Como deslegitimar a Democracia e o Estado de Direito e, sem dar conta, ajudar os seus inimigos jurados


O que, em muitos casos, se quer pôr em xeque é, não tanto, a indevida forma como A, B ou C levam a cabo a atividade pública que lhes compete exercer devidamente, mas o enquadramento que a Constituição prescreve sobre tal função e o que fundamenta, em termos jurídicos nacionais e europeus, tal opção legal.


1. Vi e ouvi, num programa televisivo de análise política semanal, os seus sempre muito céticos comentadores criticarem, alarmados, a atuação dos que hoje alimentam, no nosso país, uma contínua, barulhenta e destrutiva campanha de deslegitimação das instituições que dão corpo e alma ao Estado de Direito e à Democracia.

Centrava-se tal crítica no bizarro desafio político, em forma de queixa criminal, que alguns deputados que integram a Assembleia da República (AR) decidiram fazer contra o Presidente da República.

Tal participação criminal, primeiro pelo crime de «traição à pátria», depois por outros dois crimes escolhidos a olho, tinha como pretexto o facto de este ter ousado exprimir a sua opinião sobre a possibilidade de Estado português equacionar compensar, de alguma maneira, os países colonizados pelos portugueses.

Não havia, como bem referiram aqueles comentadores – e, já agora, pensam a maioria dos juristas dignos desse nome – qualquer possibilidade jurídica de enquadrar a dita intervenção presidencial nos tipos legais dos crimes invocados.

A AR, que, legalmente, teria de aprovar tal iniciativa, para que ela pudesse concretizar-se num processo criminal, acabou rápido com tais ilusões, caso elas, deveras, tivessem existido com esse sentido na cabeça dos seus autores em algum momento.

Em contrapartida, tal denúncia – essa sim – poderia, muito bem, vir a ser entendida pelo MP como configurando, precisamente, uma denúncia caluniosa (se consumada) e uma ofensa à honra do Presidente da República; crimes previstos no Código Penal (CP).

O primeiro de tais delitos é, com efeito, classificado no CP como um crime contra a realização da Justiça; o outro como um crime contra a realização do Estado de Direito.

Ambos são crimes públicos e, por isso, não exigem queixa do visado.

Competirá, pois, ao Ministério Público, caso considere justificado, tomar a iniciativa de proceder contra esses deputados pela prática dos crimes que tiverem sido efetivamente consumados.

Convém, no entanto, entender e situar a dita denúncia contra o Presidente da República nos seus termos verdadeiros: e estes são, afinal, exclusivamente, políticos.

O que se visava, com tal queixa – juridicamente absurda – era, antes do mais, desgastar e diminuir a legitimidade do regime democrático, tal como ele existe e está desenhado na Constituição.

Tratava-se, pois, de produzir um efeito político à margem dos valores protegidos pela lei penal.

Assim, o que constitui um direito – o de exprimir uma opinião crítica em relação ao discurso do PR – transformou-se, pelo método usado e forma da sua exteriorização, num artifício que apenas pretendia produzir um escândalo público.

Isto, quer a AR aprovasse a viabilidade da queixa, quer a impedisse, como aconteceu: o efeito político de desgastar as instituições democráticas estava e está, à partida, conseguido.

Esperemos pelas cenas dos próximos capítulos. 

2. O uso de tal tipo de procedimentos e artifícios – mesmo que não pensados nos mesmos termos e concretizados com os mesmos instrumentos – não se tem limitado, porém, à singular iniciativa de tais deputados.

Ele não constitui, tão pouco, um exclusivo de pessoas alinhadas à direita; é usado, também, por algumas outras que são publicamente identificadas, e se identificam a si mesmas, com a esquerda.

Por vezes, coincidem muitos delas – de direita e de esquerda – nas mesmas iniciativas e nenhuma das partes envolvidas esconde que não dança o tango sozinha.

As justificações para tais danças entre pares, aparentemente, tão díspares são muitas e de várias índoles: desforço pelo que consideram ser, com razão ou sem ela, um agravo sofrido; mera leviandade cívica; sede de algum protagonismo político e social, entretanto perdido; alguma arrogância de classe e, mesmo, algum jacobinismo serôdio.

Certas de tais manifestações, ou a intenção de alguns dos que lhes dão corpo, não visam, porém, na verdade, criticar, exata e precisamente, as atuações consideradas abusivas dos que, por ação ou inação, as determinaram, ou as não evitaram.

