Novos feirantes, novo carrossel de nomeações


Os partidos do arco do poder gostam da arbitrariedade que a quase ausência de regras lhe permite e até mesmo do esgrimir de poder e de indignação na praça pública.


Se na vida privada a galinha do vizinho é sempre melhor que a minha, na vida pública, os anteriores ou os outros são sempre piores que nós. Se a galinha ainda pode depender da personalidade de cada um, do maior ou menor apego aos valores materiais e à autoestima, no espaço público é certo que a novo Governo, por melhores que sejam as intenções, há traços que são incontornáveis: a narrativa da herança negativa e a mudança de cadeiras em lugares apetecíveis para os partidos que o compõem ou para o desenvolvimento do seu programa político.

Os partidos do arco do poder gostam desse exercício, da arbitrariedade que a quase ausência de regras lhe permite e até mesmo do esgrimir de poder e de indignação na praça pública quando tudo se resolveria com regras claras sobre o que são e quais são os cargos de confiança política na administração pública ou nas estruturas do Estado. Mas não, em especial, PS e PSD preferem um ambiente empastelado, opaco e com margens de arbítrio, que tudo permite e tudo gera, até a construção de narrativas lesivas de mínimos de dignidade de quem se dispõe ao exercício de funções públicas e políticas. É certo que, criaram o simulacro de avaliação de mérito das opções pela Comissão de Recrutamento e Seleção para a Administração Pública (CReSAP), que mais não é do uma cortinas de fumo que serve para dar a ilusão de prevalência da meritocracia, do escrutínio e da validação de escolhas, quando as margens de manobra política se mantêm nas opções selecionadas em procedimentos concursais ou através das nomeações em regime de substituição que se perpetuam no tempo necessário para os objetivos pretendidos.

O debate em curso em torno da substituição, por vezes, a mata-cavalos, de dirigentes de organismos do Estado ou da sua órbita, como já aconteceu na Comissão Executiva do SNS, na PSP, na Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, na AIMA, no Instituto da Segurança Social, entre outros, só sublinha a importância de se debater e definir, de uma vez por todas, o que são cargos de confiança política e estabelecer um regime específico que sublinhe essa natureza. Os dirigentes em causa seriam nomeados pelo governo com base na confiança política, estando associado o juízo político da adequação para o cargo, os titulares deixariam de exercer funções quando mudasse o governo. Entravam com um governo, saíam automaticamente com a entrada de um novo governo, sem direito a compensações além das que lhes são devidas pela legislação laboral. Resolvia-se a necessidade de construírem circunstâncias ou narrativas para mudar dirigentes indicados por anteriores governos, que, nesse quadro de clareza, saíam pelo seu próprio pé com a queda do governo que os nomearam. Mas não, prefere-se este espetáculo de início de funções governativas de danceteria da mudança dos titulares das cadeiras que é mais um fator de degradação da confiança dos cidadãos no funcionamento do sistema democrático, na política e nos políticos.

O caso, recorrente, é tanto mais grave quando são reais e percecionadas as debilidades do funcionamento dos serviços públicos, alguns deles essenciais para a vida das pessoas e da sociedade, entregues a repelões de orientações políticas cada vez que mudam os serviços sem relevantes acréscimos de qualidade no que é prestado, como se os impulsos governativos fossem consumidos pela estrutura sem chegarem ao que deveria ser o epicentro de tudo: o cidadão.

O Estado e a administração pública não conseguiram construir em 50 anos de democracia um patamar de funcionamento sustentado que assegure patamares de resposta médios ou elevados, além dos governos de turnos ou das circunstâncias políticas. E se o fazem, é amiúde num registo de configuração por baixo, por mínimos, que ocorrem sempre, indiferentes às realidades envolventes, às chefias do momento ou às orientações governativas decorrentes dos programas eleitorais sufragados.

