Numa época em que o rock dos Beatles e dos Rolling Stones ainda era profundamente amado, mas parecia não ser suficiente para os jovens da década de 1980, surgiram bandas de glam metal e hard rock como Bon Jovi. Com licença, vou corrigir-me: quando o rock cresceu e ganhou raízes no glam metal e no hard rock, apareceram uns miúdos de New Jersey por quem ninguém deu nada, mas que começaram, desde cedo, a fazer história. E essa mesma história é narrada em Thank You, Goodnight: The Bon Jovi Story, documentário de quatro episódios que estreou no Disney+ no passado dia 26 de abril, da autoria de Gotham Chopra, e que celebra os 40 anos de carreira do grupo norte-americano.
Tudo começou em 1969, quando Jon Bon Jovi tinha apenas sete anos e fundou uma banda chamada Raze. Aos 13 anos, gravou We Wish You a Merry Christmas num disco de Natal de Star Wars, Christmas in the Stars. Em 1978, conheceu David Bryan, os dois fundaram a Atlantic City Expressway (ACE). Mesmo sendo menores de idade, tocavam em clubes de New Jersey. Ainda na adolescência, Jon Bon Jovi tocou na banda John Bongiovi and the Wild Ones.
Jon gravou a música Runaway com músicos contratados conhecidos como The All Star Review, com Tim Pierce na guitarra, Roy Bittan nos teclados, Frankie LaRocka na bateria e Hugh McDonald no baixo em 1983. A música tornou-se um sucesso imediato no verão de 1983. Nesse período, tentou destacar-se com as John Bongiovi Sessions, mas acabou por ligar a David Bryan em março de 1983, assim como a Alec John Such e Tico Torres.
Conseguiram contrato com a gravadora Polygram e, em 21 de janeiro de 1984, ano em que lançaram o seu primeiro álbum, Runaway voltou a fazer sucesso. Vários guitarristas passaram pela banda, entre eles Dave ‘The Snake’ Sabo, tocando apenas em 1984, até que Richie Sambora se juntou definitivamente ao grupo. Além de Runaway, outras músicas ficariam nos ouvidos e corações dos fãs, como She Don’t Know Me. Mas, a rigor, só com o terceiro álbum é que realmente surgiu o que podemos considerar a fandom da banda. Com Slippery When Wet, de 1986, o paradigma mudou para os Bon Jovi que, em 1985, com 7800° Fahrenheit, fizeram barulho com In and Out Of Love, Only Lonely e pouco mais.
«Ignoro sempre o segundo álbum», disse Jon Bon Jovi em 2007. «Sempre o fiz, sempre o farei. Não tivemos tempo para fazer isso e não sabíamos quem éramos… Fizemos tudo o que o produtor Lance Quinn disse. Era um guitarrista brilhante e tinha feito discos com os Talking Heads». «Todos estávamos a passar por momentos difíceis a nível pessoal», explicou na época do lançamento de Slippery When Wet. «E a tensão afetou a música que produzimos. Não foi uma experiência agradável… Lance Quinn não era o homem certo para nós, e isso aumentou a sensação de que estávamos a fazer isto mal».
Lançadas no ano seguinte, You Give Love a Bad Name e Livin’ On a Prayer são apenas dois exemplos de singles que, não importa quantas décadas passem, nunca serão esquecidos por quem ouve Bon Jovi casualmente ou por quem faz qualquer coisa menos ouvir Bon Jovi casualmente mas, ao contrário, incorpora a audição da música destes miúdos de New Jersey no seu quotidiano.
Em setembro de 1988, foi lançado outro álbum do apogeu de John, Richie, Tico e David, que, juntamente com Desmond Child, produziram New Jersey. Pois, tal como Bruce Springsteen explica no documentário, nunca negaram as suas raízes: assim como ele. Lay Your Hands On Me, Bad Medicine, Born To Be My Baby, Living In Sin e I’ll Be There For You espelham os momentos que foram vividos dentro do grupo. Os fãs queriam aproximar-se cada vez mais, saber mais. Tanto que este álbum, publicado oficialmente pela Melodiya, foi o primeiro norte-americano a ser colocado à venda na URSS.
Com o fim da New Jersey Tour, os problemas da banda agravaram-se e, por isso, cada um dos integrantes decidiu ‘respirar’ e ter os seus próprios projetos. Por exemplo, Jon escreveu a banda sonora de Young Guns II, que foi lançado em 1990 como o álbum ‘Blaze of Glory e Richie lançou o seu primeiro álbum solo chamado Stranger in This Town (no ano seguinte).
