Gigi e os petiscos: “A simplicidade e a mão é que fazem a diferença”

Gigi e os petiscos: “A simplicidade e a mão é que fazem a diferença”


Há quase 40 anos que está ao leme do seu restaurante, apostando na simplicidade na confeção e na qualidade dos produtos. Mas Bernardo Reino é um verdadeiro apreciador de petiscos, tendo saudades dos que desaparecerem.


Quando se ouve o nome de Gigi, logo o pensamento, de quem o conhece, vai para carabineiros, lagostins, lavagantes ou lagostas. Mas Bernardo Reino, o Gigi, tem um longo historial de petisqueiro. “Considero-me um tasqueiro ibérico, detesto estas novas experiências, que respeito, mas não vou lá. No meu tempo era considerada uma cozinha de hotel. Sou fiel às raízes, sou um tasqueiro, não sou nenhum empresário de restauração, nem proprietário de restaurante, considero-me um tasqueiro lusitano, ibérico e talvez global. Porquê? Porque sou fanático da cozinha natural, não vale a pena inventar, nem estar a complicar uma cozinha que é simples. Gosto de coisas muito simplificadas: ovos, tomate e camarão”, começa por dizer.

 “Trabalhei na Baixa, nos anos 60, e era vidrado desde passarinhos fritos, que já desapareceram, até pipis, que eu julgava que era qualquer coisa relacionada com roupa. Os pipis não são mais do que miúdos de frango, o fígado, o pescoço e as moelas”, adianta no seu estilo brincalhão. “Mas o primeiro petisco de que me lembro eram as iscas, da Rua das Portas de Santo Antão, os pipis, e os passarinhos na Rua da Conceição, nunca mais me esqueço. Há passarinhos, era o cartaz”.

Para se perceber um pouco de como tudo mudou, Gigi dá um exemplo concreto: “Uma vez fui ao El Bulli e um dos pratos era orelha de coelho e pés de galinha, já desossados. A cozinha está toda inventada…”.

Gigi sempre falou de Maria de Lourdes Modesto, de José Quitério ou do seu amigo Vila – agora gosta especialmente das receitas de Francisco José Viegas publicadas às sextas-feiras no CM. E o que têm estas personagens em comum: a simplicidade. “Os petiscos não têm segredo. É só a simplicidade”, acrescenta. “O livro do Vila é engraçado. As receitas fazem-me lembrar as comidas portuguesas de tascas, nada de complicar. Talvez tenha sido o maior petisqueiro português e que me influenciou, embora agora não goste da palavra influenciador. O que ele servia no restaurante? Canja de conquilhas, o polvo no forno, a sopa de rabo de boi com grão, as batatas cozidas com orégãos e alhos. O Vila era a simplicidade.”.

Viagem à volta do mundo

Bernardo Reino, cuja profissão era ligada aos seguros, deixou os papéis para trás e mergulhou nos pratos. Teve várias experiências, no Brasil ou na Tailândia, por exemplo, mas insiste sempre na mesma palavra: simplicidade. E foi assim que na Tailândia adaptou o seu molho aos camarões tigre rosa do país, fazendo um sucesso no Amapuri ou no Amampulo, nas Filipinas. “Azeite, alho, limão, mais uns pirlimpimpins, e estava tudo certo. Não vale a pena comprar dez frascos de especiarias se apenas uma interessa. Se as usas todas a comida fica uma treta”.

Receitas nacionais

Entremos então nas iguarias tão apreciadas do seu restaurante e vamos ‘picando’ o entrevistado. Qual o segredo das amêijoas? “É só respeitar o que fazem os pescadores há muitos anos: um bocado de azeite, alho inteiro, e nada de vinho branco. Essa treta que inventaram do vinho branco só serve para emborrachar as amêijoas”.

E os carabineiros? “Eu talvez tenha posto duas coisas no mapa, a Gigi Bolas, sangria de espumante, e os carabineiros, que, por acaso, até foram um recurso. A anedota é essa. Comecei a usar carabineiros porque o camarão rosa do Algarve faltou. Antigamente comia-se carabineiros à la plancha, trazidos pelos galegos, mas há 40 anos poucas pessoas ligavam aos carabineiros. Por ter acabado o camarão rosa do Algarve, o listado, tive que ir à procura de um camarão alternativo, isto em 1986. É engraçado recordar que o meu primeiro contacto com os camarões do Algarve foi no Dom Pepe, na Parede, Cascais. Havia os camarões da Quarteira, isto nos anos 68/69 e o camarão rosa. Hoje em dia chamam-lhe o alistado. Com a cabeça cheia de corais. Por volta dos finais dos anos 80, quase 90, esse camarão começou a rarear, e como alternativa, já com os meus fornecedores, tive de encontrar um camarão de recurso. Em Huelva tinha o carabineiro e foram lá buscá-lo. O molho é: manteiga, limão, e mais uns pós pirlimpimpim, como diz o outro. A partir de 90/91 as pessoas tomaram-lhe o gosto. Depois entraram os ingleses que inflacionaram o produto, e agora os chamados chefes que acharam piada ao carabineiro, talvez pela cor, e levaram-no, entre aspas, para os Emirates, para os Dubais da vida. Dessa forma inflacionaram muito o preço dos carabineiros. Nos anos 90 havia pessoas que achavam os carabineiros very expensive. Imagina, na altura que o carabineiro estava a 40 euros e agora está quase a 200 euros o quilo. Em alguns supermercados está a 160”.