O que elas reclamam já, com efeito, é a possibilidade de redesenhar a própria arquitetura constitucional e legal dos instrumentos que permitiram enquadrar a ação e a conduta concreta dos que consideram ter exorbitado dos seus poderes funcionais.

Por isso – mesmo sem saberem exatamente do que falam e, em rigor, o que reclamam – chamam-lhe, pomposamente, «reforma estrutural»: desconhecendo, ou fingindo ignorar, que isso, neste caso, só pode ser feito mudando a Constituição.

O que se quer pôr em xeque não é, assim, a indevida forma como A, B ou C levaram a cabo, sem o controlo exigível, a atividade pública que lhes compete exercer corretamente.

O que, a pretexto de tais ações individuais, se propõem é, na realidade, mudar, agora, o próprio enquadramento que a Constituição prescreve sobre tal função e a orientação político-legislativa e institucional que fundamenta em termos legais, nacionais e europeus, essa opção.

As condutas dos ditos profissionais e os resultados que estas produziram servem, como dissemos, tão somente, como justificação oportuna – na verdade, uma boa justificação – para proporem a sempre desejada alteração de um dado quadro constitucional e legal que enquadra uma, ou outra, instituição pública.

Instituições que, malgrado as entorses recentes que sofreram na sua ordem de fiscalização e orientação internas, têm sempre de escapar a uma lógica de controlo político-partidário, mesmo quando todos os poderes políticos constitucionais se fazem, direta ou indiretamente, representar nos seus órgãos de governo, e neles atuam com total liberdade de iniciativa.

A expressão de tal vontade refundadora dos que promovem tal tipo de manifestações é, todavia – reconheça-se -, politicamente legítima e, em princípio, não deve merecer qualquer crítica pelo simples facto de existir e de se manifestar.

Isto, independentemente de, com facilidade, se poder antever logo, dado o modo como foi planeada e concretizada tal campanha, e o chamamento e a inclusão de alguns dos nomes que a apoiaram, que outros queiram – também com a mesma legitimidade formal – aproveitar-se politicamente dela, para, mais uma vez, procurarem virar a opinião pública contra a «casta» que – sustentam eles – tudo manipula e neutraliza, quando se sente atingida.

O problema não reside, assim, na crítica contundente – mas sempre arguciosamente subentendida – aos indecifráveis feitos dos que, tendo poder legal para os concretizar, os decidiram levar por diante, de modo a que a sua ação, no momento e na forma como foi realizada, fosse percebida pelo cidadão comum como tendo um objetivo que, aparentemente, transcendia, em muito, o propósito legal que deveria presidir à sua concretização.

E, a verdade é que, com consciência ou sem ela, com intenção ou sem ela – e já não sei o que será pior – tais feitos inusitados revolucionaram a ordem política normal do país.

O problema é que a forma difusa – que eu, simbólica e propositadamente, também aqui utilizo – como tal iniciativa coletiva de crítica à instituição visada foi feita prejudica, mais do que ajuda, a corrigir os alegados procedimentos exorbitantes.

Com efeito, longe de acertar nos procedimentos criticados e confrontar os que os terão cometido com a suas consequências, tal crítica atinge, antes, desabridamente, um edifício pensado e fundado em princípios e valores genericamente aceites e considerados, hoje-em-dia, pelo Direito europeu, como sendo pedras basilares do Estado de Direito e da Democracia.

Por, precisamente, violarem tais princípios, países há, da UE, a quem esta, não há muito tempo, decidiu aplicar sanções.

Atuando como atuaram – pondo em crise publicamente toda uma instituição da República e todos os que nela trabalham – os apoiantes de tal exposição estão, assim, a dar a ideia de se estarem a comportar como aqueles que acusam.

Mais,  deixam antever, assim, através da sua iniciativa estridente, objetivos que parecem ultrapassar, visivelmente, os que, na realidade, dão a conhecer na sua proclamação.

Concretizando: há muito de verdadeiro no que, legitimamente, se expõe e censura em algumas manifestações públicas desencadeadas por atuações (individuais) praticadas no seio de algumas instituições da República.

Contudo, também aqui, o método escolhido para concretizar tal tipo de manifestações parece ter sido pensado, mais para, com o estardalhaço possível, condicionar politicamente o legislador, do que para lhe permitir – com discernimento técnico, precisão cirúrgica e o maior consenso político possível – corrigir algumas normas que, mais recentemente, ele próprio aprovou e que se mostraram, afinal, não ser adequadas, nem eficazes, ao fim a que se destinavam.

