A Implosão do valor da palavra dada


Insistir na perda de valor da palavra dada em público e em privado, sem falar verdade e de forma transparente, é contribuir para um deslaço que é evidente, crescente e demasiado perigoso.


A palavra sempre foi a expressão do pensamento, da vontade e do compromisso, pilar das relações humanas, ainda que mais remotamente substituída no acordo por um simples aperto de mão entre as partes. O valor da palavra anda, há muito, pela hora da morte, subjugada à falta de valores, às conveniências particulares, às circunstâncias e ao seu uso abusivo nas narrativas políticas e nas de todas as espécies veiculadas nas sociedades atuais.

A relativização do valor da palavra, dada ou exercitada, leva à implosão da sua relevância como expressão de compromisso, mesmo quando reforçada pelo epíteto de “palavra dada, palavra honrada”, desmentido pela abrangência das soluções, pelas nuances ou pela consistência dos resultados.

É o que continuamos a assistir, em modo agravado, pela governação da direita, ainda há pouco empossada, mas totalmente enleada na volatilidade da sua palavra dada. São as circunstâncias, as nuances, as dificuldades, as exigências e agora até o sentido do exercício em modo de maratona, tudo para justificar o que era evidente: a impossibilidade de cumprir a totalidade das expectativas criadas, em função das disponibilidades existentes.

É assim que gritam as forças de segurança, os funcionários da justiça, os professores, os profissionais de saúde e entre outros, quando toda a gente já compreendeu que perante a fragilidade da palavra dada num contexto, por mais fanfarrão e presenteiro que Luís Montenegro queira parecer, não dispõe de maioria para o fazer, ainda que tivesse os recursos. Toda a gente já percebeu que só a existência mediática, o bloqueio do normal funcionamento das coisas e a gritaria são métodos eficazes da construção de algum tipo de soluções, numa sociedade cada vez mais reativa, focada nos mesmos de sempre e incapaz de gerar compromissos e novos pontos de equilíbrio. É o oposto do anterior quadro político que, com maioria absoluta e recursos disponíveis, poderia ter aberto à partida negociações com os diversos setores para a adoção de pontos de compromisso mínimos: “vamos estar aqui 4 anos, com maioria absoluta, não faz sentido não responder ao essencial das necessidades e estabilizar os serviços públicos”.

Toda a gente sabia e sabe que o dinheiro não chega para tudo, mas nesse quadro não pode chegar só para alguns como aconteceu com o subsídio de risco para a Polícia Judiciária ou os aumentos dos salários dos juízes, como se controlando uma parte se assegurasse mínimos de previsibilidade em tudo o resto. Governar sem critério acarreta sempre projeções negativas numa sociedade marcada por quotidianos de sobrevivência, de contenção e de nivelamento por baixo das vivências individuais e comunitárias. Nem é possível, descontando as narrativas de desculpabilização ou de circunstância, insistir em mascarar as opções e os resultados políticos, colocando os cidadãos na dependência de polígrafos sobre quem fala verdade e quem está a mentir, num quadro de miséria que só beneficia os populistas e os extremistas. Na atualidade, a verdade ou alguma parte dela sabe-se sempre, porque o nível de escrutínio acaba por ser maior, apesar do baixo nível de exigência cívica dos portugueses.

A implosão da palavra, da exercitada e da dada, como compromisso político é meio caminho andado para que os protagonistas sejam atirados borda fora com a água do banho pelos eleitores. Sem capacidade para erradicar as causas que fundam o crescimento dos populismos, a palavra precisa de ser valorizada como instrumento de compromisso entre as partes e com todos, para que a letra da lei tenha valor e seja aceite como referência estruturante das vivências individuais e comunitárias. A sua desvalorização, em espiral de implosão, sinaliza para o conjunto da sociedade o triunfo da geometria variável: tudo é possível, em todos os momentos, basta mudar, pela palavra, o que foi dito ou as circunstâncias. Nesse contexto, qual será o nível de compromisso de cada um com o todo? Quando uns não cumprem a lei e nada acontece, não há autoridade e toda a ação é questionada? Quando uns têm e outros não? Quando uns dizem uma coisa e fazem outra ou o seu contrário? Ou quando se diz o que as pessoas querem ouvir, sabendo que não é possível ser consequente, num Estado de Direito Democrático, na União Europeia no Século XXI?

