Já chega o que chega


Tristes tempos em que a Justiça corre demasiado devagar para ser socialmente útil e os que, com conhecimento de causa, se inquietam com o seu mau funcionamento, em vez de louvados por expressarem desassombradamente essa sua preocupação, são publicamente chamados a justificar-se.


Tristes tempos, estes, que vivemos.

Tristes tempos os que se passam na Palestina, onde reféns de um lado são mercadejados pelos do outro, como se de crianças, mulheres e homens de carne e osso se não tratasse.

Tristes tempos em que uma espécie mais violenta de «drôle de guerre» se mantém na Ucrânia, sem que ninguém, verdadeiramente, pense acabar com o conflito e com o inútil crescendo de mortes e destruição produzidas em ambos os lados.

Tristes tempos em que vemos a sede da nossa Assembleia da República servir de palco a um comício da extrema direita que, pelo seu conteúdo, nos fere quase mais que o papel falseado que o antigo regime português lhe deu, quando ali funcionava um arremedo de câmara de deputados.

Tristes tempos em que, no seio da União Europeia, apesar da riqueza geral acumulada ser muita, mas muito mal distribuída também, Estados ricos, como é, por exemplo, o dos Países Baixos, não conseguem resolver o problema da habitação; pelo menos para os mais jovens.

Tristes tempos em que, com maior dramatismo ainda, isso sucede, igualmente, no nosso país; mesmo que, em tempos de maior generosidade, quando muito mais pobres, tivéssemos sido capazes de, solidariamente, erradicar as cinturas de barracas que cercavam Lisboa e o Porto e dar casa aos que, antes, no anterior regime, nunca a haviam tido.

Tristes tempos em que os jovens licenciados, mestrados e doutorados têm de emigrar para poderem ganhar dinheiro suficiente, para viver e constituir família.

Tristes tempos em que, por tal razão, os mais qualificados, em vez de reforçarem os serviços públicos nacionais, são compelidos a aceitar trabalho no estrangeiro, não contribuindo, assim, para a qualificação do aparelho de Estado português e das suas funções sociais essenciais. 

Tristes tempos em que não é possível às forças políticas do arco constitucional chegar a um renovado compromisso quanto às medidas certas, justas e rápidas para dar, ainda hoje, uma vida decente aos cidadãos e residentes estrangeiros que trabalham no nosso país e cujo salário, mesmo quando legal, só lhes permite optar por comer mal e viver em camaratas exíguas e insalubres.

Tristes tempos em que a Justiça corre demasiado devagar para ser socialmente útil, apenas adquirindo velocidade cruzeiro nos casos comuns e quando, mesmo que o não note, é usada e abusada, não para apurar responsabilidades e, assim, contribuir para desenvolver e pacificar o país, mas para exponenciar antagonismos políticos preexistentes e, sobretudo, os conflitos entre políticos.

Tristes tempos em que alguns órgãos do poder político, apesar de alertados, em tempo, para os imprevistos, mas nocivos efeitos de alguns aspetos mal pensados dos diplomas que aprovaram, não são, capazes de, em prazo útil – o mesmo que exigem, e bem, da Justiça – mudar a legislação que a enreda em contradições óbvias.

Tristes tempos em que, como já não lembra a ninguém – um ninguém de inspiração garretiana – os que ainda se preocupam com o funcionamento da Justiça e tentam, transparentemente, como cidadãos sabedores e livres, despertar a consciência dos que, com eles, nela trabalham, apelando à necessidade de uma revisão autocrítica coletiva e regeneradora do sistema, em vez de louvados por isso, são publicamente chamados a justificar-se.

Tristes tempos em que, devido à extremada sensibilidade de alguns – deverei dizer insegurança, sentimento de culpa? – os que se recusam a aceitar, passivamente, a inevitabilidade do atual estado das coisas na Justiça logo são apontados a dedo.

Tristes tempos em que o simples anúncio público de tais inquirições – por mais legítimas que possam ser e, presume-se, desconhecido seja, igualmente, o seu resultado – longe de ser lido como uma chamada à reflexão por muitos reclamada, foi interpretado, por certo erradamente, como uma intimidação aos que, por ora, apenas se atrevem a sussurrar, nos corredores dos serviços onde exercem, o que foi dito, em boa forma de imprensa, pelos mais corajosos e leais dos seus colegas.

Tristes tempos – fazendo lembrar outros tempos – em que a liberdade de expressão de uns é constrangida, além do mais, pelos rudes comentários dos que, circunstancialmente, ocupam a direção de um sindicato, cujos anteriores corpos diretivos, mesmo quando deles discordavam, tiveram sempre, como prática democrática, defender os direitos de cidadania de todos os seus associados e o pluralismo de opinião.

Tristes tempos – fazendo lembrar, uma vez mais, outros tempos – em que os que se atrevem a contestar o funcionamento do sistema são, inclusivamente, criticados como hereges e infiéis, por alguns daqueles que, nos jornais, nas rádios e nas TVs, gostam de guardar para si o direito de crítica e a liberdade de a exercer.

Tristes tempos em que poucos são os que, ainda, assumem frontalmente a responsabilidade pelo que fazem ou deixam fazer, inclusive quando a sua função é, precisamente, a de se responsabilizarem pelo que, em seu nome, é, foi e projeta ser feito.

Tristes tempos em que, em vez de se discutir, livre e construtivamente, ante e com todos os cidadãos, quais as melhores soluções para uma sociedade mais justa, se discute, de preferência, o diz-que-disse sem algum substancial interesse político e social, a não ser para os que, nos media, procuram remover o passado, descortinar o futuro e ocultar o presente, como se fossem médiuns de uma qualquer seita esotérica.

Tristes tempos, sim, em que já chega o que chega!

