Pedro Dominguinhos. “Estão a decorrer milhares de investimentos nas mais variadas áreas”

Pedro Dominguinhos. “Estão a decorrer milhares de investimentos nas mais variadas áreas”


Presidente da comissão de acompanhamento do Plano de Recuperação e Resiliência faz um balanço do que já foi feito e o que falta fazer. E garante: “É essencial acelerar o ritmo de pagamentos e de concretização”.


Tendo em conta os últimos dados sobre o que já foi feito do PRR, pensa que Portugal está num bom caminho?

Para podermos responder a esta questão devemos, antes de mais, perceber a natureza específica do PRR. Este programa alicerça-se no cumprimento de metas e marcos por parte dos estados-membros, negociados e aprovados pela Comissão Europeia. Isto significa que, periodicamente, cada país, deve apresentar um relatório com o ponto da situação sobre essas metas e marcos, os quais dão lugar aos desembolsos financeiros por parte da Comissão. Neste momento, Portugal apresentou os quatro pedidos de desembolso previstos. Nos dois primeiros, Portugal cumpriu todas as metas e marcos planeados, tendo recebido a totalidade dos desembolsos previstos, no valor de 3.428 milhões de euros. Em virtude da reprogramação do PRR ocorrida em 2023, Portugal apresentou os dois pedidos de desembolso em 4 de outubro, tendo os mesmos sido aprovados em dezembro, com uma retenção parcial dos reembolsos devidos. Esta retenção, no valor de 713 milhões de euros deveu-se ao incumprimento de 3 metas/marcos dos 47 em análise: a reforma das ordens profissionais; a transferência de competências na área da saúde para os municípios; e uma outra reforma na área da saúde, onde se incluía a entrada em vigor dos Centros de Responsabilidade Integrada (CRI). Este é um mecanismo previsto no regulamento do Mecanismo de Recuperação e Resiliência, tendo Portugal, agora, seis meses para dar cumprimento e receber o reembolso agora retido.

Quais as perspetivas para o crescimento dessas metas?

As perspetivas para o cumprimento destas 3 metas/marcos em atraso são positivas. No caso dos CRI, a reforma entrou em vigor no dia 1 de janeiro e no caso das ordens profissionais, a legislação foi confirmada no Parlamento no passado dia 5 de janeiro e promulgação pelo Presidente da República na segunda-feira. Quanto à transferência das competências na área da saúde para as autarquias, falta a assinatura de seis câmaras para se cumprir o objetivo. Num programa baseado em resultados, Portugal cumpriu até agora, 102 das 105 metas e marcos previstos. Quanto à execução financeira, o PRR possuía um envelope financeiro de 16.644 milhões de euros, tendo isso reforçado, após a reprogramação aprovada em outubro de 2023, para 22.216 milhões de euros, um crescimento de cerca de um terço. Até final de 2023, tinham sido aprovados investimentos de 15.880 milhões de euros, mais de 4.000 milhões, face a 2022. Quanto a pagamentos, terminámos 2023 com um total 3.639 milhões de euros, um acréscimo de mais de 2.000 milhões de euros face a 2022. Estes valores representam cerca de 86% de aprovações do montante disponível, e 23% dos pagamentos face ao contratado.

Os dados revelam uma aceleração dos pagamentos aos vários beneficiários em 2023, com destaque para as empresas, com mais de 1.100 milhões de euros pagos, seguidas das entidades públicas e das empresas públicas. Em termos de componentes, destacam-se, no caso das aprovações, a Inovação e Capitalização Empresarial, a Mobilidade Sustentável, a Descarbonização da Indústria, e nos pagamentos, a Inovação e Capitalização Empresarial, a Habitação e as Qualificações e Competências.

Portugal já cumpriu metas…

Do ponto de vista qualitativo, Portugal cumpriu cerca de 97% das metas e marcos previstos até este momento. No entendimento da CNA-PRR, seria possível, e desejável, um maior ritmo nos pagamentos aos beneficiários diretos e finais. Sabemos que os investimentos possuem um ciclo de vida na sua concretização, e que alguns deles têm sofrido atrasos, frutos das condições económicas, como o aumento dos preços, escassez das matérias-primas ou disrupção das cadeias de abastecimento, mas também de algumas condicionantes internas, como o atraso na decisão das candidaturas, ou das autorizações e pareceres necessários para a sua concretização administrativa, ou ainda da operacionalização de algumas plataformas informáticas. A CNA reforça que é essencial acelerar o ritmo de pagamentos e de concretização material do PRR em 2024. 