Há cansaço democrático com o funcionamento do sistema, com a volatilidade da palavra dada, os esquemas do exercício político, as disfunções de pilares do Estado, as desculpas com o passado e a falta de compromisso para responder de forma sustentada às necessidades em função das disponibilidades. Insistir na perda de valor da palavra dada em público e em privado, sem falar verdade e de forma transparente, é contribuir para um deslaço que é evidente, crescente e demasiado perigoso, 50 anos depois de Abril. A palavra precisa de voltar a ter valor, ser base do compromisso e ser exercitada com rigor e sentido de coerência, remetendo os troca-tintas para as margens da relevância social, económica e política.

NOTAS FINAIS

A DEGRADANTE BATATA FRITA. O vídeo do Presidente da República na Ovibeja a surripiar batatas fritas dos pratos alheios de desconhecidos é um sinal de preocupante degradação pessoal e institucional.

SÃO TOMÉ E O ESTADO DE NECESSIDADE. A necessidade aguça a falta de valores. O pragmatismo de São Tomé em acordar com a Rússia invasora da Ucrânia não é muito diferente da presença da Guiné Equatorial na CPLP ou da procura de financiamento e negócios na Líbia ou na Venezuela, de outros tempos. Há uma necessidade, há alguém para a suprir, que se lixem os valores e os compromissos.

E SE POR DETRÁS DE UM COMENTÁRIO ESTIVER UM INTERESSE. A Santa Casa é, há muito, um albergue espanhol de interesses, que, ainda assim, concretiza mais respostas sociais do que a perceção existente. Há quem diga que os ataques em curso, se prendem com a ambição de privatização dos jogos sociais. E se por detrás do sentido de um comentário televisivo de um protagonista estiver um quadro de conflito com interesses profissionais?

TAVARES DESPERTOU DO SONHO. Sou do tempo em que Rui Tavares enfunado pelo sonho e pelos interesses andava pelo universo da deriva “Vale Tudo”. Parece que descobriu que essa deriva, em primárias partidárias, é nociva e desvirtua. Despertou para a realidade, mais vale tarde do que nunca.

A Implosão do valor da palavra dada


Insistir na perda de valor da palavra dada em público e em privado, sem falar verdade e de forma transparente, é contribuir para um deslaço que é evidente, crescente e demasiado perigoso.


A palavra sempre foi a expressão do pensamento, da vontade e do compromisso, pilar das relações humanas, ainda que mais remotamente substituída no acordo por um simples aperto de mão entre as partes. O valor da palavra anda, há muito, pela hora da morte, subjugada à falta de valores, às conveniências particulares, às circunstâncias e ao seu uso abusivo nas narrativas políticas e nas de todas as espécies veiculadas nas sociedades atuais.

A relativização do valor da palavra, dada ou exercitada, leva à implosão da sua relevância como expressão de compromisso, mesmo quando reforçada pelo epíteto de “palavra dada, palavra honrada”, desmentido pela abrangência das soluções, pelas nuances ou pela consistência dos resultados.

É o que continuamos a assistir, em modo agravado, pela governação da direita, ainda há pouco empossada, mas totalmente enleada na volatilidade da sua palavra dada. São as circunstâncias, as nuances, as dificuldades, as exigências e agora até o sentido do exercício em modo de maratona, tudo para justificar o que era evidente: a impossibilidade de cumprir a totalidade das expectativas criadas, em função das disponibilidades existentes.

É assim que gritam as forças de segurança, os funcionários da justiça, os professores, os profissionais de saúde e entre outros, quando toda a gente já compreendeu que perante a fragilidade da palavra dada num contexto, por mais fanfarrão e presenteiro que Luís Montenegro queira parecer, não dispõe de maioria para o fazer, ainda que tivesse os recursos. Toda a gente já percebeu que só a existência mediática, o bloqueio do normal funcionamento das coisas e a gritaria são métodos eficazes da construção de algum tipo de soluções, numa sociedade cada vez mais reativa, focada nos mesmos de sempre e incapaz de gerar compromissos e novos pontos de equilíbrio. É o oposto do anterior quadro político que, com maioria absoluta e recursos disponíveis, poderia ter aberto à partida negociações com os diversos setores para a adoção de pontos de compromisso mínimos: “vamos estar aqui 4 anos, com maioria absoluta, não faz sentido não responder ao essencial das necessidades e estabilizar os serviços públicos”.

