Seiji Ozawa. O maestro asiático que triunfou no Ocidente

Seiji Ozawa. O maestro asiático que triunfou no Ocidente


1935-2024. Dirigiu a Sinfónica de Boston durante 29 anos.


Gostava de obras longas e complexas, que abordava com rigor, intensidade e subtileza. E podia comover-se só de olhar para uma partitura de Mahler. Tendo emigrado para a Europa em jovem para estudar música, conseguiu impor-se, apesar da aparente desvantagem de ser um forasteiro num meio altamente competitivo. Mas também chegou a ser apupado, como conta num livro de conversas com o romancista Haruki Murakami, Música, só música (ed. Casa das Letras). Seiji Ozawa, o primeiro maestro asiático a liderar uma grande orquestra americana, morreu em sua casa, em Tóquio, de falha cardíaca, aos 88 anos.

Filho de japoneses, nasceu a 1 de setembro de 1935 em Shenyang, na Manchúria, região do Norte da China que na altura estava ocupada pelo império nipónico. Em 1944 a família regressou ao Japão insular. Ali, Ozawa estudou direção de orquestra com Hideo Saito, o mais destacado promotor e cultor da música clássica ocidental no Japão.

Mas o jovem músico queria ir beber à fonte. Em 1959 embarcou num cargueiro rumo à Europa levando, como conta o New York Times, uma lambreta e uma guitarra.

«Venceu um concurso para maestros nesse ano em Besançon, França», continua o jornal norte-americano, «e foi convidado por um dos jurados, Charles Munch, então diretor musical da Sinfónica de Boston, para estudar no Berkshire Music Center em Tanglewood, a residência de verão da orquestra».

Foi aí que descobriu a música de Mahler, o que descreveu como «um choque brutal». «Nunca pensei que pudesse existir uma música assim», afirmou em conversa com Murakami.

Era ainda estudante quando um influente – e acutilante – crítico musical do New York Times, depois de o ver dirigir uma orquestra de jovens, escreveu:_«Lembrem-se bem do nome deste maestro».

Também na escola de Tanglewood venceu o prémio Koussevitzky, para alunos fora-de-série, o que lhe permitiu regressar à Europa, desta vez para estudar com o lendário Herbert von Karajan em Berlim.

Quando a Filarmónica de Nova Iorque estava em digressão pela Alemanha, em 1960, Leonard Bernstein, o seu titular andava à procura de um terceiro maestro assistente. Ozawa foi à entrevista. «Na época, o meu inglês era péssimo, mal dava para perceber o que me diziam, mas lá passei no teste». Tornou-se o assistente predileto de Bernstein, que aos poucos lhe foi dando responsabilidades crescentes. Quando a orquestra fez uma digressão ao Japão, Bernstein recuou para segundo plano e deu todo o protagonismo ao discípulo.

«No total, passei dois anos e meio em Nova Iorque, sempre em apartamentos modestíssimos», recordou em Música, só música. «Graças ao aumento, depois de me casar pudemos mudar-nos para um andar mais alto, mas o verão em Nova Iorque é muito quente e, claro, não tínhamos ar condicionado. Resultado: uma vez que não conseguíamos dormir, íamos a um cinema ao virar da esquina onde havia sessões contínuas e passávamos ali a noite. Atendendo a que morávamos perto da Broadway, havia muitos cinemas desses», recordou.

Depois de aprender com Karajan e de ser apadrinhado por Bernstein, estava estendida a passadeira para uma carreira brilhante. Em 1965 assumiu a direção musical da Orquestra Sinfónica de Toronto e, cinco anos depois, ocupava o mesmo cargo mas na Sinfónica de São Francisco.

Foi, contudo, à frente da Sinfónica de Boston, a partir de 1973, que se projetou para outro patamar de notoriedade. Ainda assim, nem o brilhante currículo lhe evitou alguns sobressaltos. «Fui objeto de uma assobiadela monumental na primeira vez que dirigi a Tosca, no Scala de Milão, em 1980, com o Pavarotti», contou a Murakami. Karajan tinha-o avisado: «É puro suicídio, vais ser trucidado». O público italiano não gostou de ver um japonês com uma cabeleira indómita no seu palco mais sagrado. «Tal como seria de prever, começaram por me apupar, e fui recebido com uma assobiadela monumental. Dirigi a orquestra ao longo de sete récitas e, ao terceiro dia, quando me dei conta, tinham deixado de me assobiar… A partir daí tudo começou a correr sobre rodas».

Ozawa manteve-se à frente da Sinfónica de Boston até 2002 – pelo meio (em 1984) ainda ajudou a fundar no Japão a Orquestra Saito Kinen, em honra ao seu primeiro mestre. Depois de Boston, foi para Viena, dirigir a Ópera Estatal. Em 2010, problemas de saúde obrigaram-no a encurtar um ciclo agendado para o Carnegie Hall. Em 2015 voltou aos EUA para ser homenageado por Barack Obama e no ano seguinte deu o seu último concerto, à frente da Filarmónica de Berlim.