O ciclo da água. Entre os fenómenos naturais e a intervenção dos seres humanos

O ciclo da água. Entre os fenómenos naturais e a intervenção dos seres humanos


Enquanto o ciclo natural da água constitui um movimento contínuo e circular feito na natureza, o ciclo urbano reflete a influência humana na procura por controlo e utilização eficiente deste recurso vital.


Consumimos e usamos água todos os dias, mas nem sempre refletimos acerca de como ela chega até nós e daquilo que lhe acontece depois de a utilizarmos. Para entendermos todo este processo, temos de começar por analisar o Ciclo Natural da Água, que é o movimento contínuo e circular que a água faz na natureza, envolvendo processos como evaporação, condensação, precipitação, infiltração e escoamento. Estes processos garantem a renovação da água na Terra e são essenciais para a vida e a biodiversidade. A água circula entre os reservatórios naturais, como oceanos, continentes e atmosfera, mudando constantemente de lugar e de estado físico.

A evaporação ocorre quando a água líquida é aquecida pelos raios solares e se transforma em vapor de água, subindo para a atmosfera. A evapotranspiração é o processo em que as plantas libertam água na forma de vapor para a atmosfera, enquanto absorvem água do solo. Já a condensação acontece quando o vapor de água arrefece na atmosfera e se transforma em gotículas de água, formando as nuvens. A precipitação ocorre quando essas gotículas se acumulam e caem para a superfície da Terra como chuva, neve ou granizo. Após a precipitação, a água pode seguir diferentes caminhos: escoar superficialmente sobre a superfície da terra, infiltrar-se no solo para ser absorvida pelas plantas ou percolar através do solo para recarregar os aquíferos.

Os animais também participam no ciclo da água, retirando-a da natureza para o consumo e reintroduzindo-a através da urina, fezes e transpiração. A importância do ciclo da água reside na manutenção da água disponível na natureza, essencial para a sobrevivência dos ecossistemas, a regulação do clima e o fornecimento de água doce para os seres humanos e outros organismos. Além do ciclo da água, existem outros ciclos biogeoquímicos, nos quais elementos como carbono, nitrogénio e fósforo são movimentados e renovados entre os seres vivos e os componentes não vivos do ambiente, promovendo a renovação desses elementos na biosfera.

”As alterações climáticas estão a afetar significativamente este ciclo. Os padrões de chuva estão a mudar, com eventos extremos a ocorrer em locais e momentos inesperados. Essas mudanças têm implicações sérias para a sazonalidade e a disponibilidade de água”, começa por explicar Ana Paula Pinto, professora Assistente do Departamento de Química da Universidade de Évora, que tem investigado temas como a biodegradação/tratamento de efluentes agrícolas.

A título de exemplo, em março, chuvas intensas atingiram várias regiões do sudeste do Brasil, resultando na morte de várias pessoas. O estado do Espírito Santo foi o mais afetado, pois as inundações foram especialmente severas. O governador de Espírito Santo descreveu a situação em Mimoso do Sul como caótica, com equipas de resgate a encontrarem mais vítimas após o desabamento de várias casas. No estado do Rio de Janeiro, algumas pessoas morreram devido a deslizamentos de terra, especialmente em áreas montanhosas como Petrópolis. Os meteorologistas atribuíram as chuvas intensas à passagem de uma frente fria pelo sul do Brasil, que depois afetou São Paulo, Rio de Janeiro e, finalmente, Espírito Santo. Esta tempestade ocorreu após um período de calor extremo na região, onde foi registada uma sensação térmica de 62,3ºC no Rio de Janeiro.

Em agosto do ano passado, enquanto a Eslovénia enfrentava as suas piores inundações, Veneza, em Itália, era atingida por granizo em pleno agosto. Na Sardenha e na Sicília, altas temperaturas preocupavam as autoridades, levando à evacuação de áreas afetadas por incêndios. Na Turquia, as rajadas de vento predominavam e na Califórnia os incêndios proliferavam. No Japão, o sul preparava-se para uma tempestade tropical, Khanun, com ventos fortes e riscos de inundações e deslizamentos de terra, enquanto a China recuperava dos estragos do tufão Doksuri.

