Para que serve o Tribunal Internacional de Justiça?


Os Estados, como os indivíduos, têm um ego a preservar e não gostam de ser condenados, mesmo se por tribunais internacionais cujas decisões podem não cumprir. A condenação moral também dói.


No dia 29 de Dezembro de 2023 a República da África do Sul intentou no Tribunal Internacional de Justiça (TIJ) uma acção contra o Estado de Israel, alegando diversas violações da Convenção para a prevenção e repressão do genocídio, de 1948. O seu artigo IX confere ao TIJ a competência para interpretar e aplicar a Convenção. Sendo a jurisdição do TIJ voluntária (ou seja os Estados são livres de aceitar submeter um litígio ao Tribunal) e elevado o número de Partes naquela Convenção, a mesma tem servido em tempos recentes como habilitação para vários casos perante o TIJ (Gâmbia v. Mianmar, Ucrânia v. Federação Russa). O TIJ pode decretar medidas provisórias, destinadas a tutelar os direitos cuja violação é alegada, à semelhança do que acontece na ordem jurídica portuguesa com as providências cautelares. Os pedidos de medidas provisórias junto do TIJ têm aumentado exponencialmente como forma de contrariar a lentidão das decisões do Tribunal, lentidão que também resulta da conduta das Partes.

A África do Sul apresentou com a petição inicial um pedido de medidas provisórias. No dia 26 de Janeiro (menos de um mês depois do pedido) o TIJ decidiu sobre aquelas medidas. Fê-lo como tínhamos antecipado, a favor do pedido da África do Sul. As diversas decisões foram tomadas por maiorias expressivas (15/2 e 16/1). Se quisermos descontar os dois juízes ad-hoc indicados pelas Partes por não integrarem o TIJ juízes da respectiva nacionalidade, a base da decisão é de 14/1.

Este resultado significa que a África do Sul convenceu a esmagadora maioria do Tribunal quanto ao perigo de terem sido cometidos por Israel crimes de genocídio contra os palestinianos na  faixa de Gaza. Tal significa que a maioria do TIJ considerou como provável a existência de um dolus specialis por parte de Israel (“a intenção de destruir, no todo ou em parte um grupo nacional” como tipificado no artigo 2º da Convenção). A prova apresentada coligia uma série de declarações de vários Ministros, altas patentes militares e do Presidente de Israel. Na audiência pública a defesa de Israel considerou que os Ministros cujas declarações poderiam servir de prova à alegada intenção genocida não representam o Governo para efeitos das decisões relativas às operações na Faixa de Gaza. Segundo a defesa só os membros do Gabinete de Guerra (que integra um número reduzido de Ministros) podem ser responsabilizados pelas decisões relativas às acções militares em Gaza.

O pedido da África do Sul foi decalcado das várias obrigações previstas na Convenção (comissão e incitamento do genocídio) com o acrescento da obrigação de permitir o fornecimento de serviços básicos e de ajuda humanitária e a protecção da prova relativa às violações da Convenção.

Conhecedora das limitações do Tribunal em sede de separação de poderes em relação ao Conselho de Segurança (CS) e à Assembleia Geral (AG) da ONU aquando da avaliação do uso da força, a África do Sul não solicitou ao TIJ um cessar fogo ou uma qualquer apreciação do exercício da legítima defesa. Esta opção permitiu a Israel declarar a não decisão de um cessar fogo como uma vitória.

O TIJ também concedeu o pedido de um relatório, a elaborar por Israel no prazo de 30 dias, de execução das decisões do Tribunal. A execução das decisões do TIJ que não sejam voluntariamente cumpridas pelos Estados fica na dependência do Conselho de Segurança onde os cruzamentos de vetos exercidos pelos membros permanentes tem paralisado o Conselho.

Para que serve o Tribunal Internacional de Justiça?


Os Estados, como os indivíduos, têm um ego a preservar e não gostam de ser condenados, mesmo se por tribunais internacionais cujas decisões podem não cumprir. A condenação moral também dói.


No dia 29 de Dezembro de 2023 a República da África do Sul intentou no Tribunal Internacional de Justiça (TIJ) uma acção contra o Estado de Israel, alegando diversas violações da Convenção para a prevenção e repressão do genocídio, de 1948. O seu artigo IX confere ao TIJ a competência para interpretar e aplicar a Convenção. Sendo a jurisdição do TIJ voluntária (ou seja os Estados são livres de aceitar submeter um litígio ao Tribunal) e elevado o número de Partes naquela Convenção, a mesma tem servido em tempos recentes como habilitação para vários casos perante o TIJ (Gâmbia v. Mianmar, Ucrânia v. Federação Russa). O TIJ pode decretar medidas provisórias, destinadas a tutelar os direitos cuja violação é alegada, à semelhança do que acontece na ordem jurídica portuguesa com as providências cautelares. Os pedidos de medidas provisórias junto do TIJ têm aumentado exponencialmente como forma de contrariar a lentidão das decisões do Tribunal, lentidão que também resulta da conduta das Partes.

A África do Sul apresentou com a petição inicial um pedido de medidas provisórias. No dia 26 de Janeiro (menos de um mês depois do pedido) o TIJ decidiu sobre aquelas medidas. Fê-lo como tínhamos antecipado, a favor do pedido da África do Sul. As diversas decisões foram tomadas por maiorias expressivas (15/2 e 16/1). Se quisermos descontar os dois juízes ad-hoc indicados pelas Partes por não integrarem o TIJ juízes da respectiva nacionalidade, a base da decisão é de 14/1.

Este resultado significa que a África do Sul convenceu a esmagadora maioria do Tribunal quanto ao perigo de terem sido cometidos por Israel crimes de genocídio contra os palestinianos na  faixa de Gaza. Tal significa que a maioria do TIJ considerou como provável a existência de um dolus specialis por parte de Israel (“a intenção de destruir, no todo ou em parte um grupo nacional” como tipificado no artigo 2º da Convenção). A prova apresentada coligia uma série de declarações de vários Ministros, altas patentes militares e do Presidente de Israel. Na audiência pública a defesa de Israel considerou que os Ministros cujas declarações poderiam servir de prova à alegada intenção genocida não representam o Governo para efeitos das decisões relativas às operações na Faixa de Gaza. Segundo a defesa só os membros do Gabinete de Guerra (que integra um número reduzido de Ministros) podem ser responsabilizados pelas decisões relativas às acções militares em Gaza.

O pedido da África do Sul foi decalcado das várias obrigações previstas na Convenção (comissão e incitamento do genocídio) com o acrescento da obrigação de permitir o fornecimento de serviços básicos e de ajuda humanitária e a protecção da prova relativa às violações da Convenção.

Conhecedora das limitações do Tribunal em sede de separação de poderes em relação ao Conselho de Segurança (CS) e à Assembleia Geral (AG) da ONU aquando da avaliação do uso da força, a África do Sul não solicitou ao TIJ um cessar fogo ou uma qualquer apreciação do exercício da legítima defesa. Esta opção permitiu a Israel declarar a não decisão de um cessar fogo como uma vitória.

O TIJ também concedeu o pedido de um relatório, a elaborar por Israel no prazo de 30 dias, de execução das decisões do Tribunal. A execução das decisões do TIJ que não sejam voluntariamente cumpridas pelos Estados fica na dependência do Conselho de Segurança onde os cruzamentos de vetos exercidos pelos membros permanentes tem paralisado o Conselho.