Acordos de coligação à espanhola


Nuestros hermanos, beati possidentes, fizeram da judicialização da política a base de um matrimónio de conveniência. Por cá aguardamos melhor prova.


A leitura do futuro nas entranhas dos portugueses está agendada para a noite de 10 de Março do próximo ano. Até lá mete-se o Natal e antes disso opera uma redução do número de adivinhos que, pelo Largo do Rato, dizem saber o que lhes reserva o futuro. Certezas só as das sondagens, a quase quatro meses de distância, o que, de acordo com o mais recente sábio do regime, não permite predizer coisa nenhuma. Permitimo-nos discordar. As sondagens dão por certa a impossibilidade de uma maioria absoluta por parte de qualquer um dos dois partidos políticos que já as obtiveram. Esta certeza não é contrariada, nem por sábios, nem por ignaros. Fica por saber se haverá coligação ou coligações pré-eleitorais ou pós eleitorais ou se o convívio carnal entre partidos se fará por via de um acordo de incidência parlamentar, sem consumação de uma casamento com assento lavrado no Governo, ou se será ad lib, ao sabor das iniciativas legislativas avulsas, da aprovação do Programa de Governo, da votação do Orçamento de Estado (o de 2025 está  a um ano de distância…) ou das tentativas de homicídio parlamentar, conhecidas como moções de censura, ou de suicídio governativo, que respondem pelo nome de moções de confiança.

Sempre disponíveis para partilhar as alegrias do país vizinho, lemos o acordo PSOE-Junts, com o mesmo gosto com que o dedo segue as linhas licenciosas de um Prenuptial negociado em Beverly Hills, aquelas que quantificam as consequências financeiras dos pecadilhos futuros dos nubentes.

O acordo que permitiu o Governo Sánchez III recorre à técnica das negociações internacionais, identificando a concordância na divergência: “Por un lado, Junts considera legítimo el resultado y el mandato del referéndum del 1 de octubre, así como la declaración de independencia del 27 de octubre de 2017. Por el otro, el PSOE niega toda legalidad y validez al referéndum y a la declaración, y mantiene su rechazo a cualquier acción unilateral.” No acordo o Junts anuncia intenção de promover um novo referendo de auto-determinação agora no âmbito do artigo 92º da Constituição (referendo nacional aberto a todos os eleitores), sendo pouco provável que a Constituição o permita.

A segunda zona de tensão resulta da promessa, feita pelo acordo, de submeter a aplicação da futura lei da amnistia a um mecanismo extra-judicial e cuja actuação não se traduz na produção de actos legislativos, o que parece pôr em causa a separação de poderes e a independência do poder judicial: “las conclusiones de las comisiones de investigación que se constituirán en la próxima legislatura se tendrán en cuenta en la aplicación de la ley de amnistía en la medida que pudieran derivarse situaciones comprendidas en el concepto lawfare o judicialización de la política.”

A aprovação de uma lei de amnistia resulta do exercício do poder político-legislativo, onde se inclui a faculdade de descriminalizar determinadas condutas. A lei de amnistia deve ser aplicada pelo poder judicial, o que não dispensa a sua interpretação e eventuais juízos de inconstitucionalidade, a serem decididos de acordo com os mecanismos de fiscalização da constitucionalidade. Já a intervenção, directa ou indirecta, na aplicação da lei da amnistia, de “comissões de investigação” que não são órgãos do poder judicial e cuja existência, funcionamento e competências não estão definidas pelo legislador, corre o risco de ser um presente envenenado para a anunciada auto-determinação catalã. E isto porque quer a Convenção Europeia dos Direitos do Homem quer a sua sombra no sistema da Carta Europeia dos Direitos Fundamentais têm conteúdos normativos claros e sadios sobre as características da função judicial.

Acordos de coligação à espanhola


Nuestros hermanos, beati possidentes, fizeram da judicialização da política a base de um matrimónio de conveniência. Por cá aguardamos melhor prova.


A leitura do futuro nas entranhas dos portugueses está agendada para a noite de 10 de Março do próximo ano. Até lá mete-se o Natal e antes disso opera uma redução do número de adivinhos que, pelo Largo do Rato, dizem saber o que lhes reserva o futuro. Certezas só as das sondagens, a quase quatro meses de distância, o que, de acordo com o mais recente sábio do regime, não permite predizer coisa nenhuma. Permitimo-nos discordar. As sondagens dão por certa a impossibilidade de uma maioria absoluta por parte de qualquer um dos dois partidos políticos que já as obtiveram. Esta certeza não é contrariada, nem por sábios, nem por ignaros. Fica por saber se haverá coligação ou coligações pré-eleitorais ou pós eleitorais ou se o convívio carnal entre partidos se fará por via de um acordo de incidência parlamentar, sem consumação de uma casamento com assento lavrado no Governo, ou se será ad lib, ao sabor das iniciativas legislativas avulsas, da aprovação do Programa de Governo, da votação do Orçamento de Estado (o de 2025 está  a um ano de distância…) ou das tentativas de homicídio parlamentar, conhecidas como moções de censura, ou de suicídio governativo, que respondem pelo nome de moções de confiança.

Sempre disponíveis para partilhar as alegrias do país vizinho, lemos o acordo PSOE-Junts, com o mesmo gosto com que o dedo segue as linhas licenciosas de um Prenuptial negociado em Beverly Hills, aquelas que quantificam as consequências financeiras dos pecadilhos futuros dos nubentes.

O acordo que permitiu o Governo Sánchez III recorre à técnica das negociações internacionais, identificando a concordância na divergência: “Por un lado, Junts considera legítimo el resultado y el mandato del referéndum del 1 de octubre, así como la declaración de independencia del 27 de octubre de 2017. Por el otro, el PSOE niega toda legalidad y validez al referéndum y a la declaración, y mantiene su rechazo a cualquier acción unilateral.” No acordo o Junts anuncia intenção de promover um novo referendo de auto-determinação agora no âmbito do artigo 92º da Constituição (referendo nacional aberto a todos os eleitores), sendo pouco provável que a Constituição o permita.

A segunda zona de tensão resulta da promessa, feita pelo acordo, de submeter a aplicação da futura lei da amnistia a um mecanismo extra-judicial e cuja actuação não se traduz na produção de actos legislativos, o que parece pôr em causa a separação de poderes e a independência do poder judicial: “las conclusiones de las comisiones de investigación que se constituirán en la próxima legislatura se tendrán en cuenta en la aplicación de la ley de amnistía en la medida que pudieran derivarse situaciones comprendidas en el concepto lawfare o judicialización de la política.”

A aprovação de uma lei de amnistia resulta do exercício do poder político-legislativo, onde se inclui a faculdade de descriminalizar determinadas condutas. A lei de amnistia deve ser aplicada pelo poder judicial, o que não dispensa a sua interpretação e eventuais juízos de inconstitucionalidade, a serem decididos de acordo com os mecanismos de fiscalização da constitucionalidade. Já a intervenção, directa ou indirecta, na aplicação da lei da amnistia, de “comissões de investigação” que não são órgãos do poder judicial e cuja existência, funcionamento e competências não estão definidas pelo legislador, corre o risco de ser um presente envenenado para a anunciada auto-determinação catalã. E isto porque quer a Convenção Europeia dos Direitos do Homem quer a sua sombra no sistema da Carta Europeia dos Direitos Fundamentais têm conteúdos normativos claros e sadios sobre as características da função judicial.