 

Já chega o que chega


Tristes tempos em que a Justiça corre demasiado devagar para ser socialmente útil e os que, com conhecimento de causa, se inquietam com o seu mau funcionamento, em vez de louvados por expressarem desassombradamente essa sua preocupação, são publicamente chamados a justificar-se.


Tristes tempos, estes, que vivemos.

Tristes tempos os que se passam na Palestina, onde reféns de um lado são mercadejados pelos do outro, como se de crianças, mulheres e homens de carne e osso se não tratasse.

Tristes tempos em que uma espécie mais violenta de «drôle de guerre» se mantém na Ucrânia, sem que ninguém, verdadeiramente, pense acabar com o conflito e com o inútil crescendo de mortes e destruição produzidas em ambos os lados.

Tristes tempos em que vemos a sede da nossa Assembleia da República servir de palco a um comício da extrema direita que, pelo seu conteúdo, nos fere quase mais que o papel falseado que o antigo regime português lhe deu, quando ali funcionava um arremedo de câmara de deputados.

Tristes tempos em que, no seio da União Europeia, apesar da riqueza geral acumulada ser muita, mas muito mal distribuída também, Estados ricos, como é, por exemplo, o dos Países Baixos, não conseguem resolver o problema da habitação; pelo menos para os mais jovens.

Tristes tempos em que, com maior dramatismo ainda, isso sucede, igualmente, no nosso país; mesmo que, em tempos de maior generosidade, quando muito mais pobres, tivéssemos sido capazes de, solidariamente, erradicar as cinturas de barracas que cercavam Lisboa e o Porto e dar casa aos que, antes, no anterior regime, nunca a haviam tido.

Tristes tempos em que os jovens licenciados, mestrados e doutorados têm de emigrar para poderem ganhar dinheiro suficiente, para viver e constituir família.

Tristes tempos em que, por tal razão, os mais qualificados, em vez de reforçarem os serviços públicos nacionais, são compelidos a aceitar trabalho no estrangeiro, não contribuindo, assim, para a qualificação do aparelho de Estado português e das suas funções sociais essenciais. 

Tristes tempos em que não é possível às forças políticas do arco constitucional chegar a um renovado compromisso quanto às medidas certas, justas e rápidas para dar, ainda hoje, uma vida decente aos cidadãos e residentes estrangeiros que trabalham no nosso país e cujo salário, mesmo quando legal, só lhes permite optar por comer mal e viver em camaratas exíguas e insalubres.

Tristes tempos em que a Justiça corre demasiado devagar para ser socialmente útil, apenas adquirindo velocidade cruzeiro nos casos comuns e quando, mesmo que o não note, é usada e abusada, não para apurar responsabilidades e, assim, contribuir para desenvolver e pacificar o país, mas para exponenciar antagonismos políticos preexistentes e, sobretudo, os conflitos entre políticos.

Tristes tempos em que alguns órgãos do poder político, apesar de alertados, em tempo, para os imprevistos, mas nocivos efeitos de alguns aspetos mal pensados dos diplomas que aprovaram, não são, capazes de, em prazo útil – o mesmo que exigem, e bem, da Justiça – mudar a legislação que a enreda em contradições óbvias.

Tristes tempos em que, como já não lembra a ninguém – um ninguém de inspiração garretiana – os que ainda se preocupam com o funcionamento da Justiça e tentam, transparentemente, como cidadãos sabedores e livres, despertar a consciência dos que, com eles, nela trabalham, apelando à necessidade de uma revisão autocrítica coletiva e regeneradora do sistema, em vez de louvados por isso, são publicamente chamados a justificar-se.

Tristes tempos em que, devido à extremada sensibilidade de alguns – deverei dizer insegurança, sentimento de culpa? – os que se recusam a aceitar, passivamente, a inevitabilidade do atual estado das coisas na Justiça logo são apontados a dedo.

Tristes tempos em que o simples anúncio público de tais inquirições – por mais legítimas que possam ser e, presume-se, desconhecido seja, igualmente, o seu resultado – longe de ser lido como uma chamada à reflexão por muitos reclamada, foi interpretado, por certo erradamente, como uma intimidação aos que, por ora, apenas se atrevem a sussurrar, nos corredores dos serviços onde exercem, o que foi dito, em boa forma de imprensa, pelos mais corajosos e leais dos seus colegas.

Tristes tempos – fazendo lembrar outros tempos – em que a liberdade de expressão de uns é constrangida, além do mais, pelos rudes comentários dos que, circunstancialmente, ocupam a direção de um sindicato, cujos anteriores corpos diretivos, mesmo quando deles discordavam, tiveram sempre, como prática democrática, defender os direitos de cidadania de todos os seus associados e o pluralismo de opinião.

Tristes tempos – fazendo lembrar, uma vez mais, outros tempos – em que os que se atrevem a contestar o funcionamento do sistema são, inclusivamente, criticados como hereges e infiéis, por alguns daqueles que, nos jornais, nas rádios e nas TVs, gostam de guardar para si o direito de crítica e a liberdade de a exercer.

Tristes tempos em que poucos são os que, ainda, assumem frontalmente a responsabilidade pelo que fazem ou deixam fazer, inclusive quando a sua função é, precisamente, a de se responsabilizarem pelo que, em seu nome, é, foi e projeta ser feito.

Tristes tempos em que, em vez de se discutir, livre e construtivamente, ante e com todos os cidadãos, quais as melhores soluções para uma sociedade mais justa, se discute, de preferência, o diz-que-disse sem algum substancial interesse político e social, a não ser para os que, nos media, procuram remover o passado, descortinar o futuro e ocultar o presente, como se fossem médiuns de uma qualquer seita esotérica.

Tristes tempos, sim, em que já chega o que chega!