Portugal: campeão do chuto para canto


Na política atirar para canto traduz-se no adiamento de decisões.


Ponto prévio: Quem enfrenta Putin, morre. Seja um democrata ou um ser com instintos ainda mais violentos do que o czar atual. Se tiver níveis de popularidade elevados e for adversário incómodo tem o destino marcado. Putin é recorrente no assassinato político. Foi criado num caldo de violência, sendo um agente da KGB, tendo contactos estreitos com o submundo criminoso de S. Petersburgo. Alexei Navalny morreu numa horrível prisão siberiana, um Gulag destes tempos. Foi condenado a penas sucessivas. Foi o maior opositor de Putin durante anos. Era um nacionalista que defendia uma grande Rússia. Só que ia pela via democrática, o que é impensável naquelas paragens de gente que se curva a tudo, ao contrário dos polacos e de parte dos ucranianos, que não vergam. Navalny chegou a ser envenenado. Escapou por pouco por intervenção de Merkel que o acolheu e tratou na Alemanha. Valente, regressou à Rússia onde foi preso imediatamente. A morte de Navalny, cujo corpo não foi logo entregue à família em mais um gesto miserável, é um sinal inequívoco de tirania, nas vésperas do início da farsa de campanha eleitoral que vai reconduzir Putin. Os candidatos incómodos foram barrados administrativamente. Anda por lá um para fazer de conta. Os 80% de votos estão garantidos. Falar em guerra na campanha está fora de questão. A palavra é proibida depois da segunda invasão da Ucrânia, faz agora dois anos (a primeira foi em 2014 com a anexação da Crimeia). No terreno, a Rússia ganha e desgasta. Tem mais força bruta. Tem mais dinheiro. Tem o apoio da China, do Irão e da Coreia do Norte. Tem os “russos” do Oriente como carne para canhão. Os ucranianos defendem-se como podem. As democracias ocidentais apoiam Kiev. Mas se Trump ganhar e o congresso americano bloquear ajudas, a derrota é certa. Trump é uma ameaça interna para a democracia americana. No mundo é um lacaio de Putin que, ao que se diz, o chantageia com elementos comprometedores sobre debochadas estadias na Rússia e estranhos negócios. Os tempos estão difíceis para quem ama a Democracia, a Liberdade e a Paz.

1. Como no futebol, na política portuguesa o chuto para canto é um atalho oportuno. Foi dito pela Procuradoria-Geral da República que António Costa estava a ser investigado. Vai daí demitiu-se e vamos para eleições, depois de o PS ter eleito novo líder. Foi canto, portanto! Atirou-se a bola para o meio da molhada socialista e agora para o plenário dos portugueses e logo se vê. Nos Açores houve eleições antecipadas. Delas saiu um resultado confuso e chuta-se para canto. Espera-se pelo que vier do confronto geral da República para não contaminar os decisores globais com coligações açorianas. Foi um pontapé para a bancada junto à linha de fundo. Na Madeira, a nomenclatura social-democrata é apanhada numa situação judiciariamente complexa com grande aparato. O presidente do governo regional é arguido e demite-se precipitadamente. O desembarque, num primeiro tempo, não dá em nada. Um juiz assegura não ver ali problema de maior. Vai tudo para casa, com termo de identidade e residência, coisa a que qualquer um pode ficar sujeito por ter dito que a Dona Balbina do rés-do-chão é calhandreira. Como o homem do PS-Madeira também já teve chatices, o Representante da República poupa o Chefe de Estado a uma decisão imediata e também chuta para canto, até porque a Assembleia Regional não pode ser dissolvida antes de 24 de março. Fica tudo em águas de bacalhau, com o governo em gestão até pouco depois das eleições nacionais, o que evita mais confusão. Na política, chutar para canto é uma solução tão óbvia como na bola. Corta-se uma jogada de risco. Antes isso de que um penálti. O eleitor funciona como uma espécie de VAR que analisa as jogadas e dá uma opinião ao árbitro para que ele decida. Percebe-se a cautela do Presidente Marcelo. “Vai devagar se queres chegar depressa” é um oportuno provérbio a que se junta “mais vale um bom canto do que um grande campo”. Uma coisa, porém, é certa: o tempo que medeia entre chamar o povo a pronunciar-se e o resultado final é enorme entre nós. Há que rever os timings urgentemente para que não se percam três meses em campanhas de dois em dois anos, sobretudo numa época em que tudo acontece num ápice e que há a tendência para uma pulverização política.

