‘Os angolanos estão no limite da tolerância’

‘Os angolanos estão no limite da tolerância’


Adalberto Costa Júnior, líder da UNITA, considera que o Presidente João Lourenço não tem cultura democrática e exige a sua saída para evitar que o desespero dos angolanos crie um ambiente de instabilidade e violência.


O presidente da União Nacional para a Independência Total de Angola (UNITA), Adalberto Costa Júnior, mostrou-se seriamente preocupado com aquilo que considerou ser o retrocesso na qualidade da democracia em Angola. A violação das mais elementares regras da democracia e dos direitos cívicos dos cidadãos é também, diz, do conhecimento das organizações políticas internacionais. Na recente Assembleia-Geral da Internacional Democrata Centrista (IDC-CDI), foi pedido ao Governo angolano e às instituições a ele ligadas «o respeito escrupuloso pelo Estado de Direito, bem como o respeito pelos direitos humanos e a transparência na gestão dos assuntos públicos». Esta organização, que reúne partidos de centro-direita de todo o Mundo, criticou ainda o facto de «a manipulação do poder judicial pelo Estado ser uma prática comum em Angola». 

Adalberto Costa Júnior é presidente da UNITA desde 2022 e a principal voz da oposição em Angola e nos diferentes fóruns internacionais em que participa. É, por isso, acusado pelo MPLA de antipatriotismo. Em entrevista ao Nascer do SOL, em Lisboa, elogiou um «povo rico de caraterísticas, mas extremamente violentado pelo seu próprio Governo». Reforçou a ideia de que não há democracia no país e alertou para a forte possibilidade de as reivindicações de rua poderem tornar-se violentas. «Em outros países, o povo já se tinha revoltado, felizmente que isso não aconteceu em Angola», afirmou.

Passaram dois anos sobre as últimas eleições, como está a situação política atualmente em Angola?

Está muito complexa. A seguir a um ato eleitoral existe sempre a expetativa de haver mudanças, especialmente junto da população, uma vez que foram apresentadas novas propostas. Mas, infelizmente, o que aconteceu foi uma degradação generalizada da situação no que diz respeito aos direitos e liberdade dos cidadãos, e as reformas que toda a gente esperava ficaram por fazer. Logo que as eleições terminaram vivemos um período de prisões e ameaças, isso levou a que muitas pessoas tenham saído do país, nomeadamente jovens e quadros qualificados, o que é muito grave. Angola está, desastrosamente, distante daquilo que todos nós gostaríamos que fosse.

As eleições ainda pesam na realidade angolana?

Sem dúvida. Foram identificados os fatores que levaram a que os resultados não tenham correspondido às expetativas dos governantes. Hoje em dia, toda a gente diz que quem está a governar não ganhou. Posso afirmar de forma muito clara que quem tem mais consciência disso é o partido que está no poder. A prova disso foi a vitória, por larga margem, em Luanda e nas principais cidades do país.

Não houve, então, a desejada pacificação e abertura democrática, é isso?

Continua a não haver diálogo, não há reformas e o que vemos são permanentes violações à Constituição. O regime adotou um quadro de leis absolutamente incomuns nos países democráticos, que restringem as liberdades civis e visam as organizações não governamentais, o que é condenável. A lei de segurança do Estado tem um artigo onde diz que o cidadão tem a obrigação de denunciar quem tem opiniões distintas. A diferença de opinião passa a ser crime. Pior do que isso, continuam os assassinatos de opositores ao regime angolano, isso cria um ambiente de medo nas pessoas.

Na semana passada, o grupo parlamentar da UNITA foi atacado na zona de Cuando-Cubango e registaram-se vários feridos. O que se passou?

A comitiva que ia para as Jornadas Parlamentares foi violentamente atacada em Cuando-Cubango. Foi tudo organizado e é uma fotografia real de Angola. Tínhamos pedido autorização à presidente da Assembleia Nacional, ao comandante-geral da Polícia e ao comando provincial de Cuando-Cubango para fazer essa visita de observação, uma vez que o regulamento interno da Assembleia Nacional obriga a que qualquer ação pública dos deputados tenha de ser autorizada por uma comissão parlamentar, que tem uma maioria do MPLA. Importa dizer que este ferrolho às liberdades agride a Constituição, pois os deputados não têm de informar quando fiscalizam. Ainda assim, os deputados da UNITA foram agredidos quando cumpriam o seu mandato de fiscalização. A explicação dada foi que a polícia não sabia que o grupo parlamentar estava nessa área. O principal responsável pelo que aconteceu é o Presidente da República, é ele que mantém pessoas incompetentes e incapazes em cargos de responsabilidade.