Entretanto, o facto de tais manifestações públicas, programadas para, como aconteceu, serem publicitadas amplamente nas TVs, integrarem, além dos que sabem do que falam, todo o tipo de descontentes e sofridos com a ação de tal instituição – uns, porventura, com razão, outros a cavalo dos primeiros, e apenas reagindo por desforço – não beneficia, em nada, a sua credibilidade pública.

Tal manifestação apenas ajuda, isso sim, os que – mais experimentados no uso de tais estratagemas – procuram, todos os dias, como já se comprovou, argumentos e táticas para melhor derreter as bases jurídicas e constitucionais da República.

Serão eles – estou certo – quem irá utilizar, segura e alegremente, a oportunidade política oferecida de bandeja por tal iniciativa e pela escolha dos nomes de alguns dos seus porta-vozes, para cobrir de opróbrio o legislador que, com honestidade e rigor, ousar mudar, afinal, o que tem de ser mudado.

Aos que, com seriedade e conhecimento, quiseram, efetivamente, suscitar uma discussão que merece ser travada, dirão os que se colocam declaradamente contra a Constituição: «diz-me com quem andas, dir-te-ei quem és».

E, com isso, ante uma opinião pública – sempre flutuante, ressentida e, por isso, mais sensível e manipulável – fica tudo dito, e o assunto fica arrumado num juízo simples, mas incisivo: «a casta, uma vez mais, conseguiu o que queria!».

A inadiável afinação normativa pretendida por muitos, incluindo os que trabalham para a instituição visada, obriga, pois, agora, a várias escolhas: uma sábia ponderação do momento ótimo para ser concretizada; um enorme rigor técnico na articulação de diplomas legais, uma clareza, concisão e coerência exemplares nos conceitos a adotar; um elaborado e alargado consenso político e jurídico, e, sobretudo, muito pouco espalhafato por parte do legislador e de todos os que, genuinamente, se identificam com a Constituição e se preocupam em defender o seu regime de direitos, liberdades e garantias.

«Para pior, já basta assim!» – já dizia o cantor.       

Como deslegitimar a Democracia e o Estado de Direito e, sem dar conta, ajudar os seus inimigos jurados


O que, em muitos casos, se quer pôr em xeque é, não tanto, a indevida forma como A, B ou C levam a cabo a atividade pública que lhes compete exercer devidamente, mas o enquadramento que a Constituição prescreve sobre tal função e o que fundamenta, em termos jurídicos nacionais e europeus, tal opção legal.


1. Vi e ouvi, num programa televisivo de análise política semanal, os seus sempre muito céticos comentadores criticarem, alarmados, a atuação dos que hoje alimentam, no nosso país, uma contínua, barulhenta e destrutiva campanha de deslegitimação das instituições que dão corpo e alma ao Estado de Direito e à Democracia.

Centrava-se tal crítica no bizarro desafio político, em forma de queixa criminal, que alguns deputados que integram a Assembleia da República (AR) decidiram fazer contra o Presidente da República.

Tal participação criminal, primeiro pelo crime de «traição à pátria», depois por outros dois crimes escolhidos a olho, tinha como pretexto o facto de este ter ousado exprimir a sua opinião sobre a possibilidade de Estado português equacionar compensar, de alguma maneira, os países colonizados pelos portugueses.

Não havia, como bem referiram aqueles comentadores – e, já agora, pensam a maioria dos juristas dignos desse nome – qualquer possibilidade jurídica de enquadrar a dita intervenção presidencial nos tipos legais dos crimes invocados.

A AR, que, legalmente, teria de aprovar tal iniciativa, para que ela pudesse concretizar-se num processo criminal, acabou rápido com tais ilusões, caso elas, deveras, tivessem existido com esse sentido na cabeça dos seus autores em algum momento.

Em contrapartida, tal denúncia – essa sim – poderia, muito bem, vir a ser entendida pelo MP como configurando, precisamente, uma denúncia caluniosa (se consumada) e uma ofensa à honra do Presidente da República; crimes previstos no Código Penal (CP).

O primeiro de tais delitos é, com efeito, classificado no CP como um crime contra a realização da Justiça; o outro como um crime contra a realização do Estado de Direito.

Ambos são crimes públicos e, por isso, não exigem queixa do visado.

