Cumpridos quase quatro anos da saída do Reino Unido da União Europeia, o BREXIT ainda é motivo de divisão. Em 2017 era invocado, pela primeira vez, o artigo 50.º do Tratado da União, que prevê a saída de um Estado-membro. O processo foi consumado de forma definitiva três anos depois, no conturbado ano de 2020. Aos desafios que a saída de uma das maiores economias da UE apresentava, juntavam-se outros tantos associados à pandemia da covid-19, levando a um período de desestabilização económica, política e social.
Apesar do desencanto entre muitos dos seus defensores, o BREXIT continua a dividir o eleitorado britânico. Mas a hipótese de um novo referendo não parece estar, por agora, em cima da mesa.
Duas ideias de Europa
Os indícios de que um divórcio, mais ou menos amigável, seria inevitável antecedem em muito a surpresa de 26 de junho de 2016.
Na verdade, a tradição política britânica sempre foi cética relativamente ao projeto europeu, sobretudo na sua versão mais centralizada. Um ceticismo que se manifestou nas exceções face à dinâmica de integração, incluindo a não adesão à moeda única ou a rejeição do espaço Schengen. E que se amparava na importância da Commonwealth, e na relação especial com os Estados Unidos.
Uma das manifestações mais claras desse espírito seria o discurso de Margaret Thatcher ao Colégio da Europa, em 1988. «A Comunidade não é um fim em si mesmo. Nem um instrumento institucional passível de ser constantemente modificado de acordo com os ditames de um qualquer conceito intelectual abstrato. Nem deve ser ossificada por uma legislação interminável». Thatcher defendia, como boa parte do Partido Conservador, uma Europa de cooperação entre Estados soberanos. Que, como décadas mais tarde sintetizaria uma sua herdeira política no continente, Giorgia Meloni, «fizesse menos, mas fizesse bem.» E entendia que «para trabalhar de forma mais estreita não é necessário que o poder esteja centralizado em Bruxelas, ou que as decisões sejam tomadas por uma burocracia nomeada».
Por isso a história do BREXIT é também a do progressivo divórcio entre duas ideias distintas, e eventualmente irreconciliáveis, de Europa. À medida que o projeto europeu seguia a via da União cada vez mais estreita, a ideia de saída ganhava força no Reino Unido.
O Referendo
Nas eleições para o Parlamento Europeu de 2014, o UKIP de Nigel Farage quebrou o bipartidarismo, ficando em primeiro lugar. A decisão de David Cameron em avançar com o referendo tinha o duplo objetivo de travar o crescimento do UKIP e apaziguar a ala eurocética do Partido Conservador.
A campanha a favor da saída, sob o slogan ‘Take back control’ (‘recuperar o controlo’), fez-se pela reivindicação da soberania. E 53,4% dos que foram às urnas optaram pela saída. O caminho que se seguiu foi tortuoso. Theresa May não resistiu, mas evitou-se um hard BREXIT.
Dois dias antes da saída oficial, um triunfante Farage discursava ao Parlamento Europeu: «Quero que o BREXIT desencadeie um debate no resto da Europa. O que queremos da Europa? Se queremos comércio, amizade, cooperação, reciprocidade, não precisamos de uma Comissão Europeia. Não precisamos de um Tribunal Europeu. Não precisamos de todas estas instituições e de todo este poder. E garanto-vos, tanto no UKIP como no BREXIT, nós amamos a Europa; só odiamos a União Europeia. É tão simples quanto isso».
Mas pouco tempo depois, as medidas para conter a pandemia de COVID 19 mergulhavam o mundo numa profunda crise económica, levando à disrupção de cadeias de valor e a uma travagem a fundo da economia global.
Os custos
Em 2018, Jacques Delors, fervoroso defensor da integração, afirmaria: «Perante esta coesão, o BREXIT, que eu lamento tanto pela Europa quanto pelos nossos amigos britânicos, traz a demonstração clara que pertencer à UE é um ativo para todos. E que deixá-la representa um erro, agora e no futuro».
Para lá do seu significado político, e das várias leituras que suscitaria, o sucesso ou fracasso do BREXIT seria determinado pelas suas consequências económicas. Em 2015, a União Europeia representava o destino de cerca de 44% das exportações e a origem de 53% das importações britânicas. Números elevados que correspondiam a cerca de 12% do PIB do Reino Unido, representando um volume de trocas comerciais 3,2 vezes superior ao que mantinha, então, com os Estados Unidos.
A transformação de uma das maiores economias da União Europeia em país terceiro trouxe desafios e incertezas e obrigou a um rápido acordo – o Acordo de Comércio e Cooperação – que garante o livre comércio, a segurança dos cidadãos e estabelece um acordo horizontal em matérias de governação. Ainda assim, verificou-se um aumento de taxas e impostos, escassez de mão de obra e uma subida dos preços dos combustíveis, fatores agravados pela pandemia e o conflito na Ucrânia.
No Reino Unido, os principais prejudicados, além do consumidor, foram as pequenas e médias empresas, que viram aumentar os custos, principalmente a nível logístico e burocrático, sendo forçadas (as que o conseguem) a abrir sucursais em países da UE. E a recuperação da economia britânica pós-pandemia foi mais lenta do que a de outros países europeus. Anna Valero, professora na London School of Economics, fala num «aumento da incerteza desde o referendo». Em declarações à DW News, Valero refere que «o investimento como parte do PIB desceu consideravelmente no Reino Unido e ainda não recuperou realmente, enquanto noutros países, no mesmo período, estava a aumentar». O baixo nível de investimento, a queda da procura e fraco crescimento, fazem cair por terra um dos benefícios que se projetava para o Brexit: o aumento real dos salários. Mesmo que menos mão de obra se venha a refletir no aumento de salários – através do investimento em bens de capital, como máquinas – nos setores mais afetados, como a saúde, a construção e o turismo, a substituição de trabalho por capital ainda não é viável.
Por fim, os acordos de livre comércio e a desregulação animavam os defensores da libertação do Reino Unido das amarras de Bruxelas. Mas a realidade sugere que os britânicos não saíram a ganhar. Visto como promissor, o acordo bilateral com a Austrália aportará uns modestos 0,08% ao PIB britânico, na melhor das hipóteses, até 2035. E, segundo a Câmara de Comércio Britânica, a desregulação não é prioridade para metade das empresas, que estão mais preocupadas com a diminuição da procura.
Outra vez a política
O BREXIT não parece ter trazido, até ver, uma recuperação da soberania na forma de controlo das fronteiras. A imigração legal atingiu números recorde em 2023, com 700.000 entradas. E nem a possibilidade de deportação de requerentes de asilo para o Ruanda, que desencadeou contestação nos tribunais e oposição em alguns setores da sociedade civil, parece dissuadir as entradas irregulares. Incapaz de fazer face à questão, o executivo de Sunak tem perdido membros da ala mais dura do Partido Conservador, como Suella Braveman e Robert Jenrick.
Segundo os resultados de uma sondagem da Redfield & Wilton Strategies, 53% dos inquiridos, se chamados a votar, votariam a favor do regresso à União Europeia; enquanto 44% votariam contra. No entanto, 44% dos inquiridos considera que a questão está encerrada, e não deveria ser reaberta, e 42% entende que a questão não está encerrada.Para os conservadores, a 20 pontos dos trabalhistas, antecipa-se inevitável a derrota nas eleições deste ano, agravada pelo crescimento, à direita, do Reform UK, que surge com 10% nas sondagens. Apesar da consumação do BREXIT, Nigel Farage volta a assombrar o establishment.