É um cenário comum em vários filmes ou séries. E, na realidade, para muitos, um grande momento de aflição na vida real: uma pessoa tem um acidente e fica em morte cerebral. O que fazer? Na maior parte dos casos, essa escolha fica nas mãos da família e dos médicos que, muitas vezes, discordam. No entanto, as coisas são diferentes e mais claras quando existe uma Diretiva Antecipada de Vontade (DAV). Quando podemos decidir ainda lúcidos aquilo que desejamos para quando já não o seremos, decidir tudo até ao fim. Apesar de a morte continuar a ser um tabu, são cada vez mais as pessoas que pensam nela e acreditam que merecem que esta seja a mais digna. Mas afinal o que é esta DAV? Quem e quando se pode fazê-lo? Paga-se alguma coisa? Qual o seu prazo de validade e quantas pessoas aderiram desde a sua entrada em vigor em 2014?
O testamento Vital
De acordo com o site oficial do Sistema Nacional de Saúde (SNS) – o DAV também conhecida por Testamento Vital –, falamos de um documento no qual é “manifestada, antecipadamente, a vontade consciente, livre e esclarecida de um utente, sobre quais os cuidados de saúde que deseja receber ou não, por qualquer razão, caso não seja capaz de expressar a sua vontade pessoal e autonomamente”. Por exemplo, situações de doença incurável já em fase terminal; doenças onde já não existem expectativas de recuperação; ou inconsciência por doença neurológica ou psiquiátrica complicada de intercorrência cardíaca, respiratória ou renal. Além disso, no mesmo texto, a pessoa pode ainda proceder à nomeação de um procurador de cuidados de saúde. Válido durante cinco anos, a contar da data da assinatura, este pode ser alterado e renovado. A 60 dias e 15 dias antes deste prazo terminar, o utente recebe uma notificação (por email e/ou SMS) informando da proximidade da data final. Se o utente pretender continuar com o mesmo testamento vital (ou desejar realizar um diferente) deverá repetir o processo.
Recorde-se que estas diretivas foram instituídas com a publicação em Diário da República, da Lei n.º 25/2012, de 16 de julho, resultantes de um trabalho desenvolvido por um conjunto de organizações da sociedade civil e médica, de onde se destaca o papel da Associação Portuguesa de Bioética e do seu presidente Rui Nunes. A Lei foi aprovada no Parlamento a 1 de junho de 2012. No entanto, só foi publicada a 5 de maio de 2014 e a sua entrada em vigor ocorreu a 1 de julho de 2014. Na semana passada, ao Correio da Manhã (CM), os Serviços Partilhados do Ministério da Saúde (SPMS) revelaram que o RENTEV já contabilizou, desde 2014, 63868 testamentos vitais. Nos últimos três anos foram registados 6347 em 2021, 13062 em 2022 e, no ano passado, 10 619. Lisboa e Vale do Tejo são as regiões com mais testamentos vitais registados em cerca de dez anos (26 804). Segue-se o Norte (19 583), o Centro (9266), o Algarve (3571) e o Alentejo (2201). Nas ilhas, por sua vez, foram registados, na Madeira, 1484 testamentos vitais e 959 nos Açores. Segundo os SPMS, a 9 de janeiro já estavam ativos 39 mil atestados vitais (13516 por homens e 25447 por mulheres). Relativamente às faixas etárias, as com o maior número de registos são os 65-80 e os 50-65 anos.
Quem pode fazer e como?
Este testamento pode ser feito por cidadãos nacionais, estrangeiros e refugiados – indivíduos que não são titulares de qualquer nacionalidade –, residentes em Portugal, maiores de idade, que “não se encontrem interditos ou inabilitados por anomalia psíquica”, explica o SNS. Para o realizar, é necessário possuir o número de utente do Serviço Nacional de Saúde que pode ser atribuído pelos serviços administrativos do centro de saúde. Além disso, salienta o site, “é recomendado o registo na área pessoal do portal do SNS 24 para acompanhamento do processo”.
O SNS escreve ainda que o Testamento Vital pode ser feito a qualquer momento, só estando dependente do horário de atendimento dos balcões de atendimento do Registo Nacional do Testamento Vital (RENTEV), já que este não se pode realizar online. Basta aceder à área pessoal do portal do SNS 24 e descarregar o modelo de formulário do testamento vital. Depois disso, o utente deve preencher o formulário e entregá-lo no centro de saúde da sua área de residência – balcão RENTEV. Nos casos em que a assinatura já foi reconhecida pelo notário, acrescenta o texto do site, pode-se enviar o mesmo por correio registado. Ou seja, os dados inscritos são inseridos na Plataforma de Dados de Saúde, à qual os titulares têm acesso permanente através do Portal do Utente do Serviço Nacional de Saúde (SNS). O RENTEV está também acessível a todos os profissionais de saúde, para consulta: sempre que um médico consultar o processo de um paciente, este será automaticamente notificado, desde que o seu endereço eletrónico conste do RENTEV.
Ao preencher o formulário do Testamento Vital, o utente pode manifestar a sua vontade clara de: não ser submetido a reanimação cardiorrespiratória; a meios invasivos de suporte artificial de funções vitais; a medidas de alimentação e hidratação artificiais que visem retardar o processo natural de morte; participar em estudos de fase experimental, investigação científica ou ensaios clínicos; não ser submetido a tratamentos que se encontrem em fase experimental; recusar a participação em programas de investigação científica ou ensaios clínicos; interromper tratamentos que se encontrem em fase experimental ou a participação em programas de investigação científica ou ensaios clínicos, para os quais tenha dado prévio consentimento; não autorizar administração de sangue ou derivados; receber medidas paliativas, hidratação oral mínima ou subcutânea; serem administrados os fármacos necessários para controlar, com efetividade, dores e outros sintomas que possam causar padecimento, angústia ou mal-estar; receber assistência religiosa quando se decida interromper meios artificiais de vida (indicando a crença) e ainda, ter junto a si, por tempo adequado e quando se decida interromper meios artificiais de vida, designada pessoa (indicando nome e contacto). Doação de órgãos ou a doação do corpo à ciência, não cabem no Testamento Vital. Estes devem ser tratados nas instâncias próprias, como no Registo Nacional de Não Dadores, ou nos gabinetes de doação existentes nas diferentes instituições de investigação.