Tal como previsto, o Sínodo dos Bispos que terminou a 29 de outubro, e que reuniu bispos e fiéis de todo o mundo, terminou sem uma conclusão, até porque esse era precisamente o objetivo do Papa Francisco, que queria que os presentes, de latitudes e culturas muito diferentes, se ouvissem uns aos outros para no próximo ano se tentar chegar a uma conclusão sobre o futuro da Igreja Católica. É verdade que todos os assuntos fraturantes foram discutidos, mas o documento final, também tal como combinado, dá ideias do que se falou, mostrando posições antagónicas, mas usando uma linguagem unificadora. «O melhor exemplo talvez seja a palavra LGBT, usada noutros sínodos, e que neste nunca é referido como tal», como explica ao_Nascer do SOL fonte ligada ao processo sinodal. De facto, na síntese, de 40 páginas, o documento refere, por exemplo, questões «relacionadas à identidade de género e à orientação sexual». A tentativa de consenso foi uma das preocupações, embora se saiba «que as questões fraturantes nunca terão a unanimidade, como é óbvio», acrescenta a mesma fonte.
Falando em questões fraturantes, um dos temas que mereceu mais energias dos presentes foi a recuperação da figura da diaconisa e as opiniões, como não podia deixar de ser, extremaram-se. Houve quem achasse que é um «passo inaceitável», enquanto outros entendem que recuperaria uma prática da Igreja primitiva.
Também se falou que «seria uma resposta apropriada e necessária aos sinais dos tempos para renovar a vitalidade e a energia da Igreja». Do outro lado surgiram mais críticas, falando-se do «temor de que esse pedido seja a expressão de uma perigosa confusão antropológica, aceitando que a Igreja se alinhe com o espírito dos tempos».
Em causa está a possibilidade de as mulheres diáconos terem a oportunidade de realizar casamentos, funerais e outras atividades religiosas, suprindo dessa forma a falta de padres. E aqui entram, outra vez, os dois campos antagónicos. Para alguns teólogos ouvidos pelo Nascer do SOL, o Papa quer permitir o regresso das diaconisas para calar os progressitas e dessa forma deixar os outros temas complicados mais para a frente. O problema, diz um padre especialista no assunto, é que é impossível dizer com clareza qual foi o papel das diaconisas nos primórdios da Igreja. «É muito difícil. Muita gente pode estar a discutir hoje, amanhã, mas, no fundo, os especialistas no assunto – em questões do Novo Testamento, na Igreja antiga, na história da Igreja, na história do Direito, na história dentro das instituições e tudo e mais alguma coisa – chegam a uma conclusão final: ‘Não sabemos’».
No Sínodo, as mulheres presentes fizeram leituras diferentes sobre o futuro da Igreja, notando-se opiniões opostas, mas nalguns pontos houve unanimidade: as mulheres «exigem justiça numa sociedade marcada pela violência sexual e desigualdades económicas, e pela tendência de tratá-las como objetos. O acompanhamento e a forte promoção das mulheres andam de mãos dadas».
Quanto ao clericalismo e machismo no interior da Igreja, expressaram «profunda gratidão pelo trabalho dos padres e bispos, mas também falaram de uma Igreja que fere. O clericalismo, o machismo e o uso inadequado da autoridade continuam a marcar a face da Igreja e a prejudicar a comunhão. É necessária uma profunda conversão espiritual e mudanças estruturais, bem como um diálogo entre homens e mulheres sem subordinação, exclusão ou competição».
Temas fraturantes
Muito se escreveu que o encontro seria uma espécie de ajuste de contas entre progressistas e conservadores, onde as questões dos homossexuais, os recasados ou a ordenação de mulheres estaria em cima da mesa e até poderia provocar um cisma na Igreja.
«O Papa Francisco, independentemente da sua opinião sobre os vários assuntos, na questão do Sínodo, e isto talvez seja um bocadinho a sua própria formação como jesuíta, o que lhe interessa, mais do que outra coisa qualquer, é que as pessoas entendam uma dinâmica que, para quem é crente, procure verdadeiramente escutar o outro e escutar o que o Espírito Santo está a querer dizer à Igreja. Isto é que talvez seja a maior revolução deste Sínodo», acrescenta o padre.