Receia novos ataques à UNITA?

Digo apenas que não foi a primeira que fomos atacados. Em 2016, o grupo onde eu seguia foi alvo de um  atentado em plenas Jornadas Parlamentares de que resultaram dez mortos. Estivemos sempre sob forte vigilância policial, e quando fomos atacados pelas milícias a Polícia fugiu do local. Continuamos a exigir a responsabilização moral e material pelo que aconteceu.

Há quem considere que o seu partido devia ser mais agressivo na oposição ao Governo do MPLA, e que os discursos românticos não levam a lado nenhum. Concorda com essa ideia?

Entendo que as pessoas estão desesperadas e querem uma Angola melhor, esse sentimento é mais visível nos jovens. Há uma minoria com posições extremadas, mas essa minoria pode crescer porque não vê melhorias. A juventude criticou-me porque recusei ir buscar na revolução de rua a transição para a liderança política. O próprio regime esperava isso e preparou-se para fazer um banho de sangue, para depois colocar a responsabilidade na UNITA.

Existe o risco de a situação escalar para a violência em Angola?

Há pessoas que dizem que só com sangue se consegue fazer a transição para a democracia, também ouvi pessoas a dizer que estavam preparadas para morrer. Isto mostra o nível de desespero das pessoas. 

Acredita numa eventual candidatura de João Lourenço a um terceiro mandato?

Isso não é permitido pela Constituição, mas existe esse debate sobre a mesa. Não somos diferentes de outros países e, se o Presidente insistir num terceiro mandato, a UNITA vai ter a iniciativa de vir para a rua. Sabemos o que estamos a fazer, mas existe algum risco e nenhum cenário pode ser excluído.

Os juízes do Tribunal Constitucional de Angola recusaram o pedido de destituição do Presidente João Lourenço apresentado pela UNITA. O que vai fazer agora?

No processo de impeachment reunimos dados oficiais que revelam provas de alta corrupção com conhecimento do Presidente da República, que deu privilégios a muita gente e a empresas. No dia do debate do impeachment a Assembleia Nacional violou a Constituição e o regimento interno, foram retiradas as urnas de voto a pedido do presidente e mandou votar de braço no ar, o que é proibido pela Constituição, ainda assim o Tribunal Constitucional disse que foi tudo legal. Estamos a esgotar as alternativas internas e, muito possivelmente, teremos de recorrer a organismos internacionais. Temos provas suficientes para a destituição do Presidente e queremos que os Tribunais atuem e façam respeitar a lei. 

Neste quadro, consegue perspetivar uma Angola como futuro, sobretudo para os jovens?

Claro que sim. Os jovens são muito penalizados pela situação do país e são eles que mais se manifestam perante o quadro de não transição para uma democracia plena. É uma juventude que ganhou perceção da realidade e que reage, apesar do regime tomar uma infinitude de medidas de repressão das liberdades e de perseguir e prender os líderes civicos. Há pessoas da sociedade civil nas cadeias porque criticaram o Presidente da República.

Há muito que defende a realização de eleições autárquicas, vai continuar essa luta?

Claro. É muito estranho que num país que diz ser democrata nunca tenha havido eleições autárquicas. É impensável exercer o poder de forma exclusiva, ainda por cima por alguém que defende a filosofia do Estado central. O partido do Governo considera que a pluralidade não conduz ao desenvolvimento. Ainda não houve essas eleições porque o Presidente da República não quer, é ele que manda no Governo. A UNITA apresentou um pacote legislativo autárquico em abril de 2018, desde então nada foi feito até hoje. Em Moçambique, por exemplo, é o mesmo partido que governa desde a independência e há eleições locais.

Acredita que estão na agenda do Governo para este ano?

Pode ser que aconteça, mas não vão ser democráticas.

O que está em causa?

O regime iniciou um processo para confundir e baralhar. A UNITA defende a realização de eleições em todos os municípios do país. Há essa possibilidade porque em todas as regiões existem administradores que são nomeados pelo Governo e que não prestam contas a ninguém. Houve um administrador do Kuanza-Sul que afirmou, há poucos dias, que ‘não podemos fazer essas eleições porque quem vier vem roubar mais do que nós’, e mantém-se no lugar. O projeto do Governo é passar de 164 para 325 municípios e fazer eleições em 80, nos outros municípios os administradores seriam nomeados. Ou seja, a legitimação popular iria cumprir-se em apenas 25% do território.  