2. No momento de enviar esta crónica, o debate entre Pedro Nuno Santos e Luís Montenegro ainda não tinha ocorrido. É provável que tenha sido importante, mas não decisivo. Mesmo que um seja tido por vencedor, o tempo que medeia até às legislativas é gigante em política e no sobressaltado mundo judicial português. Além disso, segue-se a campanha eleitoral legal. Há que ter em conta que nela vão aparecer partidos e propostas que não tiveram acesso a debates que estão discricionariamente limitados aos partidos com assento parlamentar. O modelo político-mediático português é original e relativamente democrático. Até permite aos comentadores momentos de estrelato e a donos e fundadores de agências de comunicação fazerem de conta que são isentos. Todos ganham com o espetáculo como o prova a circunstância das audiências serem fartas e das queixas serem poucas. No submundo das redes sociais desenvolvem-se campanhas abjetas que insultam, destratam e mentem despudoradamente para todos os lados. Há ainda uma profusão de cartazes de rua que, além de pouco originais, são um perigo para quem guia ou pretende atravessar passadeiras. Segundo os estudos mais recentes, a AD seguia até ontem ligeiramente à frente do PS. Com o Chega e os liberais incluídos, a direita aparenta uma vantagem enorme e até estranha para um povo que normalmente vota mais à esquerda e nunca se radicalizou em 50 anos. Provavelmente ainda há muita coisa em aberto até ao dia D. Nos debates anteriores, Montenegro apresentou-se acima do esperado para quem não o conhecia. Já Pedro Nuno Santos não esteve tão à vontade, mas não se pode dizer que tenha falhado. Antes pelo contrário.

3. Convém lembrar que as coligações se dissolvem no dia imediato ao das eleições. Significa que cada partido retoma a sua personalidade e autonomia. Há evidentemente convergências acertadas, mas não são obrigações estritas. Tanto assim é que há, em todas as democracias, coligações que implodem por questões que muitas vezes até se prendem com divergências em temas ditos fraturantes ou ambientais. Uma das coisas que vai ter de se considerar com muita atenção na noite eleitoral é a conversão dos votos em mandatos. Ainda que haja uma maioria de direita moderada, excluindo portanto o Chega, não é indiferente ser o PSD ou o PS a ter mais assentos. Quem ocupar mais lugares no hemiciclo pode não ser quem governa, mas será o maior partido parlamentar. E isso não será um detalhe político.

4. Diogo Ribeiro vinha prometendo e cumpriu. O jovem nadador tornou-se bicampeão do mundo de natação ao vencer os 50 e os 100 metros mariposa. O percurso de vida do jovem atleta do Benfica não foi fácil. É órfão de pai desde os quatro anos e sofreu um grave acidente de mota de que levou meses a recuperar. Voltou e venceu. Diogo Ribeiro já é um grande campeão à escala mundial. É fruto de uma entrega total, de muito treino, de sacrifício de tempos livres, de uma sábia orientação técnica e mental e certamente de uma grande e dedicada mãe.

5. Morreu o jornalista Francisco Ribeiro Soares, aos 84 anos. Trabalhou em vários órgãos de comunicação social, designadamente na RTP, na Rádio Renascença e na revista Observador, antes do 25 de Abril. Assumido monárquico, formou-se tardiamente e escreveu vários livros. Num deles dizia com rara sabedoria que “mais do que terra os portugueses descobriram Mar”, numa forma única de assinalar a bravura dos nossos antepassados, dos quais era digno descendente. Francisco era uma das poucas pessoas que não tinha email, nem carta de condução, nem carro. Escrevia cartas aos amigos, como antigamente. Era um magnífico ser humano. RIP, Xico.