O documento síntese do Sínodo começa por realçar a necessidade de existir uma «abertura para ouvir e acompanhar todos, inclusive aqueles que sofreram abusos e ferimentos na Igreja. Ao longo do caminho a ser percorrido ‘rumo à reconciliação e à justiça’, ‘é preciso abordar as condições estruturais que permitiram tais abusos e fazer gestos concretos de penitência», de acordo com a síntese da síntese do Vatican News.
Continuando a citar o Vatican News, o documento de 40 páginas é o resultado do trabalho «que se realizou enquanto velhas e novas guerras assolam o mundo, com o drama absurdo de inúmeras vítimas. O grito dos pobres, dos que são obrigados a migrar, dos que sofrem violência ou sofrem as consequências devastadoras das mudanças climáticas ressoou entre nós, não só através dos média, mas também das vozes de muitos, pessoalmente envolvidos com suas famílias e povos nesses trágicos acontecimentos».
As conclusões não deixam de fora os problemas do racismo e da xenofobia – tem de haver o cuidado da Igreja «em educar para uma cultura do diálogo e do encontro, combatendo o racismo e a xenofobia, especialmente nos programas de formação pastoral. Também é urgente identificar os sistemas que criam ou mantêm a injustiça racial dentro da Igreja e combatê-los». Quanto aos migrantes, o Sínodo realça a necessidade de combater as hostilidades em relação a eles, convidando os católicos a «praticar uma acolhida aberta, a acompanhá-los na construção de um novo projeto de vida e a construir uma verdadeira comunhão intercultural entre os povos (…) mantendo o respeito pelas tradições litúrgicas e as práticas religiosas».
Falou-se de tudo, ou quase, e os abusos sexuais não ficaram de fora, o celibato dos padres também não, a necessidade de acolher fiéis de outras confissões religiosas «sem passar pelo processo de assimilação», do papel das mulheres, e não estamos a falar das diaconisas, pois muitos acreditam que o futuro da Igreja está nas mulheres. A poligamia também não ficou de fora da representação africana, e incentivou-se promover «um discernimento teológico e pastoral» sobre a problemática!_Por fim, e deixando muitas coisas de fora, falou-se nas novas tecnologias, apelando-se ao «reconhecimento, formação e acompanhamento de missionários digitais», criando «redes colaborativas de influencers», como notava o site Salesianos.
Para o ano, quando todos se voltarem a reunir no Vaticano, logo se verá o que vai ser decidido. Se haverá uma cisão ou se todos caminharão juntos, apesar das diferenças. Sobre este assunto, um padre ouvido pelo Nascer do SOL dá a sua opinião: «Os exemplos que nós temos, sobretudo nas Igrejas irmãs, nomeadamente a anglicana, é que ao tomar uma decisão nos problemas fraturantes, é essa mesmo decisão fraturante. Criam-se mais problemas do que os que se resolvem».
É «prematuro tirar conclusões do Sínodo. O que o Sínodo é e poderá vir a ser é sobretudo uma pergunta. Dizer que os conservadores ou os progressistas estão a ganhar, nesta fase do campeonato, parece-me só idiota. Quem fez ou faz leituras definitivas deve estar a confundir os seus desejos com a realidade. Às vezes as coisas não coincidem. As pessoas confundem as suas ideias com a realidade. O Papa Francisco não é o Che Guevara, não é um Lenine ou Estaline, isto não existe na figura do papado. Na Igreja, a maior parte dos conservadores não lhe acha muita graça, mas os progressistas que projetaram nele tudo o que é desejos, ambições e expectativas tem uma grande falta de realismo total. As pessoas que esperavam grandes decisões, não conhecem o Papa Francisco, e não conhecem as dinâmicas da Igreja universal». l
vitor.rainho@nascerdosol.pt