Gabriel Attal. Remodelação à francesa

Gabriel Attal. Remodelação à francesa


Com apenas 34 anos, é o mais jovem primeiro-ministro que França alguma vez teve. Mas apresenta um currículo académico e político de respeito. Será Gabriel Attal o homem de que Emmanuel Macron precisa para recuperar os índices de popularidade e salvar a sua presidência depois da controversa lei da imigração?


Habituado aos corredores do poder, mas também aos meandros da representação – ambos os pais tiveram ligações ao cinema –, Gabriel Attal é o trunfo jogado por Emmanuel Macron num momento crítico da sua presidência. Aos 34 anos, Attal destaca-se não apenas por ser o mais jovem de sempre a assumir o cargo, mas também por ser a primeira vez que a França tem um primeiro-ministro assumidamente homossexual.

Gabriel Nissim Attal de Couriss nasceu a de 16 de março de 1989 em Clamart, um subúrbio de Paris famoso pela sua gastronomia. Provém de uma família diversa, tendo o pai ascendência judia-tunisina e judia-alsácia e a mãe raízes greco-russas. O pai, Yves Attal, foi advogado e produtor cinematográfico (produziu filmes de Bernardo Bertolucci, Roberto Benigni e Pedro Almodóvar) e a mãe, Marie de Couriss, trabalhava numa empresa também ligada à sétima arte.

A sua trajetória escolar pode ser considerada acima da média, das instituições aos resultados. Frequentou a École Alsaciene, uma escola privada, terminando com louvor (Mention Très Bien) e formou-se posteriormente em Direito na Universidade Pantheon-Assas. Já em 2012, na SciencesPo, tornou-se mestre em Assuntos Públicos. O seu percurso inclui ainda uma passagem de um ano por Roma, onde trabalhou com Éric Chassey, o então diretor da Academia Francesa na capital italiana.

 

A vida política

Gabriel Attal iniciou o seu caminho na política em 2006, quando participou nas manifestações, maioritariamente jovens, contra uma medida que previa a desregulação do trabalho. Ainda que a lei procurasse criar novos postos de trabalho – e até foi denominada Lei de Igual Oportunidade –, tornava mais vulnerável a condição laboral dos jovens menores de 26 anos.

Attal é membro do partido Renascimento, fundado pelo atual Presidente francês, Emmanuel Macron, desde 2016, data da fundação. Previamente, e à semelhança de Macron, esteve associado ao Partido Socialista francês.

Apesar dos seus 34 anos, o recém-nomeado primeiro-ministro tem já um currículo político de alto gabarito, podendo isso significar que estará à altura do desafio que se lhe coloca. Trata-se sem dúvida de uma aposta em ‘sangue novo’ por parte do Presidente, mas sem colocar totalmente de lado o fator experiência. Attal estagiou no Parlamento Francês, onde acompanhou a socialista – e futura ministra da Saúde – Marisol Touraine, servindo como seu conselheiro durante cinco anos.

Nas eleições de 2017 (dois anos depois de perder o pai), concorreu para o cargo de deputado, desta vez já integrando o partido do Presidente, e desde cedo mostrou a sua capacidade e irreverência na assembleia. Neste período como deputado, que apenas durou até 2018, quando foi chamado a assumir o cargo de secretário de Estado do Ministério da Educação e Juventude, Attal integrou o Comité dos Assuntos Culturais e de Educação. Em 2018 tornou-se o membro mais novo de um governo francês na Quinta República, com apenas 29 anos. De 2020 a 2022 foi porta-voz do primeiro-ministro Jean Castex, e em 2022, já no governo de Élisabeth Borne, que acaba de substituir, assumiu a pasta dos Assuntos Públicos. No ano passado voltou ao ministério onde já tinha servido como secretário de Estado, mas desta vez como responsável máximo da pasta. A sua medida mais mediática foi, em nome da secularização, dar a ordem de remoção de todos os símbolos religiosos dos estabelecimentos de ensino público.

Macron não perdeu tempo com a escolha, e Gabriel Attal chega a primeiro-ministro francês um dia após a demissão de Borne. A confiança do Presidente parece ser total: «Caro Gabriel Attal, sei que posso contar com a tua energia e compromisso para implementar o projeto de rearmamento e regeneração que anunciei. Sendo fiel ao espírito de 2017: superação e audácia. Ao serviço da Nação e dos Franceses», escreveu na rede social X.

