A confiança é o capital de todo o negociador. Se a negociação directa é impossível cabe aos mediadores, facilitadores e tomadores de dores alheias emprestar um crédito de confiança àqueles que desdenham da possibilidade de existir uma qualquer negociação. A tomada de reféns pelo Hamas foi feita com o propósito de provocar uma negociação. Por mais odiosa que seja a origem deste trunfo negocial, a Administração Biden foi capaz de o utilizar para iniciar um processo negocial que se quer mais vasto. O primeiro episódio de libertação de reféns, posterior à visita de Biden a Israel, incluiu duas cidadãs dos EUA. A passagem ao nível seguinte – a troca de reféns por palestinianos que se encontram detidos em Israel – implica um investimento de confiança de parte a parte e que, ao mesmo tempo, obriga, nem que seja por curtos períodos, à redução das hostilidades, garantindo as condições mínimas de segurança para a troca.
O nome da coisa é importante. Só no dia 15 de Novembro foi possível ao Conselho de Segurança da ONU aprovar uma resolução sobre a situação na Palestina a seguir ao ataque de 7 de Outubro. A resolução 2712 foi aprovada porque apela a “pausas humanitárias” conceito ajurídico que não se confunde com os tradicionais cessar fogo, trégua, armistício e certamente não corresponde a um acordo de paz ou a uma rendição. No entanto as pausas humanitárias são uma modalidade de suspensão de hostilidades, sem assumirem um dos seus nomes tradicionais. No caso em apreço permitem a cada um dos beligerantes manter as respectivas posições negociais. Israel mantém o estado de guerra, não reconhece o Hamas como um sujeito de Direito Internacional Público que se possa confundir com o Estado da Palestina e recupera alguns dos reféns. O Hamas vê-se reconhecido como interlocutor, procede a uma troca de “prisioneiros” (uma actividade tradicional em situações de beligerância) e obtém o reforço do apoio humanitário a Gaza.
Tudo isto já seria um grande progresso no caminho para uma solução negociada do conflito. Mas dois dos principais negociadores, William Burns, um dos mais experientes diplomatas dos EUA e actual Director da CIA e David Barnea, o Director da Mossad (e um representante da tecnocracia militar e dos serviços de informação que não simpatiza com as derivas nepotísticas de Netanyahu) deixaram no acordo mediado pelo Qatar uma prova de talento negocial: um sistema de incentivo à continuação da negociação. Concluída a troca dos 50 reféns (mulheres e crianças) por 150 prisioneiros (mulheres e adolescentes), com recurso a uma pausa nas hostilidades com a duração de 6 horas diárias durante quatro dias, haverá mais um dia de pausa por cada 10 reféns que venham a ser libertados (supondo-se a manutenção da proporção na troca por prisioneiros).
A pausa humanitária é um acordo escrito, passível de violação, com mecanismos de verificação cujo conteúdo desconhecemos e, muito provavelmente, ainda sem mecanismos institucionais. Mas a pausa humanitária é um bom ponto de Arquimedes a partir do qual se pode tentar devolver alguma confiança entre os beligerantes. Começando pela libertação de todos os reféns.
Muitos são os que, junto do Governo de Israel, mas também junto do Hamas, estão apostados em fazer fracassar o acordo. São aqueles para quem qualquer acordo é indesejável. São aqueles para quem a negociação é anátema. São aqueles que, desta vez, têm de ser derrotados.