Começa com os contornos do uti possidetis, para determinar que territórios estavam na posse da coroa espanhola antes da independência da Venezuela (e que teriam revertido para o novo Estado) e quais é que teriam sido cedidos ao Reino Unido. Inclui a sucessão de Estados (a delimitação de fronteiras foi feita entre o Reino Unido, antes da independência da Guiana em 1966, e a Venezuela, o que suscita a questão da indispensabilidade da participação de um terceiro no litígio); a interpretação e a discussão da validade de uma decisão arbitral de 1899, com fumos de corrupção por parte de vários árbitros, e que procedeu à delimitação fronteiriça (um tema que está actualmente na moda graças aos recursos tecnológicos de empresas prestadoras de serviços de informação e que, em casos recentes, têm tido sucesso a demonstrar a venalidade de alguns árbitros); as dificuldades da cartografia feita no século passado e que integra o acordo de 1905 que delimita a fronteira; a relevância da prática dos Estados na aplicação de uma convenção internacional (e em que medida a inconsistência da prática pode ser relevante para a interpretação da convenção, em particular a contestação, a partir de 1962, por parte da Venezuela, da validade da decisão arbitral).
A dimensão geoestratégica também conta. Quer à escala macro, num continente em que as fronteiras foram muitas vezes delimitadas de forma distante, arbitrária, sem conhecimento do detalhe e quase nunca com uma presença física relevante (a famigerada “ocupação efectiva”, exigida pela Acta Geral da Conferência de Berlim, em complemento ao título histórico) pelo que conflito entre a Guiana e a Venezuela é um de muitos, quase todos latentes, que enxameiam o mapa da América Latina. À escala macro, o contraponto entre um grande Estado (a Venezuela tem uma superfície de quase um milhão de km2 e cerca de 30 milhões de habitantes) e um pequeno Estado (a Guiana tem 215 000 km2 e menos de 800 000 habitantes) também alimenta a fé nos mecanismos de solução pacífica de litígios. Neste contexto não é de estranhar que a Guiana tenha recorrido, em 29 de Março de 2018, ao Tribunal Internacional de Justiça pedindo o reconhecimento da validade da decisão arbitral de 1899, do acordo de 1905 e a responsabilização da Venezuela pela violação da soberania da Guiana.
A Guiana Essequiba reclamada pela Venezuela tem uma superfície de cerca de 160 000 km2 (compara com os 92 000 km2 de Portugal) escassamente povoada por 120 000 habitantes e com reservas de petróleo já comprovadas no offshore. A outorga pela Guiana à ExxonMobil de contratos de exploração petrolífera exacerbou, a partir de 2015, as reacções por parte de Caracas num contexto de conflito político-económico com os EUA.
A Venezuela objectou à competência do TIJ e, suprema ironia, mimetizando a reacção dos EUA no litígio desencadeado pela Nicarágua, recusou-se a participar nas audiências relativas à competência do TIJ. Em 2020 Tribunal (12-4) considerou-se competente para decidir da validade da decisão arbitral e da fixação das fronteiras. Em 2022 a Venezuela objectou à ausência de um terceiro indispensável (o Reino Unido), objecção recusada, a 6 de Abril de 2023 (14-1, voto do juiz ad hoc indicado pela Venezuela) pelo Tribunal.
No dia 1 de Dezembro, e a pedido da Guiana, o TIJ, decidiu, por unanimidade, medidas provisórias segundo as quais a Venezuela “shall refrain from taking any action which would modify the situation that currently prevails in the territory in dispute”. O fraseado é orientado para o uso da força mas pode incluir o recente referendo nacional venezuelano.