O recreio acabou


Putin, a leste, e Trump, a oeste, dizem-nos o que já sabíamos, mas queríamos que não se visse: “A Europa vai nua.” Temos de nos vestir – e depressa!


É frequente ouvir que as revoluções tragam os seus filhos. Num sentido não ideológico, mas institucional, podemos olhá-lo quanto às Forças Armadas em Portugal: os militares fizeram a revolução, deram-nos a democracia a 25 de Abril e a 25 de Novembro e, ao longo dos anos, o estado geral das Forças Armadas e da condição militar foi feito decair. Não é necessário dar exemplos, trata-se do panorama geral.

Os efectivos foram reduzidos à insuficiência, as instalações encolheram (havendo pressões a pôr em causa a cobertura do território), as remunerações e carreiras não honram a condição militar, o equipamento degrada-se e envelhece, sem substituição e modernização adequadas, a capacidade operacional está, de modo geral, em patamares mínimos, senão mesmo críticos. No meio deste quadro de penúria, só uma forte preparação técnica, brio e abnegação muito elevados e excepcionais capacidades de desempenho têm permitido que os militares portugueses continuem a dar prova de excelência, para prestígio de Portugal, nas missões internacionais em que são destacados.

Todo aquele quadro revela pouco respeito pelas Forças Armadas e pela condição militar. Mas, mais fundo, é fruto de pouco respeito pela realidade. Vivemos décadas em que o ambiente público cultivou a ideia latente da paz eterna, como se, por milagre, a guerra tivesse, de uma vez por todas, desaparecido do futuro. Não que isso não fosse bom; seria… mas não é assim. Claro que não devemos fazer política para fazer a guerra; mas temos de estar preparados para ela, se ela nos for feita. E é tanto menos provável termos de enfrentar uma guerra, quanto mais e melhor preparados estivermos para ela. “Si vis pacem, para bellum” (se queres a Paz, prepara a guerra), como diz o clássico ditado romano. Dizendo doutro modo: se não queres ser atacado, prepara bem a defesa. E, obviamente também, se vieres a ser atacado, que tenhas a capacidade para te defenderes e ganhar.

Este problema não é exclusivamente português. Não indo mais longe, é problema europeu, que, em maior ou menor grau, toca quase todos os Estados-membros da NATO, como os da União Europeia ou fora desta. O vento que soprou no pós-guerra foi, crescentemente, ou o da “paz eterna”, ou o de “os americanos defendem-nos”.

Essas ideias, que foram sempre erradas, mas prevaleciam, estão estilhaçada. Putin, a leste, e Trump, a oeste, mostraram como eram ideias falsas e inconsistentes. Um, de modo bruto e cruel, e outro, ameaçador e inconfiável, dizem-nos aquilo que já sabíamos, mas queríamos que não se visse: “A Europa vai nua.” É essencial darmo-nos conta e actuar em conformidade. Temos de nos vestir – e depressa! O recreio acabou.

Há duas semanas, como Presidente da Direcção da Sociedade Histórica da Independência de Portugal, escrevi este parágrafo no Editorial do último Boletim Informativo: «A maior inquietação do futuro próximo está na situação internacional, dominada pela agressão e invasão da Rússia à Ucrânia. A guerra decidida por Vladimir Putin prossegue em nível extremamente perigoso. Pode alastrar a qualquer momento, rompendo a paz na Europa e no mundo. Portugal é também atingido e envolvido, enquanto membro da NATO e da União Europeia, devendo estar preparado para esses perigos. Claro que, antes de mais, devemos agir energicamente pela diplomacia e pela política internacional, nas Nações Unidas e noutros quadros multilaterais e bilaterais, para levar a Rússia a reconsiderar e a regressar às suas fronteiras e ao direito internacional. Desejamos viver em paz com o povo russo e não há quem queira agredir a Rússia e ocupar-lhe território. Esperamos que a Rússia faça o mesmo e cesse a invasão dos vizinhos, que põe em crise a paz europeia e mundial. Mas enquanto a Rússia mantém e agrava a agressão, temos de nos prevenir, com os nossos aliados, para enfrentar e vencer uma eventual guerra. O competente e devido apetrechamento das nossas Forças Armadas e o regresso do serviço militar obrigatório, cuja falta há muito se sente, são, assim, de alta prioridade nacional, para estarmos prontos a responder a qualquer chamada do futuro. Os mais graves desafios enfrentam-se e vencem-se, estando preparados. É imperativo político e militar, de curto, médio e longo prazo, que não pode ser adiado.»

