órgãos de administração e de controlo; O risco de incumprimento dos termos da delegação de competências nos órgãos de gestão locais; A potencial transferência de dívidas pendentes de entidades extintas que levaram à criação das ULS».

Quanto a «Oportunidades», estas vão desde o «Reforço das políticas de promoção da saúde e prevenção da doença» ao «Reforço dos cuidados primários na resposta de proximidade»; assim como a «maximização do acesso, qualidade e eficiência na gestão dos recursos» e a resposta «às crescentes exigências e expectativas dos cidadãos». Destacam ainda neste capítulo, a «Participação dos cidadãos, das comunidades, dos profissionais e das autarquias locais na definição, acompanhamento e avaliação das políticas de saúde; Aumento da eficiência e da eficácia; Reforço dos meios e recursos necessários; Maior autonomia de gestão; Estratificação da população por risco e Promoção da diferenciação, formação e investigação».

Como «Ameaças», são identificados o «aumento das necessidades de saúde e bem-estar» e envelhecimento da população; «Carga de doença; Cultura organizacional instalada; Falta de colaboração municipal; O sistema hospital cêntrico instalado na perceção dos cidadãos, responsável pelo acesso não urgente aos serviços de urgência; Coordenação entre equipas de profissionais de saúde e Transferência de trabalhadores e profissionais de saúde».

Este artigo foi publicado a 23 de maio, dia seguinte à entrega aparatosa do relatório pedido por Ana Paula Martins no Ministério da Saúde, onde a ministra não estava.

É salvaguardado no final do artigo que os «autores declaram que a investigação foi efetuada na ausência de quaisquer relações comerciais ou financeiras que possam ser que possam ser interpretadas como um potencial conflito de interesses».