Portugal: campeão do chuto para canto


Na política atirar para canto traduz-se no adiamento de decisões.


Ponto prévio: Quem enfrenta Putin, morre. Seja um democrata ou um ser com instintos ainda mais violentos do que o czar atual. Se tiver níveis de popularidade elevados e for adversário incómodo tem o destino marcado. Putin é recorrente no assassinato político. Foi criado num caldo de violência, sendo um agente da KGB, tendo contactos estreitos com o submundo criminoso de S. Petersburgo. Alexei Navalny morreu numa horrível prisão siberiana, um Gulag destes tempos. Foi condenado a penas sucessivas. Foi o maior opositor de Putin durante anos. Era um nacionalista que defendia uma grande Rússia. Só que ia pela via democrática, o que é impensável naquelas paragens de gente que se curva a tudo, ao contrário dos polacos e de parte dos ucranianos, que não vergam. Navalny chegou a ser envenenado. Escapou por pouco por intervenção de Merkel que o acolheu e tratou na Alemanha. Valente, regressou à Rússia onde foi preso imediatamente. A morte de Navalny, cujo corpo não foi logo entregue à família em mais um gesto miserável, é um sinal inequívoco de tirania, nas vésperas do início da farsa de campanha eleitoral que vai reconduzir Putin. Os candidatos incómodos foram barrados administrativamente. Anda por lá um para fazer de conta. Os 80% de votos estão garantidos. Falar em guerra na campanha está fora de questão. A palavra é proibida depois da segunda invasão da Ucrânia, faz agora dois anos (a primeira foi em 2014 com a anexação da Crimeia). No terreno, a Rússia ganha e desgasta. Tem mais força bruta. Tem mais dinheiro. Tem o apoio da China, do Irão e da Coreia do Norte. Tem os “russos” do Oriente como carne para canhão. Os ucranianos defendem-se como podem. As democracias ocidentais apoiam Kiev. Mas se Trump ganhar e o congresso americano bloquear ajudas, a derrota é certa. Trump é uma ameaça interna para a democracia americana. No mundo é um lacaio de Putin que, ao que se diz, o chantageia com elementos comprometedores sobre debochadas estadias na Rússia e estranhos negócios. Os tempos estão difíceis para quem ama a Democracia, a Liberdade e a Paz.

1. Como no futebol, na política portuguesa o chuto para canto é um atalho oportuno. Foi dito pela Procuradoria-Geral da República que António Costa estava a ser investigado. Vai daí demitiu-se e vamos para eleições, depois de o PS ter eleito novo líder. Foi canto, portanto! Atirou-se a bola para o meio da molhada socialista e agora para o plenário dos portugueses e logo se vê. Nos Açores houve eleições antecipadas. Delas saiu um resultado confuso e chuta-se para canto. Espera-se pelo que vier do confronto geral da República para não contaminar os decisores globais com coligações açorianas. Foi um pontapé para a bancada junto à linha de fundo. Na Madeira, a nomenclatura social-democrata é apanhada numa situação judiciariamente complexa com grande aparato. O presidente do governo regional é arguido e demite-se precipitadamente. O desembarque, num primeiro tempo, não dá em nada. Um juiz assegura não ver ali problema de maior. Vai tudo para casa, com termo de identidade e residência, coisa a que qualquer um pode ficar sujeito por ter dito que a Dona Balbina do rés-do-chão é calhandreira. Como o homem do PS-Madeira também já teve chatices, o Representante da República poupa o Chefe de Estado a uma decisão imediata e também chuta para canto, até porque a Assembleia Regional não pode ser dissolvida antes de 24 de março. Fica tudo em águas de bacalhau, com o governo em gestão até pouco depois das eleições nacionais, o que evita mais confusão. Na política, chutar para canto é uma solução tão óbvia como na bola. Corta-se uma jogada de risco. Antes isso de que um penálti. O eleitor funciona como uma espécie de VAR que analisa as jogadas e dá uma opinião ao árbitro para que ele decida. Percebe-se a cautela do Presidente Marcelo. “Vai devagar se queres chegar depressa” é um oportuno provérbio a que se junta “mais vale um bom canto do que um grande campo”. Uma coisa, porém, é certa: o tempo que medeia entre chamar o povo a pronunciar-se e o resultado final é enorme entre nós. Há que rever os timings urgentemente para que não se percam três meses em campanhas de dois em dois anos, sobretudo numa época em que tudo acontece num ápice e que há a tendência para uma pulverização política.