O apetrechamento material parece pacífico no plano dos conceitos, sendo apenas uma questão orçamental. Já não quanto aos recursos humanos e ao serviço militar obrigatório (SMO), a que sou favorável e que vejo também como factor positivo de coesão social, de integração geral da sociedade portuguesa e até como elevador social – uma componente de uma democracia de qualidade.

Quando falo de SMO, não afasto conceitos como o de Serviço Nacional de Cidadania (SNC), que tem sido apresentado. E, como é óbvio, também não o defendo como “fuga para a frente”. A resposta tem de começar pelos problemas que existem. É essencial e prioritário resolver os problemas acumulados nas carreiras e remunerações dos corpos profissionais das Forças Armadas e verificar o respectivo efeito na atracção e captação de novos efectivos. Mas não podemos, em modo de avestruz, continuar com a cabeça debaixo da areia, sem nada fazer, nem amadurecer, e, um dia, já num quadro de extremo perigo, ter de declarar-se a mobilização geral de cidadãos totalmente impreparados.

Penso que o governo não deve ser pressionado a tomar decisões nesta altura, mas deve favorecer o diálogo, que permita a tomada de decisões amadurecidas, quando e se chegar a altura. Por um lado, diálogo estreito e intenso com os pares na NATO e na UE – como disse, é um problema europeu, problema comum entre aliados. Por outro, debate na sociedade portuguesa, nas diferentes correntes cívicas e políticas e entre jovens. Pensar é preciso. Falar é preciso. Encarar é preciso.

Uma política de Defesa tem de estar sempre por cima dos riscos, nunca por debaixo destes. Por isso, temos de atingir rapidamente o mais rigoroso conhecimento dos riscos que se perfilam e do que há a fazer para os conter, para os afastar, para os vencer.

O recreio acabou


Putin, a leste, e Trump, a oeste, dizem-nos o que já sabíamos, mas queríamos que não se visse: “A Europa vai nua.” Temos de nos vestir – e depressa!


É frequente ouvir que as revoluções tragam os seus filhos. Num sentido não ideológico, mas institucional, podemos olhá-lo quanto às Forças Armadas em Portugal: os militares fizeram a revolução, deram-nos a democracia a 25 de Abril e a 25 de Novembro e, ao longo dos anos, o estado geral das Forças Armadas e da condição militar foi feito decair. Não é necessário dar exemplos, trata-se do panorama geral.

Os efectivos foram reduzidos à insuficiência, as instalações encolheram (havendo pressões a pôr em causa a cobertura do território), as remunerações e carreiras não honram a condição militar, o equipamento degrada-se e envelhece, sem substituição e modernização adequadas, a capacidade operacional está, de modo geral, em patamares mínimos, senão mesmo críticos. No meio deste quadro de penúria, só uma forte preparação técnica, brio e abnegação muito elevados e excepcionais capacidades de desempenho têm permitido que os militares portugueses continuem a dar prova de excelência, para prestígio de Portugal, nas missões internacionais em que são destacados.

Todo aquele quadro revela pouco respeito pelas Forças Armadas e pela condição militar. Mas, mais fundo, é fruto de pouco respeito pela realidade. Vivemos décadas em que o ambiente público cultivou a ideia latente da paz eterna, como se, por milagre, a guerra tivesse, de uma vez por todas, desaparecido do futuro. Não que isso não fosse bom; seria… mas não é assim. Claro que não devemos fazer política para fazer a guerra; mas temos de estar preparados para ela, se ela nos for feita. E é tanto menos provável termos de enfrentar uma guerra, quanto mais e melhor preparados estivermos para ela. “Si vis pacem, para bellum” (se queres a Paz, prepara a guerra), como diz o clássico ditado romano. Dizendo doutro modo: se não queres ser atacado, prepara bem a defesa. E, obviamente também, se vieres a ser atacado, que tenhas a capacidade para te defenderes e ganhar.