«Quando voltámos a uma sala em Vancouver», observou Jon Bon Jovi em 2007, «fechámos a porta e ignorámos aquilo que tinha acontecido ao nosso género musical. Livrámo-nos dos clichés, escrevemos algumas letras socialmente conscientes e cortámos o cabelo. Não fiz nada de grunge e não fiz nada de rap, mas eu sabia. Não consegui reescrever Livin’ on a Prayer novamente, então não tentei e valeu a pena», disse à Q, uma popular revista de música britânica.
I Believe, Keep The Faith, I’ll Sleep When I’m Dead, In These Arms, Bed Of Roses e Dry County, principalmente, são temas que, além de retratarem a realidade social além das roupas brilhantes, cabelos chamativos e juventude, paixão e amizade, mostraram que os Bon Jovi estavam de volta para ficar e mais fortes do que nunca. Por isso, três anos depois saiu These Days, um disco que funciona quase como se fosse a segunda parte de Keep The Faith. Em 1995 e 1996, percorreram dezenas de países e os três concertos no Wembley Stadium, em junho de 1995, acabariam por resultar num DVDque é considerado um clássico da banda.
Depois de mais dois álbuns solo de Jon e Richie, surgiu Crush em 2000 que, com o êxito It’s My Life, acabou por apresentar a banda a uma nova geração e, tal como é explicitado no documentário, muitos dos fãs mais novos nem sequer sabiam da existência da banda antes do lançamento deste single. Os Bon Jovi foram renovando a sua sonoridade e tal é notório nos álbuns seguintes: Bounce (2002) – fortemente inspirado pelo 11 de setembro –, Have a Nice Day (2005) – os temas das canções giram em redor das mudanças políticas que aconteceram nos EUA naquele período e do estado do mundo da música –, Lost Highway (2007) – definido por Jon como «um álbum dos Bon Jovi influenciado por Nashville» – e The Circle (2009) – visto como o regresso da banda ao hard rock depois da passagem pela música country no álbum anterior. Porém, a tinta estalou com What About Now (2013), na medida em que Richie sentiu que em quase nada contribuiu para o álbum devido à presença de John Shanks em estúdio.
Tanto que, horas antes de a banda se ter apresentado em Calgary, Alberta, no Canadá, Richie não apareceu. E só voltaria a reunir-se com os companheiros de banda em 2018, quando o grupo entrou no Rock and Roll Hall Of Fame. Em entrevista à revista People, Jon disse que convidou Richie para ir a sua casa e, assim, verem o documentário juntos. Contudo, um representante de Richie descreveu um cenário diferente. «O Richie voou para ver o Jon e deu-lhe um presente de aniversário. Uma guitarra. Mas em vez de se focarem nisso, exibiram o documentário do Jon», declarou. «O Richie saiu após o terceiro episódio do documentário porque estava doente e cansado do que estava a ver», sublinhou.
Apesar disso, Richie garantiu que, ainda que não se arrependa de ter saído, arrepende-se da forma como o fez e comparou a sua saída à saída da máfia. E o seu representante deixou claro que não gostou da forma como foi retratado e do modo como enquadraram a sua saída da banda. «E para ele, sem dúvida, a moeda da felicidade está acima da moeda do dinheiro», asseverou.
Todos os membros da banda reconhecem que Jon e Richie, juntos, faziam magia, mas que quiseram seguir em frente e não desistir da banda. No entanto, têm existido várias dificuldades como os problemas de saúde de Jon – que se tem dedicado a outros projetos igualmente, como a marca de vinhos Hampton Water, que detém com o filho Jesse – que teve de se submeter a uma cirurgia às cordas vocais em 2022. «É a primeira vez que digo isto», disse à revista Sunday Times. «Se a cantar ao vivo não estiver bem, se não posso ser quem era antes, então para mim acabou», avançou o cantor de 62 anos que espera voltar a cantar «duas horas por noite, quatro noites por semana» e faz terapia vocal diariamente para alcançar esse objetivo, como é possível ver no documentário.
Mesmo não se sentindo preparado para cantar ao vivo, não baixou os braços relativamente à produção e gravação em estúdio. Por isso, a banda lançará o próximo álbum, intitulado de Forever, em junho. Richie, à sua vez, lançou a música I Pray. De acordo com o site Big Rock N’ Roll, o single constitui a primeira de quatro novas músicas de Sambora, sendo que o músico lançará uma nova música todas as semanas até dia 17 de maio.