A miséria moral e política é tanto maior quando a ânsia da mudança de cadeiras evidencia que boa parte dos factos ou situações mobilizadas para o efeito pretendido estiveram ao longo do tempo à vista de todos sem que alguém tivesse tido um esboço de gestão, de oposição ou de fiscalização perante a realidade. Aliás, este é um padrão na sociedade portuguesa. A indiferença perante os sinais dá lugar a um sobressalto de indignação perante as consequências das ações passadas toleradas durante demasiado tempo. É assim com os esquemas de vendas de bilhetes de futebol e privilégios que suportavam uma vida muito acima dos rendimentos declarados como com boa parte das disfunções de serviços públicos e de pilares do Estado com impactos negativos nas dinâmicas quotidianas das pessoas, das empresas, das instituições e dos territórios. E, de vez em quando, há um ou outro sobressalto cívico, político e mediático, por vezes, até uma comoção nacional, para que depois tudo volte a ser o que era. É o que se espera com as danças dos titulares das cadeiras entendidas como sendo de confiança política por um governo sem maioria parlamentar suficiente para assegurar estabilidade e consequência política. Depois do ruído, nomeiam quem querem até ao próximo governo. Mais do mesmo. É mais do que tempo de definirem o que são e quais são os cargos de nomeação por confiança política na estrutura do Estado!

NOTAS FINAIS

A DISPUTA SOBRE A CAPACIDADE DE DECIDIR. O debate e as dinâmicas políticas têm subjacente uma acesa disputa entre a liderança do PS e da PSD em torno da capacidade de decisão. Espelho meu, Espelho meu, alguém decide melhor que eu? Problema: o do PSD não tem maioria suficiente para decidir de forma consequente, o do PS está na oposição com uma maioria de circunstância para impor soluções diferentes das pretendidas pelo governo. Qualquer uma das duas é inconsistente.

MADEIRA DE NOVO A VOTOS: VIRAR A PÁGINA OU MANTER O PÂNTANO. Os madeirenses e porto-santenses vão de novo a votos, já deve haver cansaço e ainda faltam as eleições de 9 de junho. Sinais atrás de sinais de disfunção democrática significarão um virar de página ou mais amanhãs de sobressalto cívico com os excessos dos instalados?

Novos feirantes, novo carrossel de nomeações


Os partidos do arco do poder gostam da arbitrariedade que a quase ausência de regras lhe permite e até mesmo do esgrimir de poder e de indignação na praça pública.


Se na vida privada a galinha do vizinho é sempre melhor que a minha, na vida pública, os anteriores ou os outros são sempre piores que nós. Se a galinha ainda pode depender da personalidade de cada um, do maior ou menor apego aos valores materiais e à autoestima, no espaço público é certo que a novo Governo, por melhores que sejam as intenções, há traços que são incontornáveis: a narrativa da herança negativa e a mudança de cadeiras em lugares apetecíveis para os partidos que o compõem ou para o desenvolvimento do seu programa político.

Os partidos do arco do poder gostam desse exercício, da arbitrariedade que a quase ausência de regras lhe permite e até mesmo do esgrimir de poder e de indignação na praça pública quando tudo se resolveria com regras claras sobre o que são e quais são os cargos de confiança política na administração pública ou nas estruturas do Estado. Mas não, em especial, PS e PSD preferem um ambiente empastelado, opaco e com margens de arbítrio, que tudo permite e tudo gera, até a construção de narrativas lesivas de mínimos de dignidade de quem se dispõe ao exercício de funções públicas e políticas. É certo que, criaram o simulacro de avaliação de mérito das opções pela Comissão de Recrutamento e Seleção para a Administração Pública (CReSAP), que mais não é do uma cortinas de fumo que serve para dar a ilusão de prevalência da meritocracia, do escrutínio e da validação de escolhas, quando as margens de manobra política se mantêm nas opções selecionadas em procedimentos concursais ou através das nomeações em regime de substituição que se perpetuam no tempo necessário para os objetivos pretendidos.