2. No momento de enviar esta crónica, o debate entre Pedro Nuno Santos e Luís Montenegro ainda não tinha ocorrido. É provável que tenha sido importante, mas não decisivo. Mesmo que um seja tido por vencedor, o tempo que medeia até às legislativas é gigante em política e no sobressaltado mundo judicial português. Além disso, segue-se a campanha eleitoral legal. Há que ter em conta que nela vão aparecer partidos e propostas que não tiveram acesso a debates que estão discricionariamente limitados aos partidos com assento parlamentar. O modelo político-mediático português é original e relativamente democrático. Até permite aos comentadores momentos de estrelato e a donos e fundadores de agências de comunicação fazerem de conta que são isentos. Todos ganham com o espetáculo como o prova a circunstância das audiências serem fartas e das queixas serem poucas. No submundo das redes sociais desenvolvem-se campanhas abjetas que insultam, destratam e mentem despudoradamente para todos os lados. Há ainda uma profusão de cartazes de rua que, além de pouco originais, são um perigo para quem guia ou pretende atravessar passadeiras. Segundo os estudos mais recentes, a AD seguia até ontem ligeiramente à frente do PS. Com o Chega e os liberais incluídos, a direita aparenta uma vantagem enorme e até estranha para um povo que normalmente vota mais à esquerda e nunca se radicalizou em 50 anos. Provavelmente ainda há muita coisa em aberto até ao dia D. Nos debates anteriores, Montenegro apresentou-se acima do esperado para quem não o conhecia. Já Pedro Nuno Santos não esteve tão à vontade, mas não se pode dizer que tenha falhado. Antes pelo contrário.

3. Convém lembrar que as coligações se dissolvem no dia imediato ao das eleições. Significa que cada partido retoma a sua personalidade e autonomia. Há evidentemente convergências acertadas, mas não são obrigações estritas. Tanto assim é que há, em todas as democracias, coligações que implodem por questões que muitas vezes até se prendem com divergências em temas ditos fraturantes ou ambientais. Uma das coisas que vai ter de se considerar com muita atenção na noite eleitoral é a conversão dos votos em mandatos. Ainda que haja uma maioria de direita moderada, excluindo portanto o Chega, não é indiferente ser o PSD ou o PS a ter mais assentos. Quem ocupar mais lugares no hemiciclo pode não ser quem governa, mas será o maior partido parlamentar. E isso não será um detalhe político.

4. Diogo Ribeiro vinha prometendo e cumpriu. O jovem nadador tornou-se bicampeão do mundo de natação ao vencer os 50 e os 100 metros mariposa. O percurso de vida do jovem atleta do Benfica não foi fácil. É órfão de pai desde os quatro anos e sofreu um grave acidente de mota de que levou meses a recuperar. Voltou e venceu. Diogo Ribeiro já é um grande campeão à escala mundial. É fruto de uma entrega total, de muito treino, de sacrifício de tempos livres, de uma sábia orientação técnica e mental e certamente de uma grande e dedicada mãe.

5. Morreu o jornalista Francisco Ribeiro Soares, aos 84 anos. Trabalhou em vários órgãos de comunicação social, designadamente na RTP, na Rádio Renascença e na revista Observador, antes do 25 de Abril. Assumido monárquico, formou-se tardiamente e escreveu vários livros. Num deles dizia com rara sabedoria que “mais do que terra os portugueses descobriram Mar”, numa forma única de assinalar a bravura dos nossos antepassados, dos quais era digno descendente. Francisco era uma das poucas pessoas que não tinha email, nem carta de condução, nem carro. Escrevia cartas aos amigos, como antigamente. Era um magnífico ser humano. RIP, Xico.