Será possível cumprir tudo dentro prazo? A crise política não poderá atrasar?

Neste momento resta cerca de metade do tempo disponível para a execução física dos investimentos previstos no PRR. Estão a decorrer milhares de investimentos nas mais variadas áreas sociais e económicas, da responsabilidade de milhares de entidades em todo o território. A análise feita pela CNA-PRR revela que uma parte significativa dos projetos em curso tem probabilidade elevada de ser concretizada nos timings previstos. O relatório da CNA-PRR realça, também, que existem outros que carecem de uma atenção particular e, neste caso, todas as entidades devem fazer um esforço adicional para o total cumprimento das metas e marcos previstos no compromisso com a Comissão Europeia. Esta é a segunda vez, que durante a execução do PRR, Portugal atravessa uma situação de eleições antecipadas. Há cerca de dois anos, estávamos ainda numa fase embrionária da execução material dos vários investimentos, situação que se alterou desde então, com uma parte muito significativa já aprovado. Para além disso, as várias instituições que gerem e implementam o PRR possuem hoje mais experiência e conhecimento sobre o mesmo, o que pode garantir menos turbulência neste período. É essencial que todas as instituições assumam a sua maturidade institucional e cumpram a missão e competências neste âmbito. Com exceção de eventuais decisões relacionadas com a aprovação de reformas legislativas, que podem carecer da intervenção da Assembleia de República ou de Decretos-Lei que não se enquadrem nas competências de um Governo em gestão, todas as restantes decisões podem, e devem, ser tomadas pelas várias organizações envolvidas na execução do PRR. Até porque os prazos do PRR não se suspendem pela realização de eleições em qualquer país. Quando olhamos para as metas e marcos previstos no 5.º pedido de pagamento, uma apreciação preliminar realizada permite-nos antecipar o cumprimento, neste momento, de uma percentagem significativa, devendo as diversas entidades continuar a envidar todos os esforços para a sua concretização cabal.

Há algum projeto que cause mais preocupação no que diz respeito a atrasos?

De acordo com o relatório publicado pela CNA-PRR em novembro de 2023, e disponível no sítio da internet, existem sobretudo dois grandes investimentos que devem merecer uma atenção redobrada e uma task force para a sua concretização nos timings previstos: a construção da linha Violeta do Metropolitano de Lisboa, até Loures-Odivelas, e os Digital Innovation Hubs (DIH). No primeiro caso, e desde a publicação do relatório da CNA-PRR, foi concretizada a Resolução do Conselho de Ministros que aprovou o financiamento de toda a operação. É expectável que este ano se lance o concurso, mas o tempo urge. No caso dos DIH, a larga maioria dos consórcios já assinou os termos de aceitação e recebeu os adiantamentos. No entanto, faltam operacionalizar um conjunto de questões para que a prestação de serviços digitais às PMEs e Startups possa ser concretizado. A gestão operacional deste investimento passará para a ANI (Agência Nacional de Inovação), bem como dos Test Beds, esperando-se que exista uma aceleração significativa.

Conforme relatório da CNA-PRR já mencionado, existem outras preocupações, designadamente na habitação, fruto de dimensão significativa do investimento em causa, com a construção de cerca de 32 mil casas, e com as empresas 4.0. Existe ainda uma atenção especial que deve ser dada à descarbonização da indústria e ao hidrogénio e gases renováveis, quer pelos atrasos na entrega de equipamentos por parte dos fornecedores internacionais, atendendo à procura internacional, quer pelas necessárias autorizações administrativas e ambientais que estes projetos carecem e cujos timings necessitam de ser encurtados. No caso da capitalização empresarial, é essencial que os financiamentos, mais de 1.100 milhões de euros, cheguem às empresas não financeiras, quer através do Banco Português de Fomento, quer das empresas de capital de risco selecionadas nos programas Consolidar e Venture Capital.

O que pode ser feito (ou melhorado) para que os projetos acelerem?

A CNA-PRR fez um conjunto de recomendações que podem contribuir para esta aceleração, das quais podemos destacar: (i) rapidez na análise das candidaturas; (ii) operacionalização das plataforma informáticas para submissão dos pedidos e pagamento e celeridade na análise dos mesmos; (iii) maior cooperação entre as entidades públicas que intervêm nos processos de autorização administrativa e ambiental; (iv) reforçar as equipas nos organismos onde foram identificadas carências; (v) consolidar uma gestão de proximidade com os beneficiários finais, auscultando as suas necessidades e antecipando as suas dificuldades, criando uma cultura de co-criação entre os vários intervenientes.