Toda a gente sabia e sabe que o dinheiro não chega para tudo, mas nesse quadro não pode chegar só para alguns como aconteceu com o subsídio de risco para a Polícia Judiciária ou os aumentos dos salários dos juízes, como se controlando uma parte se assegurasse mínimos de previsibilidade em tudo o resto. Governar sem critério acarreta sempre projeções negativas numa sociedade marcada por quotidianos de sobrevivência, de contenção e de nivelamento por baixo das vivências individuais e comunitárias. Nem é possível, descontando as narrativas de desculpabilização ou de circunstância, insistir em mascarar as opções e os resultados políticos, colocando os cidadãos na dependência de polígrafos sobre quem fala verdade e quem está a mentir, num quadro de miséria que só beneficia os populistas e os extremistas. Na atualidade, a verdade ou alguma parte dela sabe-se sempre, porque o nível de escrutínio acaba por ser maior, apesar do baixo nível de exigência cívica dos portugueses.

A implosão da palavra, da exercitada e da dada, como compromisso político é meio caminho andado para que os protagonistas sejam atirados borda fora com a água do banho pelos eleitores. Sem capacidade para erradicar as causas que fundam o crescimento dos populismos, a palavra precisa de ser valorizada como instrumento de compromisso entre as partes e com todos, para que a letra da lei tenha valor e seja aceite como referência estruturante das vivências individuais e comunitárias. A sua desvalorização, em espiral de implosão, sinaliza para o conjunto da sociedade o triunfo da geometria variável: tudo é possível, em todos os momentos, basta mudar, pela palavra, o que foi dito ou as circunstâncias. Nesse contexto, qual será o nível de compromisso de cada um com o todo? Quando uns não cumprem a lei e nada acontece, não há autoridade e toda a ação é questionada? Quando uns têm e outros não? Quando uns dizem uma coisa e fazem outra ou o seu contrário? Ou quando se diz o que as pessoas querem ouvir, sabendo que não é possível ser consequente, num Estado de Direito Democrático, na União Europeia no Século XXI?

Há cansaço democrático com o funcionamento do sistema, com a volatilidade da palavra dada, os esquemas do exercício político, as disfunções de pilares do Estado, as desculpas com o passado e a falta de compromisso para responder de forma sustentada às necessidades em função das disponibilidades. Insistir na perda de valor da palavra dada em público e em privado, sem falar verdade e de forma transparente, é contribuir para um deslaço que é evidente, crescente e demasiado perigoso, 50 anos depois de Abril. A palavra precisa de voltar a ter valor, ser base do compromisso e ser exercitada com rigor e sentido de coerência, remetendo os troca-tintas para as margens da relevância social, económica e política.

NOTAS FINAIS

A DEGRADANTE BATATA FRITA. O vídeo do Presidente da República na Ovibeja a surripiar batatas fritas dos pratos alheios de desconhecidos é um sinal de preocupante degradação pessoal e institucional.

SÃO TOMÉ E O ESTADO DE NECESSIDADE. A necessidade aguça a falta de valores. O pragmatismo de São Tomé em acordar com a Rússia invasora da Ucrânia não é muito diferente da presença da Guiné Equatorial na CPLP ou da procura de financiamento e negócios na Líbia ou na Venezuela, de outros tempos. Há uma necessidade, há alguém para a suprir, que se lixem os valores e os compromissos.

E SE POR DETRÁS DE UM COMENTÁRIO ESTIVER UM INTERESSE. A Santa Casa é, há muito, um albergue espanhol de interesses, que, ainda assim, concretiza mais respostas sociais do que a perceção existente. Há quem diga que os ataques em curso, se prendem com a ambição de privatização dos jogos sociais. E se por detrás do sentido de um comentário televisivo de um protagonista estiver um quadro de conflito com interesses profissionais?

TAVARES DESPERTOU DO SONHO. Sou do tempo em que Rui Tavares enfunado pelo sonho e pelos interesses andava pelo universo da deriva “Vale Tudo”. Parece que descobriu que essa deriva, em primárias partidárias, é nociva e desvirtua. Despertou para a realidade, mais vale tarde do que nunca.