 

A polémica lei da imigração e a queda de Borne

A anterior primeira-ministra, Élisabeth Borne, apresentou a demissão a 8 de janeiro, apenas dois anos após ter assumido o cargo. A_decisão aconteceu, sem surpresa, na sequência dos tumultos gerados no governo após a aprovação da nova, e polémica, lei de imigração, em dezembro do ano passado. Macron aceitou prontamente e deixou uma mensagem de apreço e agradecimento: «Cara Élisabeth Borne, o seu trabalho ao serviço da nossa nação foi exemplar todos os dias. Implementou o nosso projeto com a coragem, o compromisso e a determinação das estadistas. De todo o coração, obrigado». Mas o facto é que o sacrifício da primeira-ministra pode ser crucial para o Presidente recuperar nos índices de popularidade.

França tem sido, nos anos recentes, um dos países da União Europeia mais afetados em matéria de segurança, o que pode ver-se como uma sequência da política de fronteiras abertas que leva a uma imigração descontrolada. Paris tornou-se o centro das manifestações, a dada altura rotineiras, e a cidade do amor tranformou-se na cidade do caos. O Presidente e o governo planearam uma proposta de lei que restabelecesse o controlo. De ora em diante, terá de passar mais tempo antes que os imigrantes recebam subsídios do Estado e também será mais difícil para estes levarem os seus familiares para território francês.

A aprovação da medida resultou numa fragmentação da maioria do partido Renascimento, e Aurélien Rousseau, o então ministro da Saúde, chegou até a apresentar a carta de demissão como forma de protesto. Também a declaração de «vitória ideológica» da opositora Marine Le Pen, que tem a luta contra a imigração como uma das suas bandeiras, caiu como uma bomba no partido centrista. A extrema-direita votou ao lado do partido de Macron na aprovação da nova lei, e a fratura na maioria tornou expectável a saída de Borne, o que explica a quase instantânea substituição, que sem dúvida já vinha sendo preparada.

A aprovação da lei e a convulsão no partido são só a ponta do icebergue: o crescimento de Le Pen e a fraca taxa de aprovação de Macron são as maiores dores de cabeça para os centristas. A medida teria com objetivo secundário travar o ímpeto de Le Pen, que ganhava cada vez mais élan e popularidade com o caos. O governo foi ainda alvo de acusações por parte da bancada comunista, que acusou o governo francês de adotar procedimentos ainda mais à direita do que os de Giorgia Meloni em Itália.

 

A jogada de Macron

A remodelação levada a cabo por Macron não ficou por Attal, tendo sido nomeado também Stéphane Séjourné – que por coincidência já foi companheiro do jovem primeiro-ministro – para o cargo de ministro dos Negócios Estrangeiros. A nomeação promete provocar ondas não só em Paris, mas também em Bruxelas, uma vez que Séjourné é o presidente do grupo centrista europeu Renovar a Europa. A proximidade das eleições europeias faz com que esta nomeação seja um golpe no grupo liberal, que provavelmente avançará com o neerlandês Malik Azmani.

A escolha de alguém jovem (38 anos) e relativamente pouco mediático para a liderança de uma das diplomacias mais prestigiadas do mundo faz parte da nova política de ‘sangue novo’ de Macron, num ano em que Paris será a cidade anfitriã dos Jogos Olímpicos de verão.

 

A ascensão dos mais novos

A presença na alta esfera política, principalmente em cargos de chefia, estava – e de certa forma ainda está – ligada a uma faixa etária superior, uma vez que uma figura mais velha está associada à experiência e à ponderação, atributos que atuam como um íman eleitoral. Porém, o paradigma parece estar a mudar, e cada vez surgem mais figuras jovens em cargos governativos.

Em 2022 ascenderam ao poder Gabriel Borić, com 36 anos, no Chile, e Mohammed bin Salman, com 37 anos, na Arábia Saudita. Já no ano passado, Daniel Noboa e Milojko Spajić, ambos com 36 anos, assumiram os postos mais altos do Equador e do Montenegro, respetivamente. É de recordar também que Justin Trudeau tinha 43 anos quando assumiu o governo do Canadá e Emmanuel Macron 39 quando venceu as eleições presidenciais francesas. Esta vaga culmina com Gabriel Attal e promete não parar por aqui.

Os resultados desta remodelação francesa serão principalmente expostos tanto nas próximas europeias como, sobretudo, nas presidenciais de 2027, momento em que Macron espera que os resultados positivos já sejam visíveis. Até lá, a juventude de Attal faz com que a aposta do Presidente seja pouco mais do que um tiro no escuro.