O Presidente da República promulgou o decreto do Governo que alterou o Regime Jurídico de Urbanização e Edificação sem a parte que está sob suspeita na Operação Influencer, vulgarmente designada como ‘Simplex Industrial’, que o Ministério Público considera ter sido feita «à medida» dos interesses dos arguidos e da empresa que lideravam, a Start Campus, no projeto do data center em Sines.
Segundo o Nascer do Sol apurou, durante o processo de diligências e contactos entre Belém e S. Bento – que existe habitualmente após a aprovação de diplomas em Conselho de Ministros e até à promulgação pela Presidência –, acabou por ser banida toda a parte relativa ao licenciamento industrial e que estipulava que os projetos de interesse nacional, como o de Sines, passariam a estar dispensados às regras gerais. Formalmente, a responsabilidade de retirar essa parte do diploma é sempre do Governo.
Recorde-se, porém, que, na conferência de imprensa que deu quatro dias depois da detenção dos arguidos na Operação Influencer, António Costa referiu-se especificamente a esta legislação: depois de lhe ter feito grandes elogios, afirmou que estava nas mãos do Presidente para promulgar. Marcelo Rebelo de Sousa não esteve pelos ajustes e recusou dar luz verde a esta polémica opção legislativa – que foi considerada até como «algo muito malandro» por um dos seus autores, João Tiago Silveira, advogado e arguido na Operação Influencer.
De forma implícita, o Presidente da República acaba por reconhecer, assim, que o processo legislativo não obedeceu aos trâmites normais, tendo sido determinado mais pela satisfação de um interesse privado do que pelo interesse público. Ou seja, tratava-se de uma lei para um caso concreto, não obedecendo aos requisitos que uma lei deve ter acima de tudo: ser geral e abstrata.
Nesta quinta-feira, 4 de janeiro, Marcelo Rebelo de Sousa anunciou no site da Presidência que promulgara o Regime Jurídico de Urbanização e Edificação (RJUE). E fê-lo nos seguintes termos: “Tendo o Governo submetido uma nova versão que reduz significativamente as questões mais controversas do diploma, que ficaram agora limitadas a simplificações com repercussão direta na promoção de mais habitação, matéria de grande prioridade, o Presidente da República, aguardando o anunciado futuro Código da Construção, promulgou o diploma do Governo que procede à reforma e simplificação dos licenciamentos no âmbito do urbanismo”.
Originalmente, o diploma aprovado em Conselho de Ministros incluía uma alínea no artigo 7.º nº1 do RJUE, que, segundo o recurso do MP apresentado no Tribunal da Relação de Lisboa, tinha sido feita «à medida» dos interesses do data center de Sines: isentava de controlo prévio e licenciamento os projetos industriais considerados de interesse nacional.
“Especificamente quanto aos factos relativos ao “Simplex Industrial”, tanto o arguido Aonso Salema (CEO da Start Campus) como o arguido Rui Oliveira Neves (administrador e advogado) confirmaram que o arguido João Galamba (então ministro da tutela, as Infraestruturas) pediu uma intervenção da parte daqueles no sentido de serem introduzidas normas favoráveis, diretamente ou indiretamente, à Start Campus”, afirmam os procuradores da República no recurso.
E acrescentam: «Conforme informação entretanto obtida pela investigação, foi efetivamente introduzida no diploma aprovado em Conselho de Ministros uma norma que alterava o artigo 7º, n.º 1, do RJUE, aditando uma alínea h) que permite a dispensa de licenciamento em operações urbanísticas, em termos equiparáveis a obras promovidas pela Administração Pública, quando promovidas por entidades privadas em parques industriais, empresariais ou de logística, relativamente a projetos reconhecidos como Projetos de Interesse Nacional (PIN), o que na prática se traduz na elaboração de uma “lei à medida”».
Ou seja, o projeto legislativo inicialmente era só para o licenciamento urbano, no âmbito das medidas para promover a habitação. O Governo de Costa só incluiu o licenciamento industrial a partir de um determinado momento e por causa da Start Campus – passando o diploma a ter um âmbito mais alargado. Foi, afinal, uma forma de ultrapassar os problemas que o projeto do data center estava a enfrentar em termos de licenciamentos na Câmara de Sines.
Segundo o Nascer do Sol apurou, na altura, causou mesmo alguma estranheza que o licenciamento industrial estivesse a ser incluído no meio de um processo legislativo que se destinava a favorecer a criação de mais habitação e arrendamento. Para o MP é claro: está-se perante um crime de prevaricação consumado, situação em que o titular de cargo político, contra o direito, conduzir ou decidir um processo em que intervém, no âmbito das suas funções, com o objetivo de, por essa forma, prejudicar ou beneficiar alguém. A pena prevista é a de prisão, de dois a oito anos.
Recorde-se que no dia 17 de novembro, o Nascer do Sol já tinha noticiado que o Presidente tinha em mãos para promulgar o diploma que estava sob suspeita na Operação Influencer.