O debate em curso em torno da substituição, por vezes, a mata-cavalos, de dirigentes de organismos do Estado ou da sua órbita, como já aconteceu na Comissão Executiva do SNS, na PSP, na Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, na AIMA, no Instituto da Segurança Social, entre outros, só sublinha a importância de se debater e definir, de uma vez por todas, o que são cargos de confiança política e estabelecer um regime específico que sublinhe essa natureza. Os dirigentes em causa seriam nomeados pelo governo com base na confiança política, estando associado o juízo político da adequação para o cargo, os titulares deixariam de exercer funções quando mudasse o governo. Entravam com um governo, saíam automaticamente com a entrada de um novo governo, sem direito a compensações além das que lhes são devidas pela legislação laboral. Resolvia-se a necessidade de construírem circunstâncias ou narrativas para mudar dirigentes indicados por anteriores governos, que, nesse quadro de clareza, saíam pelo seu próprio pé com a queda do governo que os nomearam. Mas não, prefere-se este espetáculo de início de funções governativas de danceteria da mudança dos titulares das cadeiras que é mais um fator de degradação da confiança dos cidadãos no funcionamento do sistema democrático, na política e nos políticos.

O caso, recorrente, é tanto mais grave quando são reais e percecionadas as debilidades do funcionamento dos serviços públicos, alguns deles essenciais para a vida das pessoas e da sociedade, entregues a repelões de orientações políticas cada vez que mudam os serviços sem relevantes acréscimos de qualidade no que é prestado, como se os impulsos governativos fossem consumidos pela estrutura sem chegarem ao que deveria ser o epicentro de tudo: o cidadão.

O Estado e a administração pública não conseguiram construir em 50 anos de democracia um patamar de funcionamento sustentado que assegure patamares de resposta médios ou elevados, além dos governos de turnos ou das circunstâncias políticas. E se o fazem, é amiúde num registo de configuração por baixo, por mínimos, que ocorrem sempre, indiferentes às realidades envolventes, às chefias do momento ou às orientações governativas decorrentes dos programas eleitorais sufragados.

A miséria moral e política é tanto maior quando a ânsia da mudança de cadeiras evidencia que boa parte dos factos ou situações mobilizadas para o efeito pretendido estiveram ao longo do tempo à vista de todos sem que alguém tivesse tido um esboço de gestão, de oposição ou de fiscalização perante a realidade. Aliás, este é um padrão na sociedade portuguesa. A indiferença perante os sinais dá lugar a um sobressalto de indignação perante as consequências das ações passadas toleradas durante demasiado tempo. É assim com os esquemas de vendas de bilhetes de futebol e privilégios que suportavam uma vida muito acima dos rendimentos declarados como com boa parte das disfunções de serviços públicos e de pilares do Estado com impactos negativos nas dinâmicas quotidianas das pessoas, das empresas, das instituições e dos territórios. E, de vez em quando, há um ou outro sobressalto cívico, político e mediático, por vezes, até uma comoção nacional, para que depois tudo volte a ser o que era. É o que se espera com as danças dos titulares das cadeiras entendidas como sendo de confiança política por um governo sem maioria parlamentar suficiente para assegurar estabilidade e consequência política. Depois do ruído, nomeiam quem querem até ao próximo governo. Mais do mesmo. É mais do que tempo de definirem o que são e quais são os cargos de nomeação por confiança política na estrutura do Estado!

NOTAS FINAIS

A DISPUTA SOBRE A CAPACIDADE DE DECIDIR. O debate e as dinâmicas políticas têm subjacente uma acesa disputa entre a liderança do PS e da PSD em torno da capacidade de decisão. Espelho meu, Espelho meu, alguém decide melhor que eu? Problema: o do PSD não tem maioria suficiente para decidir de forma consequente, o do PS está na oposição com uma maioria de circunstância para impor soluções diferentes das pretendidas pelo governo. Qualquer uma das duas é inconsistente.

MADEIRA DE NOVO A VOTOS: VIRAR A PÁGINA OU MANTER O PÂNTANO. Os madeirenses e porto-santenses vão de novo a votos, já deve haver cansaço e ainda faltam as eleições de 9 de junho. Sinais atrás de sinais de disfunção democrática significarão um virar de página ou mais amanhãs de sobressalto cívico com os excessos dos instalados?