Este problema não é exclusivamente português. Não indo mais longe, é problema europeu, que, em maior ou menor grau, toca quase todos os Estados-membros da NATO, como os da União Europeia ou fora desta. O vento que soprou no pós-guerra foi, crescentemente, ou o da “paz eterna”, ou o de “os americanos defendem-nos”.

Essas ideias, que foram sempre erradas, mas prevaleciam, estão estilhaçada. Putin, a leste, e Trump, a oeste, mostraram como eram ideias falsas e inconsistentes. Um, de modo bruto e cruel, e outro, ameaçador e inconfiável, dizem-nos aquilo que já sabíamos, mas queríamos que não se visse: “A Europa vai nua.” É essencial darmo-nos conta e actuar em conformidade. Temos de nos vestir – e depressa! O recreio acabou.

Há duas semanas, como Presidente da Direcção da Sociedade Histórica da Independência de Portugal, escrevi este parágrafo no Editorial do último Boletim Informativo: «A maior inquietação do futuro próximo está na situação internacional, dominada pela agressão e invasão da Rússia à Ucrânia. A guerra decidida por Vladimir Putin prossegue em nível extremamente perigoso. Pode alastrar a qualquer momento, rompendo a paz na Europa e no mundo. Portugal é também atingido e envolvido, enquanto membro da NATO e da União Europeia, devendo estar preparado para esses perigos. Claro que, antes de mais, devemos agir energicamente pela diplomacia e pela política internacional, nas Nações Unidas e noutros quadros multilaterais e bilaterais, para levar a Rússia a reconsiderar e a regressar às suas fronteiras e ao direito internacional. Desejamos viver em paz com o povo russo e não há quem queira agredir a Rússia e ocupar-lhe território. Esperamos que a Rússia faça o mesmo e cesse a invasão dos vizinhos, que põe em crise a paz europeia e mundial. Mas enquanto a Rússia mantém e agrava a agressão, temos de nos prevenir, com os nossos aliados, para enfrentar e vencer uma eventual guerra. O competente e devido apetrechamento das nossas Forças Armadas e o regresso do serviço militar obrigatório, cuja falta há muito se sente, são, assim, de alta prioridade nacional, para estarmos prontos a responder a qualquer chamada do futuro. Os mais graves desafios enfrentam-se e vencem-se, estando preparados. É imperativo político e militar, de curto, médio e longo prazo, que não pode ser adiado.»

O apetrechamento material parece pacífico no plano dos conceitos, sendo apenas uma questão orçamental. Já não quanto aos recursos humanos e ao serviço militar obrigatório (SMO), a que sou favorável e que vejo também como factor positivo de coesão social, de integração geral da sociedade portuguesa e até como elevador social – uma componente de uma democracia de qualidade.

Quando falo de SMO, não afasto conceitos como o de Serviço Nacional de Cidadania (SNC), que tem sido apresentado. E, como é óbvio, também não o defendo como “fuga para a frente”. A resposta tem de começar pelos problemas que existem. É essencial e prioritário resolver os problemas acumulados nas carreiras e remunerações dos corpos profissionais das Forças Armadas e verificar o respectivo efeito na atracção e captação de novos efectivos. Mas não podemos, em modo de avestruz, continuar com a cabeça debaixo da areia, sem nada fazer, nem amadurecer, e, um dia, já num quadro de extremo perigo, ter de declarar-se a mobilização geral de cidadãos totalmente impreparados.

Penso que o governo não deve ser pressionado a tomar decisões nesta altura, mas deve favorecer o diálogo, que permita a tomada de decisões amadurecidas, quando e se chegar a altura. Por um lado, diálogo estreito e intenso com os pares na NATO e na UE – como disse, é um problema europeu, problema comum entre aliados. Por outro, debate na sociedade portuguesa, nas diferentes correntes cívicas e políticas e entre jovens. Pensar é preciso. Falar é preciso. Encarar é preciso.

Uma política de Defesa tem de estar sempre por cima dos riscos, nunca por debaixo destes. Por isso, temos de atingir rapidamente o mais rigoroso conhecimento dos riscos que se perfilam e do que há a fazer para os conter, para os afastar, para os vencer.