Já o Ciclo Urbano da Água é o processo controlado pelo ser humano, que envolve a captação, tratamento, distribuição, uso e tratamento novamente da água. Inicia-se com a captação da água bruta em fontes como rios, lagos ou lençóis freáticos, seguida do tratamento em Estações de Tratamento de Água (ETA) para torná-la potável. Após o uso, a água residual é recolhida, tratada em Estações de Tratamento de Águas Residuais (ETAR) e devolvida ao meio ambiente com qualidade adequada.

“Há uma necessidade urgente de reutilizar as águas residuais urbanas. Também se deve melhorar o tratamento nas ETARs, pois muitos compostos presentes nas águas residuais são prejudiciais à saúde humana e aos ecossistemas aquáticos. Além disso, devemos ter em atenção o armazenamento adequado da água, especialmente em épocas de chuva, para lidar com escassez futura”, sublinha Ana Paula Pinto, que tem estado envolvida em estudos relacionados com a pesquisa de materiais adsorventes que são ecologicamente sustentáveis. Estes materiais têm a capacidade de remover ou imobilizar fármacos e os seus metabolitos presentes na água.

Relativamente ao primeiro ponto, na quarta-feira da semana passada, o Parlamento Europeu aprovou novas regras para a gestão, tratamento e descarga de águas residuais urbanas na União Europeia. Estas medidas visam proteger a saúde pública e o ambiente, estabelecendo prazos para melhorar o tratamento das águas residuais em toda a UE. Até 2035, todas as áreas urbanas com uma população equivalente de 1.000 habitantes ou mais devem implementar tratamento secundário das águas residuais, removendo a matéria orgânica biodegradável. Até 2039, o tratamento terciário, que remove azoto e fósforo, será obrigatório para áreas urbanas com uma população equivalente de 150.000 ou mais, e até 2045, para aquelas com uma população equivalente de 10.000 ou mais. Além disso, até 2045, um tratamento quaternário será exigido para remover uma ampla gama de micropoluentes em instalações com uma população equivalente de 150.000 ou mais.

A lei também inclui monitorização rigorosa de vários parâmetros de saúde pública, poluentes químicos, microplásticos e resistência antimicrobiana. Os fabricantes de medicamentos e produtos cosméticos terão responsabilidade alargada para cobrir parte dos custos do tratamento quaternário. Pelo menos 80% desses custos serão cobertos pelos produtores, com financiamento adicional dos governos nacionais.

Os países da UE devem promover a reutilização das águas residuais tratadas, especialmente em áreas com escassez de água. O relator do Parlamento Europeu destacou que essas medidas melhorarão significativamente os padrões de gestão e tratamento de águas residuais na Europa, especialmente no que diz respeito à remoção de micropoluentes de medicamentos e produtos de cuidados pessoais.

Em relação ao segundo ponto, março trouxe um alívio para Portugal, com chuvas fortes das tempestades Mónica e Nelson a aumentarem a disponibilidade de água. A maioria das barragens está com mais de 80% de volume armazenado, especialmente nas regiões Tejo, Douro e Alentejo. A Barragem do Alqueva estava quase cheia no início do mês de abril, o que é crucial para o abastecimento de água. No entanto, o Sul do país ainda enfrenta escassez de água. Ainda no final do ano passado, em dezembro, a seca aumentou no sul de Portugal, especialmente nos distritos de Setúbal, Beja e Faro, onde foi classificada como moderada. Este aumento da seca ocorreu num contexto em que dezembro de 2023 também foi o mês mais quente já registado globalmente, com uma temperatura média de 13,51 graus Celsius, 0,85 graus Celsius acima da média para o período de 1991 a 2020.