Competirá, pois, ao Ministério Público, caso considere justificado, tomar a iniciativa de proceder contra esses deputados pela prática dos crimes que tiverem sido efetivamente consumados.

Convém, no entanto, entender e situar a dita denúncia contra o Presidente da República nos seus termos verdadeiros: e estes são, afinal, exclusivamente, políticos.

O que se visava, com tal queixa – juridicamente absurda – era, antes do mais, desgastar e diminuir a legitimidade do regime democrático, tal como ele existe e está desenhado na Constituição.

Tratava-se, pois, de produzir um efeito político à margem dos valores protegidos pela lei penal.

Assim, o que constitui um direito – o de exprimir uma opinião crítica em relação ao discurso do PR – transformou-se, pelo método usado e forma da sua exteriorização, num artifício que apenas pretendia produzir um escândalo público.

Isto, quer a AR aprovasse a viabilidade da queixa, quer a impedisse, como aconteceu: o efeito político de desgastar as instituições democráticas estava e está, à partida, conseguido.

Esperemos pelas cenas dos próximos capítulos. 

2. O uso de tal tipo de procedimentos e artifícios – mesmo que não pensados nos mesmos termos e concretizados com os mesmos instrumentos – não se tem limitado, porém, à singular iniciativa de tais deputados.

Ele não constitui, tão pouco, um exclusivo de pessoas alinhadas à direita; é usado, também, por algumas outras que são publicamente identificadas, e se identificam a si mesmas, com a esquerda.

Por vezes, coincidem muitos delas – de direita e de esquerda – nas mesmas iniciativas e nenhuma das partes envolvidas esconde que não dança o tango sozinha.

As justificações para tais danças entre pares, aparentemente, tão díspares são muitas e de várias índoles: desforço pelo que consideram ser, com razão ou sem ela, um agravo sofrido; mera leviandade cívica; sede de algum protagonismo político e social, entretanto perdido; alguma arrogância de classe e, mesmo, algum jacobinismo serôdio.

Certas de tais manifestações, ou a intenção de alguns dos que lhes dão corpo, não visam, porém, na verdade, criticar, exata e precisamente, as atuações consideradas abusivas dos que, por ação ou inação, as determinaram, ou as não evitaram.

O que elas reclamam já, com efeito, é a possibilidade de redesenhar a própria arquitetura constitucional e legal dos instrumentos que permitiram enquadrar a ação e a conduta concreta dos que consideram ter exorbitado dos seus poderes funcionais.

Por isso – mesmo sem saberem exatamente do que falam e, em rigor, o que reclamam – chamam-lhe, pomposamente, «reforma estrutural»: desconhecendo, ou fingindo ignorar, que isso, neste caso, só pode ser feito mudando a Constituição.

O que se quer pôr em xeque não é, assim, a indevida forma como A, B ou C levaram a cabo, sem o controlo exigível, a atividade pública que lhes compete exercer corretamente.

O que, a pretexto de tais ações individuais, se propõem é, na realidade, mudar, agora, o próprio enquadramento que a Constituição prescreve sobre tal função e a orientação político-legislativa e institucional que fundamenta em termos legais, nacionais e europeus, essa opção.

As condutas dos ditos profissionais e os resultados que estas produziram servem, como dissemos, tão somente, como justificação oportuna – na verdade, uma boa justificação – para proporem a sempre desejada alteração de um dado quadro constitucional e legal que enquadra uma, ou outra, instituição pública.

Instituições que, malgrado as entorses recentes que sofreram na sua ordem de fiscalização e orientação internas, têm sempre de escapar a uma lógica de controlo político-partidário, mesmo quando todos os poderes políticos constitucionais se fazem, direta ou indiretamente, representar nos seus órgãos de governo, e neles atuam com total liberdade de iniciativa.

A expressão de tal vontade refundadora dos que promovem tal tipo de manifestações é, todavia – reconheça-se -, politicamente legítima e, em princípio, não deve merecer qualquer crítica pelo simples facto de existir e de se manifestar.

Isto, independentemente de, com facilidade, se poder antever logo, dado o modo como foi planeada e concretizada tal campanha, e o chamamento e a inclusão de alguns dos nomes que a apoiaram, que outros queiram – também com a mesma legitimidade formal – aproveitar-se politicamente dela, para, mais uma vez, procurarem virar a opinião pública contra a «casta» que – sustentam eles – tudo manipula e neutraliza, quando se sente atingida.