Tomatadas na sua época

Gigi, diariamente, faz vídeos para os amigos mostrando o seu pequeno-almoço e, já no restaurante, o seu almoço. Como estamos na altura do tomate, as tomatadas são uma constante: “É nesta altura que o tomate está bom. No inverno não faço tantas tomatadas, apesar de hoje em dia o tomate de lata permitir fazer uma tomatada, embora não seja a mesma coisa, fica logo mais escuro”. Por isso, no seu restaurante é frequente ver mexilhão de tomatada, ou ovos de tomatada com gambas. Mas não prescinde de ovos mexidos, ou estrelados em banha no seu pequeno-almoço.

Continuemos nas iguarias do seu restaurante, falando agora da salada de peixe. O que leva? “Maionese, pimenta, limão. O segredo é ser da parte das cabeças, que é a mais saborosa do peixe. Ou das badanas”. E maionese é caseira? “Não, porque hoje em dia há maioneses muito boas e não se corre o risco de algum percalço. Claro que a mão de quem faz a salada conta muito. Há pessoas que gostam com mais pimenta, outras com menos. O mais importante em tudo: a qualidade do produto, a mão de quem faz, e a simplicidade. É preciso não complicar o simples”.

A zona onde é tasqueiro também ajuda: “Os clientes gostam de valorizar o que temos de melhor. Tenho a sorte do Algarve ser uma terra de tomates, de batatas, do peixe e do marisco não preciso de falar. Tem dos melhores produtos da bacia mediterrânica. Considero o Algarve o último paraíso na Terra, tirando o mês de agosto”.

Fogo lento

Outro dos segredos de um bom cozinhado diz respeito ao tempo. “Sou fanático de fogo lento, não me convidem para lumes altos. É preciso dar tempo ao tempo. Um petisco que demora cinco minutos fica melhor em sete ou em oito”. E sobre as modernices com produtos conhecidos? Responde o tasqueiro ibérico: “Qual a razão para se fazerem gambas floreadas e vaporizadas em vapor de trufa? Qual o interesse disso? É armar ao pingarelho. Os petiscos com nomes muito compridos deve ser para impressionar”.

Além da simplicidade, da qualidade dos produtos e da mão de quem os confeciona, haverá outro segredo? Gigi diz que não, mas não convém adicionar produtos que ‘abafem’ os principais. “Perguntas-me se uso louro. O louro em petiscos é como dizia um célebre barmen: Nunca ponha tangerinas numa salada de frutas ou anis num cocktail. O louro na comida só sabe a louro, a tangerina só sabe a tangerina e o anis no cocktail só sabe a anis. Não é bem assim, até porque as tangerinas já não sabem como antigamente, mas é quase”, diz enquanto se ri.

Mas o que mudou na cozinha portuguesa, além da dos chefes? “O que melhorou em Portugal foi a apresentação. Antigamente pedíamos um cozido à portuguesa e levávamos com uma montanha fumegante. As travessas de inox com uma montanha de cozido e o dedo dentro do prato da sopa. Hoje em dia há uma apresentação mais cuidada. A sopa não vai a bordejar por fora, é mais bem apresentada. Antigamente havia muito a filosofia de enfarta brutos. Hoje em dia já se põe uma travessa maior para o molho não cair…”.

Nos vídeos que faz, Gigi não se cansa de ‘gabar’ os pastéis de bacalhau que come numa tasca quando vai a Lisboa, os croquetes, entre outras iguarias. “Já não existem as bifanas nas frigideiras. Respeito quem gosta das francesinhas, mas tem produtos a mais, tenho saudades de iscas no pão, dos petiscos das tascas de Lisboa, os carapaus fritos – talvez os espanhóis tenham mantido mais o tapear –, adorava peixe frito frio, filetes de bacalhau… Moelas, quando não há mais nada, também como. Como já não há passarinhos fritos nas Portas de S. Antão, às vezes fico-me por uma sandes de ovo mexido”.

No restaurante, para o seu almoço, tem apostado muito em massadas de peixe, com hortaliças, amêijoas, além das anchovas ou de cavalas. Mas, noutros dias, não dispensa lagostins, percebes ou berbigão. É um verdadeiro tasqueiro ibérico no que as sabores diz respeito.