A UNITA tem pedido repetidas vezes reformas, a que se refere concretamente?

É urgente fazer a reforma da atual Constituição que é atípica. O Presidente da República não é eleito, mas depois transforma-se num deus na terra, com plenitude de poderes e inexistência de prestação de contas. Sendo o chefe do Governo nunca foi à Assembleia Nacional prestar contas. Dou outro exemplo, na África do Sul, o Presidente da República é o chefe do Governo e vai à assembleia regularmente. Tenho a certeza que no primeiro dia que o titular do poder executivo for prestar contas à assembleia a sua forma de governar muda e vai tornar-se mais transparente. 

Voltamos aos casos de corrupção ativa?

Sem dúvida, as contratações públicas não se fazem por concurso. Antes das eleições, e no período imediatamente a seguir, 98% das contratações foram feitas sem concurso público, são as universidades, a sociedade civil e instituições apartidárias quem o afirma. A história do célebre envelope continua muito presente em Angola. As ofertas são corrupção ativa e causam danos irreparáveis ao Estado.

Num cenário destes, como avalia a situação económica de Angola? 

A economia está um desastre total. O valor do kuanza desvalorizou um terço e a inflação real é galopante. Um reconhecido economista disse-me que se aproxima dos 40%, sabendo que temos uma economia baseada na importação isso é gravíssimo. Há cada vez mais empresas a falir, o desemprego aumentou e assiste-se a uma fuga dos empresários. Este é um cenário que não gostaríamos de ver, mas é a realidade económica de Angola. Em contrapartida, quem está a governar gasta fortunas de dinheiro a vender a imagem de um país ideal. Quando temos instabilidade em todas as áreas estratégicas, uma crise social grave, uma pobreza extrema e crianças fora do ensino, o que faz o Governo? recebe todas as conferências internacionais que pode, com custos extremamente elevados. Está a comprar consciências fora do país.

Como é que os angolanos reagem a este momento?

Estão marcadas greves na função pública. Pela primeira vez, há paralisações totais como resposta a uma degradação das condições sociais e económicas. Temos, neste momento, todos os sindicatos a fazer acordos e a exigir um aumento salarial que é absolutamente aceitável. As pessoas perderam um terço do poder de compra e o aumento salarial foi de apenas 5%. Existe um cenário de extrema pobreza, sobretudo nas famílias mais numerosas, há gente a passar fome em Angola e estamos no limite da tolerância.

Pensa que pode haver alguma mudança política por parte do partido do Governo?

Não acredito. Temos desafiado para o diálogo e para a necessidade da concertação política, mas sem resultado. Estamos numa ditadura pura. Há pessoas que pelo seu percurso anterior perderam credibilidade e, agora, dirigem gabinetes presidenciais tanto no setor económico como na diplomacia externa. Quando falamos em concertação não estamos a dizer que queremos ir para o Governo, a UNITA quer ser ouvida e quer ajudar a resolver os problemas do país. 

Que soluções sugere a UNITA para o futuro de Angola?

Somos um país pleno de recursos naturais, é por aí que devemos começar. Além do petróleo, que é uma riqueza limitada no tempo, temos vastas terras agrícolas que devem ser bem aproveitadas. Angola tem igualmente recursos humanos para abraçar os futuros desafios, e, nas áreas especializadas, temos condições para criar programas que tragam de volta os angolanos altamente qualificados que estão por esse mundo fora. 

A situação mundial está muito tensa e perigosa. Que comentário lhe merece a guerra na Ucrânia e o conflito no Médio Oriente?

Acompanho esses conflitos com natural preocupação. A UNITA levou ao Parlamento uma resolução a criticar a Rússia e a exigir a saída da Ucrânia, ao contrário do MPLA que votou a favor da ocupação russa. Em relação ao conflito israelo-palestiniano, sempre fui a favor da criação de dois Estados nessa região. Os ataques do Hamas, a 7 de outubro, foram de extrema violência, mas a resposta de Israel foi desproporcionada e suplantou tudo o que é aceitável. A única saída é o diálogo. Mas não devemos esquecer a situação no continente africano, com golpes de Estado na África central e a instabilidade em Moçambique motivada pela presença do Daesh.