O problema não reside, assim, na crítica contundente – mas sempre arguciosamente subentendida – aos indecifráveis feitos dos que, tendo poder legal para os concretizar, os decidiram levar por diante, de modo a que a sua ação, no momento e na forma como foi realizada, fosse percebida pelo cidadão comum como tendo um objetivo que, aparentemente, transcendia, em muito, o propósito legal que deveria presidir à sua concretização.

E, a verdade é que, com consciência ou sem ela, com intenção ou sem ela – e já não sei o que será pior – tais feitos inusitados revolucionaram a ordem política normal do país.

O problema é que a forma difusa – que eu, simbólica e propositadamente, também aqui utilizo – como tal iniciativa coletiva de crítica à instituição visada foi feita prejudica, mais do que ajuda, a corrigir os alegados procedimentos exorbitantes.

Com efeito, longe de acertar nos procedimentos criticados e confrontar os que os terão cometido com a suas consequências, tal crítica atinge, antes, desabridamente, um edifício pensado e fundado em princípios e valores genericamente aceites e considerados, hoje-em-dia, pelo Direito europeu, como sendo pedras basilares do Estado de Direito e da Democracia.

Por, precisamente, violarem tais princípios, países há, da UE, a quem esta, não há muito tempo, decidiu aplicar sanções.

Atuando como atuaram – pondo em crise publicamente toda uma instituição da República e todos os que nela trabalham – os apoiantes de tal exposição estão, assim, a dar a ideia de se estarem a comportar como aqueles que acusam.

Mais,  deixam antever, assim, através da sua iniciativa estridente, objetivos que parecem ultrapassar, visivelmente, os que, na realidade, dão a conhecer na sua proclamação.

Concretizando: há muito de verdadeiro no que, legitimamente, se expõe e censura em algumas manifestações públicas desencadeadas por atuações (individuais) praticadas no seio de algumas instituições da República.

Contudo, também aqui, o método escolhido para concretizar tal tipo de manifestações parece ter sido pensado, mais para, com o estardalhaço possível, condicionar politicamente o legislador, do que para lhe permitir – com discernimento técnico, precisão cirúrgica e o maior consenso político possível – corrigir algumas normas que, mais recentemente, ele próprio aprovou e que se mostraram, afinal, não ser adequadas, nem eficazes, ao fim a que se destinavam.

Entretanto, o facto de tais manifestações públicas, programadas para, como aconteceu, serem publicitadas amplamente nas TVs, integrarem, além dos que sabem do que falam, todo o tipo de descontentes e sofridos com a ação de tal instituição – uns, porventura, com razão, outros a cavalo dos primeiros, e apenas reagindo por desforço – não beneficia, em nada, a sua credibilidade pública.

Tal manifestação apenas ajuda, isso sim, os que – mais experimentados no uso de tais estratagemas – procuram, todos os dias, como já se comprovou, argumentos e táticas para melhor derreter as bases jurídicas e constitucionais da República.

Serão eles – estou certo – quem irá utilizar, segura e alegremente, a oportunidade política oferecida de bandeja por tal iniciativa e pela escolha dos nomes de alguns dos seus porta-vozes, para cobrir de opróbrio o legislador que, com honestidade e rigor, ousar mudar, afinal, o que tem de ser mudado.

Aos que, com seriedade e conhecimento, quiseram, efetivamente, suscitar uma discussão que merece ser travada, dirão os que se colocam declaradamente contra a Constituição: «diz-me com quem andas, dir-te-ei quem és».

E, com isso, ante uma opinião pública – sempre flutuante, ressentida e, por isso, mais sensível e manipulável – fica tudo dito, e o assunto fica arrumado num juízo simples, mas incisivo: «a casta, uma vez mais, conseguiu o que queria!».

A inadiável afinação normativa pretendida por muitos, incluindo os que trabalham para a instituição visada, obriga, pois, agora, a várias escolhas: uma sábia ponderação do momento ótimo para ser concretizada; um enorme rigor técnico na articulação de diplomas legais, uma clareza, concisão e coerência exemplares nos conceitos a adotar; um elaborado e alargado consenso político e jurídico, e, sobretudo, muito pouco espalhafato por parte do legislador e de todos os que, genuinamente, se identificam com a Constituição e se preocupam em defender o seu regime de direitos, liberdades e garantias.

«Para pior, já basta assim!» – já dizia o cantor.